13/06/2013

International Higher Education

Imaginando a universidade

Ronald Barnett
Ronald Barnett é professor emérito do ensino superior no Instituto de Pedagogia da Universidade de Londres. Seu mais recente livro é Imagining the University (Routledge, 2013). E-mail: R.Barnett@ioe.ac.uk
As páginas do International Higher Education são testemunha das contínuas mudanças observadas nas universidades de todo o mundo. É possível uma identificação fácil com tais mudanças e o estabelecimento de um diálogo sobre elas mesmo em ambientes muito diferentes – de modo que o resultado é um debate de alcance mundial.
 
Essas reflexões abrem temas de grande importância. O fato de o debate poder ultrapassar as fronteiras nacionais é um indício do quanto as mudanças que se processam atualmente são de natureza global. São mudanças que identificamos nos últimos 30 anos, incluindo termos a elas associados como a emergência da economia global do conhecimento, a disseminação do mercado e o neoliberalismo. Mais recentemente, termos como o capitalismo cognitivo e o capitalismo de conhecimento foram propostos. Também estão associados a elas desenvolvimentos nas tecnologias de computação que tornam possível o envolvimento público, interativo e multimodal com o conhecimento.
 
Em parte como resultado dessas forças globais, testemunhamos ascensão da universidade empreendedora. Esta universidade se entende como no controle de serviços e produtos - intimamente conectados com a formação e transmissão do conhecimento - que trocaram valor no mercado. Antes uma pequena instituição no limiar da sociedade, a universidade se tornou uma instituição de grande importância centralmente envolvida na formação de um mundo com base na cognição.
 
Respostas
Foram muitas as reações a estes fenômenos. Primeiro, respondem aqueles que enunciam a própria ideia da universidade empreendedora. Trata-se de um misto daqueles que estão na esfera política; os níveis superiores da administração e liderança das universidades; agências do Estado; consultores independentes; e centros de estudos estratégicos. Em segundo lugar, os críticos acadêmicos desposam uma linguagem, numa veia critica, cuja origem está no neoliberalismo, no foco no desempenho, no capitalismo acadêmico e no processo de conversão em commodity. Em terceiro, um grupo de críticos ataca a universidade por ser lenta ao enfrentar os desafios da era. Tais críticos apontam para oportunidades de emergência da universidade sem limites, a universidade sem fronteiras e a universidade colaborativa. De acordo com tal concepção, a universidade está sempre atrasada no jogo, e demora em abraçar as oportunidades que se apresentam.
 
Por fim, há os filósofos e teóricos sociais: ao expor suas opiniões respeito da universidade, eles tendem a operar num nível algo abstrato. Ao criticar a universidade, desistem de oferecer propostas especificas, concentrando-se em vez disso nas condições comunicativas que precisam ser satisfeitas por uma universidade digna desse nome. Uma instituição desse tipo pode ser descrita como uma universidade da dissensão, uma situação do discurso ideal ou (em termos ainda mais vagos) uma universidade sem condição.
 
Formas de imaginação
Seria tentador caracterizar todo esse debate como fruto da falta de imaginação, mas isso seria injusto. Ao contrário, como fica evidente em nossas observações, há várias formas de imaginar a universidade, e tais formas de imaginação são amplificadas na literatura acadêmica, às vezes obscura.
 
As formas de imaginação se acomodam ao longo de certas fraturas. Aqueles que são favoráveis à universidade empreendedora se mostram cheios de excessivo otimismo, enquanto aqueles que fazem as críticas acadêmicas comuns são caracterizados pelo extremo pessimismo (mostrando que o mundo do ensino superior não poderia ser diferente do seu estado atual). Certas imaginações funcionam no nível superficial (sem criticar aspectos como qualidade, excelência e tecnologia), enquanto outros tentam mergulhar nas profundas estruturas globais subjacentes que afetam a universidade. Além disso, como já foi dito, certas formas de imaginação apoiam implicitamente a maneira com a qual as coisas têm se passado para a universidade, enquanto outras a criticam.
 
Pobreza de imaginação
Parece, portanto, que longe de mostrar falta de imaginação, houve nos últimos anos uma verdadeira enchente de ideias. Há, no entanto, dois pontos críticos a serem expostos.
 
Primeiro, como já implicado, novas ideias e concepções da universidade estão emergindo da literatura acadêmica e chegando ao debate público. E um dos motivos disto é o fato de a maioria dessas ideias não se encaixar no clima de nossa época. Trata-se de um clima que espera um retorno satisfatório do dinheiro investido nos serviços públicos, a conta paga pelo consumidor, e a crença de que o teste do retorno de um empreendimento está n presença de consumidores dispostos a comprá-lo. Emergiu, portanto, um regime discursivo no qual a ideia da universidade empreendedora se encaixa perfeitamente. Não surpreende que tal concepção pareça ser a única possível no âmbito atual das universidades.
 
Mas outro motivo é ajudar a explicar a escassez de ideias no domínio público: talvez essas ideias na literatura acadêmica não mereçam desfrutar de uma circulação ampla. Afinal, uma ideia imaginativa da universidade não é necessariamente uma boa ideia. Talvez mais do que um aumento nas concepções de universidade, o realmente necessário sejam concepções melhores.
 
Em segundo lugar, apesar da fecundidade de ideias, ainda se pode falar numa pobreza de imaginação nesse sentido. Sem dúvida são necessárias concepções da universidade que sejam ao mesmo tempo de tom crítico, espírito positivo e conscientes das estruturas profundas e globais que regem o funcionamento dessas instituições. Boa parte da literatura acadêmica é, como já foi comentado, desnecessariamente pessimista: será que podemos então ser ao mesmo tempo realistas em relação à situação na qual a universidade se encontra em todo o mundo e ainda assim otimistas, propondo concepções criativas para a universidade que possam ser de fato realizadas, mesmo que o jogo pareça desfavorável à esta importante instituição de ensino? É claro que aquilo de que necessitamos não são utopias, e sim utopias possíveis.
 
Utopia possível?
Eis aqui uma candidata a utopia possível: a universidade ecológica. Tal conceito se aproveitaria do fato de ser entrelaçado - em níveis muito profundos do seu ser - à economia global do conhecimento e às forças do mercado e da concorrência. Mas buscaria espaços nos quais fosse possível levar a cabo os valores e ideias profundamente incorporados à universidade - veracidade, curiosidade, diálogo crítico, disputa racional, e até empreendimento iconoclasta. A universidade ecológica seria também sensível ao seu envolvimento com tais ecologias funcionando em todos os níveis, do indivíduo até as comunidades e sociedades, chegando ao próprio mundo. Além disso, embora a ideia de ecologia seja caracteristicamente associada à da sustentabilidade, a universidade ecológica não se daria por satisfeita com esta concepção (sendo meramente sustentável em relação aos alunos, à sociedade ou mesmo ao mundo), buscando a promoção do bem-estar em todos os níveis.
 
Conclusão
A ideia central deste artigo é chamar a atenção para a necessidade de mais criatividade no pensamento que envolve a universidade: uma criatividade que ofereça utopias possíveis. A sugestão de uma universidade ecológica é apenas uma possibilidade desse tipo. Entretanto, uma universidade que quisesse enxergar a si mesma como universidade ecológica se tornaria uma universidade criativa. Afinal, a tarefa de se criar uma universidade ecológica exige imaginação coletiva. Da mesma maneira, a arte da liderança universitária se torna em parte a de incentivar e orquestrar a criatividade coletiva, de modo que uma universidade concretize suas possibilidades em todos os níveis e em todas as suas atividades. Isto, por sua vez, exige nada menos do que aquilo que um novo tipo de concepção espacial deveria abrir em nossas universidades, uma concepção nada menos do que aérea.