03/08/2015

International Higher Education | 81

Internacionalização e tensão global: lições da História

Philip G. Altbach and Hans de Wit
Altbach é professor pesquisador e diretor fundador do Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College. E-mail: altbach@bc.edu. De Wit é o novo diretor Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College e continua como diretor do Centro para o Ensino Superior Internacional da Università Cattolica del Sacro Cuore em Milão. E-mail: J.w.m.de.wit@ hva.nl
No inicio do ano de 2015, após um ano de crescentes tensões politicas e militares que se intensificaram em várias partes do mundo, incluindo a Europa, e os ataques fundamentalistas em Paris, é portanto de grande relevância examinar suas implicações para o ensino superior.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      A presente conjuntura global inevitavelmente afetará o ensino superior internacional. Os crescentes conflitos ideológicos, religiosos e nacionalistas desafiam as ideias originais de cooperação internacional e intercâmbio no ensino superior, tanto quanto os promotores da paz, da compreensão mútua e do envolvimento global. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, não fomos acostumados a esse tipo de tensão e instabilidade em escala global. Que lições podemos aprender do passado em como agir e reagir neste novo contexto? 
 
A guerra para pôr fim a todas as guerras
Em épocas medievais, poder-se-ia falar de um tipo de espaço de ensino superior europeu, semelhante ao atual, com acadêmicos e estudantes em movimento e uma língua comum — latim. As universidades nos séculos 18 e 19 na sua maioria tornaram-se menos internacionais quando adotaram as línguas nacionais, às vezes até proibiam estudar no exterior e centravam-se nas prioridades nacionais. Podendo dizer-se, assim de nacionalização e deseuropeização do ensino superior naquele período. O final da Primeira Guerra Mundial trouxe uma explosão de internacionalismo. Vale a pena determo-nos na internacionalização do século passado, porque ajudou a moldar as realidades contemporâneas. Na sequência do trauma da Primeira Guerra Mundial, havia a forte crença de que a comunidade acadêmica poderia ajudar na construção da solidariedade internacional e contribuir para construção da paz. Um século após o início da Grande Guerra, é particularmente relevante observar o papel e o fracasso da academia nesses esforços idealistas. 
 
A Europa saiu da Primeira Guerra, profundamente traumatizada. Intelectuais e acadêmicos em todos os lados queriam construir a solidariedade entre as nações europeias como uma contribuição para a paz. A maioria ficou horrorizada de que as comunidades acadêmicas em todos os lados pudessem enveredar com tanta facilidade pelo caminho do nacionalismo fervoroso no inicio do conflito, facilmente desistindo dos ideais do iluminismo. 
 
A criação de organizações — como o Instituto de Educação Internacional (IIE) nos Estados Unidos em 1919, o Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (Deutscher Akademischer Austauschdienst ou DAAD) na Alemanha em 1925, e o Conselho Inglês no Reino Unido em 1934 — são exemplos de iniciativas políticas para estimular a paz e a compreensão mútua sob a égide da Liga das Nações. Tais esforços não conseguiram pôr fim a subida do nazismo e do fascismo na Europa ou o militarismo japonês no Extremo Oriente. Mais uma vez, os objetivos de paz e cooperação foram derrotados por forças políticas negativas. O fracasso mais drástico foi na Alemanha nazista, onde as universidades participaram no ultranacionalismo nazista. 
 
Uma verdadeira conflagração global e suas consequências
Aqueles que passaram pela Primeira Guerra Mundial não poderiam imaginar uma conflagração semelhante — mas apenas 21 anos mais tarde, a Segunda Guerra Mundial começou. Quando a guerra terminou em 1945, mais uma vez surgiu uma onda de idealismo, desta vez acompanhada pela criação das Nações Unidas, sinalizando um compromisso com a segurança global e o desenvolvimento. A dissolução dos impérios coloniais também criou novas realidades para o ensino superior no Terceiro Mundo emergente. Mais uma vez, a cooperação do ensino superior foi identificada como o meio para fomentar o desenvolvimento da compreensão mútua, e programas modestos de intercâmbio foram estabelecidos ou fortalecidos. O Programa Fullbright é o exemplo mais dramático disso.
 
Na Europa, a mobilidade de estudantes e efetivos dos antigos impérios coloniais para a Europa Ocidental foi o principal enfoque das atividades do ensino superior, mas eram bastante fragmentadas e limitadas. No contexto nacional, pelo menos na Europa e América do Norte, a cooperação e intercâmbio foram incluídas como atividades pequenas em acordos bilaterais entre nações e nos programas de cooperação para o desenvolvimento, orientados por princípios de racionalidade política. As instituições acadêmicas eram em geral parceiras passivas nesses programas. 
 
A Guerra Fria e a politização da internacionalização
O ensino superior, assim como a vida intelectual e cultural, geralmente se tornavam joguetes e até frentes importantes nas lutas ideológicas do período. A “Era dos Bons Sentimentos,” durou apenas alguns anos, enquanto o conflito entre o Bloco Soviético e o Ocidente começou a se desenvolver em 1946 — com duração até o colapso da União Soviética em 1989. A ideologia e a política do poder mostraram-se bastante presentes na Guerra Fria, com a luta entre comunismo e capitalismo, bem como a disputa política entre as grandes potências no centro.
 
Influenciada pela a Guerra Fria, a ideologia mais que o idealismo definiu a agenda no ensino superior, especialmente entre os Estados Unidos e a União Soviética. A Europa não foi tão afetada porque o Terceiro Mundo era o campo de batalha da cooperação educacional internacional — e conflito: dominância permanente de modelos ocidentais e sistemas do ensino superior, a influência da língua inglesa, o impacto da formação estrangeira, a dominância de produtos científicos ocidentais, ideias e estruturas. Em outras palavras, as hegemonias do ensino superior ocidental e neocolonial estavam ligadas a muito das relações do ensino superior internacional durante este período. A União Soviética, por sua vez estava semelhantemente engajada na expansão de sua influência. Na Europa, a Cortina de ferro que dividia a Europa Central e Oriental do ocidente impediu todas as cooperações do ensino superior exceto as mais elementares.
 
Apenas na década de 1970 quando a Europa ocidental havia se recuperado suficientemente do impacto da Segunda Guerra Mundial e iniciado seu processo de integração, que um novo tipo de cooperação acadêmica foi realizada, surgindo um intercâmbio que estava mais focado no fortalecimento da cooperação europeia e intercâmbio dentro dos países da então emergente União Europeia. Um modesto aquecimento nas relações oriente ocidente abriu portas para a cooperação acadêmica de alguma forma.  
 
A política externa acadêmica ocidental, como no caso da União Soviética, estava também diretamente ligada às prioridades da Guerra Fria. As antigas potências colonialistas — o Reino Unido, a França e de alguma forma a Holanda — buscavam manter suas influências em suas antigas colônias através de uma gama de programas de bolsas de estudo, colaborações com universidades entre outros esquemas. Tais iniciativas também competiam diretamente com a União Soviética.
 
Os Estados Unidos, como um contraponto à União Soviética na Guerra Fria, desenvolveu iniciativas ativas e de longo alcance de “poder brando,” tais como o Programa Fulbright, estabelecido em 1946, a Lei de Defesa Nacional de Educação de 1958 (uma reação direta ao lançamento do Sputnik pela União Soviética), Título VI da lei de Ensino Superior de 1960 que tinha como objetivo estimular o desenvolvimento de estudos de áreas e centros de língua estrangeira, bem como programas para estudos internacionais e assuntos internacionais. Muitos programas de parcerias acadêmicas, financiadas através da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional e outras organizações, interligou as universidades americanas com outras universidades em muitos países em desenvolvimento. Tais iniciativas devem ser vistas no contexto das tentativas dos Estados Unidos de se tornar o líder do mundo não comunista em sua Guerra Fria com a União Soviética.
 
Após a Guerra Fria: aumento da cooperação internacional e intercâmbio
Na década de 1980, os primeiros sinais do aumento da cooperação acadêmica entre a Europa oriental e central assim como com os Estados Unidos tornou-se evidente. Ainda assim, a cooperação acadêmica era principalmente uma questão política e pouco institucional e a autonomia pessoal foi possível. Apenas após a queda da Cortina de Ferro no final da década de 1980 que a cooperação no ensino superior aumentou rapidamente. Tanto a Comissão Europeia como os governos nacionais desenvolveram programas para melhorar a qualidade do setor e estimular a cooperação e o intercâmbio. O Sistema de Mobilidade Transeuropeia para Estudantes Universitários, TEMPUS, sigla em inglês para The Transnational European Mobility Program for University Studies scheme da comunidade Europeia, estabelecido em 1990 para Hungria e Polônia e expandido para os outros países europeus orientais e centrais ao longo dos anos. Um importante exemplo de iniciativas nacionais é o CEEPUS, um programa do governo austríaco. Estas iniciativas formaram as bases, não apenas para a inclusão destes países nos programas europeus regulares como os Programas Estruturais para Pesquisa e Desenvolvimento e ERASMUS, mas também podem ser vistos como um campo de testes para a integração destes países na União Europeia. Sem dúvida, a impressionante gama de programas de colaboração, pesquisa e intercâmbios patrocinados pela União Europeia, tanto para os principais países da EU, como para um vasto público europeu estão relacionados aos objetivos econômicos e políticos mais amplos da União Europeia.
 
A combinação de políticas e ensino superior internacional
Veremos outra vez a deseuropeização e nacionalização do ensino superior na Europa emergindo à luz de grandes criticas da integração europeia, o crescimento de movimentos populistas nacionalistas, e tensões entre a Rússia, a Europa ocidental e os Estados Unidos?
 
No século 20, políticas e conflitos ideológicos globais dominaram a agenda internacional no mundo todo. A cooperação acadêmica e intercâmbio têm sido em muitos casos, incluindo durante a Guerra Fria, as principais relações entre as nações: continuaram a assumir um lugar e até foram estimulados a preparar o caminho para contatos posteriores. Precisamos aprender dessas lições. O ensino superior internacional é substancialmente diferente de períodos históricos anteriores, assim como da Guerra Fria. Seu escopo é também diferente com influências de poder acadêmico e politico diferentes de outras regiões do mundo, especialmente a Ásia. Porém, embora devamos ser realistas quanto a fato da cooperação internacional e intercâmbio não serem garantias para a paz e compreensão mútua, continuam como mecanismos essenciais para manutenção de uma comunicação aberta e de um diálogo ativo.   Os conflitos globais cada vez mais disseminados — baseados no fundamentalismo religioso, nacionalismo ressurgente, e outros desafios — prejudicarão os surpreendentes avanços feitos na cooperação do ensino superior internacional?
 
Esta é uma versão resumida de um artigo publicado no Journal of Studies in International Education, vol. 19, nº. 1, 2015.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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