25/04/2012

International Higher Education

Ideias de mobilidade estudantil na Alemanha

Ulrich Teichler
Professor do International Centre for Higher Education Research, Universidade de Kassel, Alemanha. E-mail: mann@incher.uni-kassel.de
International Higher EducationA decisão tomada pela União Europeia em 1986 prevendo o estabelecimento do programa Erasmus para a promoção da mobilidade estudantil temporária dentro da Europa foi compreendida como algo de alcance pouco duradouro. Além disso, o Erasmus deveria ser encerrado, não apenas se não produzisse um expressivo efeito de estímulo como também se obtivesse sucesso. Nesse último caso, todos os países europeus assumiriam o financiamento nacionalmente.
 
Na Alemanha, os recursos públicos para a mobilidade de estudantes e jovens pesquisadores serviram tradicionalmente a duas áreas prioritárias: o apoio para a mobilidade de entrada e saída de alunos do doutorado e o apoio a estudantes de países em desenvolvimento em busca de diplomas de todo o tipo na Alemanha.
 
Inicialmente, o programa Erasmus não foi bem recebido na Alemanha. Os governos locais se manifestaram contra, descrevendo-o como intromissão europeia nos domínios das políticas nacionais e regionais. A partir de 1989, o sistema de créditos dentro do Erasmus foi visto como incompatível em relação a vários exames e plataformas de ensino de numerosos países europeus. De acordo com estudos avaliativos, os professores universitários alemães estavam pouco inclinados a reconhecer o estudo no exterior como equivalente ao estudo em casa.
 
A situação mudou em meados dos anos 1990. A Alemanha tornou-se um dos principais países a incentivar o estabelecimento de uma estrutura europeia para os diplomas de bacharelado e mestrado com o objetivo de facilitar a mobilidade estudantil. Perto do ano de 2005, foi estabelecida a meta de trazer estudantes estrangeiros para a Alemanha correspondendo a 20% do total de alunos no país até 2020.
 
As estatísticas internacionais disponíveis que tratam dos estudantes internacionais parecem indicar que a Alemanha recebeu, num período de décadas, um número de estudantes estrangeiros acima da média, tanto em termos absolutos quanto relativos. Entre os alunos alemães, a ideia de estudar no exterior também pareceu ser mais bem aceita do que nos demais países economicamente avançados. Como essas práticas são bem aceitas, tais proporções deveriam ser acima da média no futuro, e não surgiram até o momento controvérsias envolvendo o custo e o financiamento desses objetivos.
 
Experiências no Processo de Bolonha
Em 1999, na Declaração de Bolonha, os ministros encarregados do ensino superior em muitos países europeus sugeriram a introdução de uma estrutura comum para os diplomas de mestrado e bacharelado. Tal política foi considerada instrumental tanto para tornar mais atraente o estudo na Europa para os alunos de outros continentes quanto para facilitar a mobilidade intraeuropeia.
 
Entretanto, conforme apontado por dois estudos – Eurodata e Moving Mobility, publicados pela Academic Cooperation Association em 2006 e 2011 – as estatísticas disponíveis internacionalmente se encontram em estado tão deplorável que se torna muito difícil avaliar até que ponto a meta foi cumprida. A maioria dos países investiga a nacionalidade dos estudantes, mas não a sua capacidade de mobilidade com o intuito de estudar. Ainda assim, os dados mais aprofundados disponíveis sugerem que um quarto dos estudantes estrangeiros na Europa já morou anteriormente no país em que estudam e que um décimo dos estudantes móveis não é formado por estrangeiros, e sim por estudantes que estão retornando. Somente a metade dos estudantes temporariamente móveis é incluída nas estatísticas internacionais disponíveis. As agências internacionais de coleta de dados – Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e Eurostat (o departamento de estatísticas da União Europeia) – chegaram a recomendar a exclusão da mobilidade de curto prazo. As estatísticas internacionais para os estudantes de doutorado não são confiáveis. Recentemente, muitos países europeus começaram a reunir dados relativos à verdadeira mobilidade estudantil, embora ainda não tenhamos um quadro completo.
 
O estudo mencionado, Mapping Mobility, apresenta as seguintes estimativas para avaliar o impacto do Processo de Bolonha. O número absoluto de estudantes vindos de fora dobrou na Europa em questão de oito anos. A mobilidade estudantil intraeuropeia pode ter aumentado um pouco, mas é difícil dizer se o Processo de Bolonha acelerou o crescimento. Levantamentos entre os alunos formados indicam que a proporção de estudantes que passaram um período de estudos em outro país durante o ensino varia dramaticamente de país para país – de 2% a 30% dos estudantes. Na Alemanha, a mobilidade dos estudantes cresceu em todos os aspectos debatidos acima. A proporção de estudantes móveis vindos de outros países europeus aumentou de 3,2% em 1999 para 4,5% em 2009, e a dos estudantes vindos de fora da Europa passou de 2,8% para 4,4%, bem como a daqueles que vão estudar no exterior, que passou de 2,8% para 5,4%. Mais de 15% dos recém-formados na Alemanha passaram um período de estudos em outro país.
 
Mudanças concorrentes no nível estrutural e funcional da mobilidade estudantil intraeuropeia ocorreram em meio a vários estudos. Em determinados países, a prontidão para um estudo temporário em outro país parece ter caído um pouco, pois era considerado difícil demais passar um período significativo de estudos no exterior e tê-lo reconhecido academicamente – em se tratando dos períodos mais curtos, concluídos com a obtenção de um diploma. Além disso, um número maior de estudantes dedica-se ao programa geral de mestrados no exterior. Por fim, a diferença na empregabilidade internacional entre estudantes que tiveram experiências de mobilidade e aqueles que não as tiveram diminui com o passar do tempo – talvez como consequência da internacionalização em geral e da política doméstica de internacionalização das instituições de ensino superior. Assim sendo, novas estratégias curriculares podem ser necessárias para revitalizar o valor da mobilidade.
 
Políticas de resposta
Na segunda década do século 21, os governos europeus e os respectivos envolvidos continuam a defender o crescimento da mobilidade estudantil, sem grandes mudanças nas modalidades. Entretanto, cresceu a preocupação com o custo cada vez maior da acomodação de estudantes diplomados com mobilidade de entrada – principalmente aqueles vindos de fora da Europa. Alguns países introduziram ou debateram a introdução de taxas de ensino moderadas para estudantes de fora da Europa. Alguns países afetados pela atual crise financeira internacional consideram muitos meios de redução dos gastos públicos e, nesse contexto, podem alterar sua atitude em relação aos estudantes estrangeiros.
 
A Comissão Europeia publicou recentemente várias propostas para o futuro do ensino e da pesquisa. Os gastos com a mobilidade de estudantes e jovens pesquisadores devem crescer. O Erasmus deve continuar sendo a principal bandeira da política de ensino da União Europeia – sob o nome "Erasmus for All". O apoio financeiro intercontinental nesse domínio deve ser ampliado. A promoção da mobilidade de estudantes de doutorado deve ser parte de programas voltados para jovens pesquisadores. Por fim, empréstimos europeus devem ser oferecidos para cobrir os gastos dos estudantes que passarem todo o programa de mestrado num outro país europeu.
 
Na Alemanha, o aumento nos gastos públicos com o ensino e a ciência é amplamente aceito como forma de "investimento no futuro". Não existe um debate acirrado envolvendo os antagonismos entre o bem público e o bem particular. Claramente, o treinamento vocacional na Alemanha é tradicionalmente pago principalmente pelos empregadores; o treinamento vocacional avançado é pago pelos próprios aprendizes; e as provisões de estudos no ensino superior são pagas com recursos públicos – sem incorrer em debates fundamentalistas a respeito de custos e benefícios.
 
Da mesma maneira, a tradição de assistência ao desenvolvimento na Alemanha não é questionada de acordo com o tipo de assistência que deveria ser oferecido às pessoas, vindas de países de renda baixa e média, para estudarem ou desenvolverem pesquisas de doutorado na Alemanha. Não há grandes debates fundamentais propondo que isso seja entendido como filantropia, como investimento econômico, como forma de prevenção internacional às crises, ou seja mais o que for. Diferentemente de outros países europeus, não há planos prevendo a diferenciação entre estudantes de primeira classe, nacionais e possivelmente europeus, e outros estudantes de segunda classe, que têm de pagar altas taxas de ensino. Nesse aspecto, não há nenhuma mudança prevista para as políticas de ensino na Alemanha.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012