26/03/2014

International Higher Education

Franchising, validação e filiais universitárias na União Europeia

Lukas Bischof
Lukas Bischof é diretor de projetos da CHE Consult, firma alemã de consultoria e pesquisa no ensino superior, com sede em Berlim. E-mail: lukas.bischof@che-consult.de
O processo de Bolonha tem como objetivo criar uma região europeia do ensino superior com sistemas de ensino superior mais comparáveis, compatíveis e coerentes entre si. De fato, estudantes, funcionários e equipes de pesquisa têm mobilidade cada vez maior dentro dessa área. Além disso, um crescente número de instituições está oferecendo seus programas de estudo além das fronteiras. A forma mais comum desse tipo de dispositivo transfronteiras no ensino superior (ESTF) é o diploma duplo ou conjunto. As franquias universitárias, os arranjos de validação e franqueamento são menos frequentes, mas, recentemente, despertaram a controvérsia no ensino superior europeu.
 
Legislação europeia criou mercado comum
O mercado comum europeu garante que os cidadãos europeus tenham suas qualificações reconhecidas por todos os países membros da União Europeia da mesma maneira que seriam reconhecidas no seu país de origem. Ao mesmo tempo, isso permite que muitas empresas europeias ofereçam seus serviços em qualquer país membro da UE, e uma empresa da Polônia pode oferecer seus serviços na Irlanda. Nenhum país membro pode infringir esses direitos.
 
Por outro lado, o ensino sempre foi domínio exclusivo de cada país membro da UE. Mas, em 2008, numa série de decisões revolucionárias, a Corte de Justiça da União Europeia definiu que programas de estudos franqueados ou validados estão dentro das responsabilidades do país membro no qual a instituição responsável pela emissão do diploma está localizada, independentemente do local em que o curso tenha sido ministrado. Na prática, tal decisão permite agora que uma universidade britânica aceite que uma instituição (ou empresa) não-credenciada com sede em outro país da UE (a Grécia, por exemplo) tenha o direito de emitir diplomas britânicos, apesar da responsabilidade exclusiva do país receptor pelo ensino dentro de suas fronteiras. O país receptor deve, portanto, aceitar esses diplomas como se fossem qualquer outro diploma da UE. O controle de qualidade desses diplomas cabe inteiramente ao país exportador, embora muitos observadores afirmem não ter clareza se os diplomas franqueados ou validados têm sua qualidade controlada pelas instituições que os emitem.
 
Mapeamento europeu do ensino superior transfronteiras
Levando-se em consideração as potenciais implicações para a proteção ao consumidor, a transparência e a confiabilidade geral do ensino superior europeu, surpreende que até recentemente houvesse pouquíssima informação a respeito da extensão e do controle de qualidade desse tipo de oferta do ensino superior. Em nome da Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia), a CHE Consult publicou agora a primeira pesquisa sistemática e análise abrangente das franquias universitárias, das atividades de validação e franqueamento na União Europeia, bem como uma análise comparativa da legislação nacional que rege seu estabelecimento na União Europeia. Ao reunir e verificar dados recebidos dos ministérios, das agências de controle de qualidade, conferências de reitores, provedores de ESTF e organizações de reconhecimento em todos os 27 países membros, fomos capazes de identificar 253 instâncias de franquias universitárias, atividades de validação e franqueamento que são desenvolvidas atualmente na União Europeia. O relatório completo pode ser acessado em http://ec.europa.eu/education/ highereducation/doc/studies/borders_en.pdf.
 
Os resultados confirmam pesquisas anteriores envolvendo o ensino superior transfronteiras. Em primeiro lugar, os países anglófonos são os principais provedores de serviços do ensino superior. Em segundo, países economicamente mais fortes atuam como “exportadores" de diplomas, enquanto países economicamente mais fracos tendem a ser os recipientes. O estudo identificou Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e Polônia como principais provedores de arranjos de ESTF entre os países membros da UE, enquanto Grécia, Espanha e Hungria seriam os principais recipientes. Mais interessante, fomos capazes de demonstrar que o número de atividades desse tipo recebidas num país apresenta uma forte relação estatística com o percentual de seus alunos que partem para estudar no exterior.
 
Frequentes inconsistências na legislação
Como cabe ao domínio exclusivo dos países membros da UE, a legislação para o ensino superior é bastante diversificada na União Europeia: alguns países membros não têm uma política de ESTF. No caso daqueles que têm tal política, esta pode variar do registro compulsório como forma de monitorar as atividades até a proibição explícita a certas formas de provisão. Alguns países membros exigem provas de credenciamento emitidas pelo país de origem, enquanto outros demandam que as instituições sejam autorizadas pelas autoridades nacionais. Em alguns casos, os países membros exigem que os provedores estrangeiros obtenham credenciamento adicional, na prática obrigando-as a se tornar parte do sistema nacional de ensino superior, algo que parece violar claramente as decisões da corte da UE. Como alternativa ao banimento de atividades de ESTF, os países membros às vezes impedem a operação de determinados provedores estrangeiros de ESTF ao negar aos portadores desses diplomas o acesso ao sistema de ensino nacional; excluindo-os do acesso a profissões regulamentadas pelo Estado ou de cargos no governo (algo que pode contradizer as leis da UE); ao mesmo tempo impedindo provedores estrangeiros de buscar o credenciamento nacional. O estudo contém uma descrição detalhada da legislação dos diferentes países membros a respeito da mobilidade dos provedores.
 
Brechas no controle de qualidade
Nossa pesquisa também identificou inconsistências e potenciais brechas na legislação europeia atual para as atividades de ESTF: no nível europeu, a União Europeia defende rigorosamente o mercado comum e garante o reconhecimento de certificados e diplomas em diferentes países membros. Ao mesmo tempo, a responsabilidade pelo controle de qualidade cabe aos países membros individuais. Por causa da grande heterogeneidade nos requerimentos legislativos e da ausência de um registro comum no formato de uma “lista branca" de provedores e programas, provedores mal intencionados já se aproveitaram do sistema. As atividades de validação da Universidade do País de Gales (Grã-Bretanha) oferecem um interessante exemplo de como fatores estruturais e contingentes podem interagir na área do ESTF. A Universidade do País de Gales era incomum por ser uma instituição federal que concede diplomas, mas não administra nenhuma das faculdades que a constituem. Durante as décadas de 1990 e 2000, a instituição se viu perdendo constantemente as faculdades que a compunham, voltando-se para a validação tanto como forma de garantir seu papel quanto de gerar renda. Já em 2009/10 suas atividades internacionais de validação ocorriam em 140 centros colaborativos situados em 30 países, respondendo por dois terços de sua renda.
 
Foi somente no final de 2011, depois que a qualidade dos seus processos de validação passou a ser questionada após a publicação de um relatório crítico por parte da agência britânica de controle de qualidade, que foi anunciado que somente os programas criados e controlados pela própria universidade seriam oferecidos internacionalmente. O fato de a universidade poder operar desta maneira reflete o alto nível de autonomia no sistema britânico do ensino superior, a popularidade das atividades internacionais, a necessidade de gerar renda e a ausência de poderes formais da principal entidade de controle de qualidade para corrigir ou limitar tais problemas. Entretanto, dentro da União Europeia, nenhum outro país membro teria o direito de se recusar a reconhecer os diplomas da Universidade do País de Gales.
 
Rumo ao controle de qualidade e transparência
Nossa pesquisa envolvendo a presença e regulamentação do franqueamento, da validação e das franquias universitárias deixou claro que uma área convergente de ensino superior europeu com a garantia do reconhecimento de diplomas e liberdade de estabelecimento precisa de mecanismos correspondentes de transparência e controle de qualidade. Tal estrutura de controle de qualidade deve incluir um registro europeu central de instituições e programas do ensino superior reconhecidos e de qualidade comprovada. Critérios de comum acordo e uma lista branca de instituições que aderem a eles já ajudariam a garantir a transparência, desenvolvendo a confiança no ensino transfronteiras oferecido dentro da área europeia de ensino superior.