27/07/2015

International Higher Education | 80 | Especial 20 anos

Há um modelo chinês de universidade?

Qiang Zha, Jinghuan Shi e Xiaoyang Wang
Qiang Zha é professor associado na Faculdade de Educação, York University, Toronto, Canadá. E-mail: qzha@edu.yorku.ca. Jinghuan Shi é professor e diretor executivo do Instituto de Educação, Tsinghua University, Beijing, China. E-mail: shijhuan@mail.tsinghua.edu.cn. Xiaoyang Wang é professor associado e diretor do Instituto de Pesquisa do Ensino Superior, Tsinghua University, Beijing, China. E-mail: wangxy@tsinghua.edu.cn. Este artigo é uma versão abreviada de um capítulo a ser publicado no Manual da Sociologia do Ensino Superior, Routledge.
Ao longo da última década e meia, o ensino superior chinês surpreendeu o mundo com seu incrível ritmo de expansão. O agregado de matriculas cresceu em um índice anual de 17 por cento entre 1998 e 2010. Entretendo, o governo chinês tem investido enormemente em esquemas de universidades de elite, a fim de elevar algumas universidades e programas a um nível de classe mundial. Esta iniciativa tem desencadeado uma competição global, nos esforços investidos para criar instituições de nível internacional. O triunfo da China na expansão do ensino superior tem despertado algumas discussões e debates, quanto a se existirá ou não um modelo emergente de universidade chinesa. Este ensaio fornece uma panorâmica dos estudos sobre o tema.
 
Duas principais abordagens para discernir o modelo chinês
Duas principais abordagens fundamentam a exploração do modelo chinês: a abordagem histórica e cultural e a sociopolítica. A anterior engloba este discurso na tradição do conhecimento confuciano. No sentido metodológico, uma tradição de conhecimento abrange modos duradouros de pensamento ou características principais e auto compreensão cultural, que inevitavelmente funciona para moldar o contorno em particular de desenvolvimento em qualquer sociedade. Então, é com a tradição acadêmica Confuciana no que diz respeito às universidades chinesas. Embora a universidade como uma forma organizacional fosse importada para o solo chinês apenas há cerca de um século; mesmo assim, como uma organização do conhecimento, ela está naturalmente conectada ao ethos da academia confuciana, que dominou a educação chinesa por mais de 2,000 anos. Ao longo da linha de tradição, a noção de educação liberal agora parece ser um ótimo antídoto para a decadência nas universidades chinesas. A educação liberal poderia ser conectada à tradição de conhecimento confuciano que coloca ênfase na educação humanista, e assim implica aprender do passado, ao invés de tomar emprestado do ocidente. Um nome chinês é geralmente dado a tais praticas, como por exemplo, educação tong shi, a fim de diferenciá-lo do conceito ocidental. Historicamente, A china desfrutou de uma educação humanística mais profunda, que o humanismo renascentista na Europa. Assim, a década passada testemunhou que as universidades chinesas haviam sido cada vez mais encorajadas a adotar a ideia da educação liberal e de reorganizar e ampliar seus currículos. Particularmente, muitas unidades de educação liberal nas universidades chinesas se denominam de shuyuan (academias privadas do conhecimento clássico que floresceu nas dinastias Tang e Song), em um esforço deliberado de se conectarem a tradição confuciana.
 
A abordagem histórica e cultural inspira-se fortemente no conceito do tipo ideal. O tipo ideal é geralmente uma ferramenta útil para analisar historicamente configurações únicas, por meio de conceitos genéricos. Entretanto, defende-se que a universidade chinesa dificilmente poderá reivindicar um tipo ideal formado de características e elementos na tradição confuciana — após um século de experimentação com vários padrões ocidentais e soviéticos e da absorção de suas influências. O shuyuan, mesmo se recuperado, tem muito de seu meio cultural na sociedade chinesa contemporânea. Então, não é de se espantar, que a pesquisa tenha indicado o impacto da educação tong shi em um contexto como superficial, com base em suas abordagens utilitárias associadas com a agenda política de se criar universidades de “classe mundial” ou a promoção do objetivo de campanhas publicitárias. Como tal, a educação tong Shi tornou-se mais uma questão de retórica que de realidade e falhou no sentido de trazer transformação significativa nas experiências de aprendizado dos estudantes.
 
A abordagem sociopolítica contemporânea defende o modelo chinês para o desenvolvimento sociopolítico (ou o “Consenso de Beijing”), que constitui o ambiente normativo no qual as universidades chinesas operam, e denota um papel central do estado, enfatizando a eficiência para acelerar o crescimento econômico. Este modelo certamente encontra sua expressão nas universidades chinesas, trazendo muitas vantagens com relação a eficaz mobilização dos recursos e a capacidade de expandir e renovar a infraestrutura em um espaço de tempo incrivelmente curto. Consequentemente, o sistema chinês se destaca no sentido de simultaneamente forçar o crescimento rápido de matriculas, constituindo novas estruturas de governança, e buscando a construção de universidades de classe mundial. Tais características relacionadas às universidades chinesas espelham as fortes iniciativas do estado, e do momento.   Durante os anos de pico de expansão, as verbas fiscais da China para o ensino superior aumentavam anualmente 17.4 por cento entre 1998 e 2006. Em 2012, As 50 principais universidades de pesquisa intensiva tiveram receitas nominais médias em aproximadamente US$ 200 milhões, um número em muito superior a o único mais alto em 2000 — Universidade de Tsinghua aproximadamente US$70 milhões naquele ano. Como resultado, as universidades da China agora conferem quase um quarto (24%) dos diplomas de engenharia e ciências do mundo, que são vistos como de grande importância para uma economia baseada em conhecimento. Entre 2001 e 2011, a participação da China nos artigos de periódicos especializados nas áreas de ciências e engenharia quase quadriplicou, de 3 por cento para 11 por cento do total do mundo. Isso torna a China agora como o segundo país em produção de artigos de ciências e engenharia do mundo (apenas atrás dos Estados Unidos), e a participação da China de 1 por cento dos principais artigos sextuplicou, durante esse período. Estes números sugerem o grande salto da China no desenvolvimento do ensino superior, tanto em termos de quantidade como de qualidade, e em muito devido ao generoso suporte do estado.
 
A abordagem sociopolítica contemporânea adota a teoria do sistema aberto. Os teóricos do sistema aberto defendem que o ensino superior é um sistema essencialmente localizado dentro de um grande sistema — que consiste dos ambientes sociais, político e econômico. Este sistema é sempre aberto com a interação do ambiente — através do qual as universidades acabam por aceitar certos valores e se adaptam a estruturas e processos julgados como importantes pelo ambiente. Contudo, o raciocínio baseado na prática por trás do “Consensus de Beijing,” que enfoca e busca interesses tangíveis, tem feito prevalecer o pragmatismo e utilitarismo na sociedade chinesa e na academia. Além disso, o gradualismo integral (melhor exemplificado na frase “cruzando o rio através das pedras, etapa por etapa”) tenha provavelmente não permitido os esforços críticos na institucionalização de um ambiente regulatório. Consequentemente, parece existir um paradoxo: por um lado, em anos recentes foi concedido às universidades chinesas um crescente grau de poder de tomada de decisão com relação aos seus próprios assuntos (em troca de seus desempenhos e responsabilidade); por outro lado, o governo chinês poderá aumentar seu controle sobre as universidades sempre que achar necessário.
 
Limitações metodológicas destas duas abordagens
Não obstante, o mérito da abordagem histórica e cultural, é que lhe falta uma contextualização sólida do discurso do modelo chinês com coerência e interligações entre os elementos tradicionais e contemporâneos, embora esta abordagem devesse efetivamente estar ligada ao contexto. Mais precisamente, ela sofre da descontinuidade da tradição cultural chinesa em uma “sociedade atualmente fragmentada.” O contexto atual da universidade chinesa é bem diferente do tradicional, no qual os culturalistas históricos montam este discurso, e um contexto puramente tradicional poderá dificilmente ser restaurado. Uma mudança fundamental dessa magnitude deverá afetar a validade do determinismo da tradição que ancora o discurso histórico e cultural.
 
A abordagem sociopolítica desfruta o mérito de situar o discurso do modelo chinês em condições reais e atuais, e em troca fornece os meios uteis para incluir na análise uma vasta gama de fatores econômicos, políticos e sociais. Coloca de maneira explicita e literalmente identifica a experiência chinesa como inigualável, peculiar apenas para o meio chinês, e não reproduzida em outro lugar. Se isso for o caso, a experiência chinesa não pode alegar o status de um modelo chinês, pois um modelo precisa fornecer aos outros inspiração e um ímpeto com relação ao progresso. 
 
Conclusão
As duas abordagens descritas acima enfatizam um tipo de excepcionalismo chinês, refletindo o contexto cultural tradicional ou os padrões sociopolíticos atuais. Esta situação por sua vez tem causado uma paralização na investigação acadêmica com relação ao fenômeno em questão, resultante de tais dicotomias percebidas: a tradição confuciana versus a axiologia moderna, as características chinesas versus a cultural mundial. Acreditamos que para estabelecer a tradição Confuciana, ao contrário dos valores contemporâneos, há o risco de perdermos de vista os modos duradouros de tradição e as características salientes das comunicações culturais. De fato, o discurso confuciano está agora constituído globalmente como parte integral da ideologia da globalização. A estreita articulação, observada na China, entre a operação da universidade e a agenda política do estado também pode ser ligada a uma filosofia principal que legitima a universidade no Ocidente: A filosofia política do ensino superior, que justifica a universidade devido à sua importância de longo alcance para o corpo político. Portanto sugerimos que este discurso seja situado em um contexto mais amplo de globalização, o que abre a porta para observação e investigação as (evolução de) interações entre os elementos chineses e aqueles nos sistemas do ocidente do ensino superior desde o século 19, ou até antes disso. Dali, argumentamos que um possível modelo chinês de universidade pode surgir de um enxerto orgânico e criativo de elementos na tradição confuciana e os padrões ocidentais, assim como em diferentes culturas. Colocando de outra maneira, o modelo chinês de universidade não é de forma alguma peculiar ao contexto chinês, mas remete a certas características de outros sistemas e modelos. Esta abordagem poderá elucidar a noção de que é a combinação de diferentes características (Confuciana e Ocidental) que torna o modelo chinês único. Mesmo assim, permanece a questão se o modelo chinês é uma variante do modelo global de universidade, ou uma alternativa.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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