18/11/2014

International Higher Education | 76

Exame estadual unificado na Rússia: problemas e perspectivas

Elena Denisova-Schmidt e Elvira Leontyeva
Elena é conferencista na Universidade de Saint Gallen, na Suíça, e bolsista do programa Edmond J. Safra Network na Universidade Harvard. E-mail: elena.denisova-schmidt@unisg.ch. Elvira é professora na Pacific National University em Khabarovsk, na Rússia. E-mail: elvira.leontyeva@gmail.com
Desde o colapso da extinta União Soviética, as Universidades russas conheceram duas mudanças significativas: os acentuados cortes na assistência financeira do estado acompanhado da adoção de uma economia de mercado e a integração no sistema de ensino superior europeu, através do processo de Bolonha. Todavia, as duas reformas permanecem incompletas e as universidades ainda dependem do estado. Existem mais universidades que o necessário e o nível de educação oferecida pelas mesmas é muitas vezes questionável. A corrupção que se manifesta de muitas formas e em grandes intensidades nos processos de admissão às universidades e ao longo do ciclo de formação acadêmica é outro desafio com o qual muitas instituições ainda terão que lidar.
 
Corrupção nos processos de admissão das universidades
O processo de admissão das instituições de ensino tem sido uma das questões mais problemáticas no ensino superior da Rússia no que tange a corrupção. Até 2009, cada universidade na Rússia realizava seu próprio exame de admissão. O nível de corrupção nesta área, contudo, era o mais alto dentre todos os tipos de corrupção presentes na área de educação. Em meados de 2004, as cifras haviam alcançado o patamar de 10.7 bilhões de rublos, cerca de US$ 455 milhões ao ano.   Para resolver este problema, o processo de admissão às universidades é agora realizado através de testes que têm como base o Exame Estadual Unificado - EGE (Edinyi Gosudarstvennyi Eksamen) que funcionam como exames finais nas escolas e para o processo de admissão à universidade. O EGE permite que os estudantes em potencial tenham a oportunidade de se candidatarem a várias universidades simultaneamente, algo que não era possível anteriormente. Com o Exame Estadual Unificado ou EGE, que substitui os exames de admissão anteriores, não existe mais a necessidade de visitar a universidade durante o processo de inscrição e passar algumas semanas no campus, despesas essas que nem todas as famílias tinham condição de bancar. Agora, contudo, a corrupção transferiu-se amplamente das universidades para outras áreas, incluindo os processos responsáveis pela realização do EGE em si.  
 
A opinião pública e resultados empíricos
As pesquisas sociológicas conduzidas pelo Levada Center, um dos institutos de pesquisas de opinião mais conhecidos da Rússia, mostram que a maioria dos respondentes acredita que com a introdução do EGE, o número de subornos - blat (uso de redes informais para obtenção de bens e serviços) - entre outras infrações nos processos de admissão às universidades tem permanecido o mesmo, ou seja, 34% ou até mesmo aumentado em 30%. Apenas um pequeno grupo de participantes da pesquisa (13%) acredita que o EGE tem contribuído para diminuição de tais infrações.  
 
Em nossa própria pesquisa, conduzida em 2013 em universidades selecionadas no Extremo Oriente da Rússia, encontramos resultados similares: 31 por cento dos respondentes observaram algumas infrações durante o período do EGE; sendo que 14 por cento desses observaram tais infrações pessoalmente, enquanto que 17 por cento mencionaram parentes ou amigos. Entre as infrações relatadas encontram-se a divulgação das questões das provas antes do exame, uso de telefones celulares (para busca na internet ou SMS), ajuda por parte dos fiscais de prova no local e a reabertura dos envelopes selados de provas concluídas para correção de erros.
 
Além do EGE,existe outra oportunidade de ocorrência de fraudes e corrupção no processo de admissão das universidades. Em nossa pesquisa, 12 por cento dos participantes teria ouvido falar sobre outros tipos de infrações durante os processos de admissão através de relatos de seus amigos e parentes, e apenas 4 por cento dos participantes afirmaram ter tido alguma experiência pessoal relacionada às mesmas. Entre as infrações incluem-se pagamentos em dinheiro ou não, para obter moradia estudantil costeada – local de moradia que é pago pelo estado e não pela mensalidade individual.  Outra possível infração envolve subornos ou tratamento especial, como por exemplo, a obtenção de um contrato em condições preferenciais para estudantes, como um contrato entre a indústria e a universidade.
 
Existem algumas tendências recentes que valem ser ressaltadas: o número de órfãos, estudantes deficientes e estudantes com diplomas de reconhecimento por resultados em competições acadêmicas (olympiady). Estas três categorias também recebem tratamento preferencial durante o processo de admissão da universidade. A abordagem aqui é seletiva, mas, um dos respondentes em nosso estudo mencionou que um verdadeiro órfão não era levado em consideração e outros alunos reclamaram que nem todos os resultados de uma olympiady eram levados em conta.
 
Quem se beneficia das altas pontuações do EGE?
O primeiro grupo é representado pelos formandos do ensino médio – estudantes em potencial. Pontuações altas poderão lhes abrir as portas das universidades de elite e aumentar as chances de obtenção de residência estudantil costeada pelo estado. O segundo grupo é representado pelas universidades. A Escola Superior de Economia monitora praticamente todas as universidades russas de acordo com a pontuação média no EGE de seus candidatos. Calouros com mais de 70 pontos (de 100) são considerados como estudantes de alta performance, em quanto que aqueles com menos de 56 pontos são considerados exatamente o oposto. As universidades que aceitam estudantes com uma pontuação inferior a 56 pontos poderão ser sinalizadas e segregadas pelo Ministério de Educação e Pesquisa para as devidas sanções.  O terceiro grupo de beneficiários são as escolas segundarias: quanto mais graduados tiverem com pontuação alta no EGE melhor será a reputação da escola. Esta interdependência de todos os atores envolvidos – estudantes, universidades, e escolas secundárias – poderá tornar os mecanismos que permitem intervir para remediar as várias formas de corrupção neste nível bastante difíceis.  Tais formas de corrupção poderão até nem envolver dinheiro: Durante o EGE, um professor poderá deixar a turma por alguns minutos e assim permitir aos jovens a oportunidade de colarem durante o exame ou consultar anotações. Desta feita, o professor poderá ser guiado apenas pela preocupação com o futuro profissional de seus alunos.
 
A questão para o futuro será se este novo sistema impedirá, ou na realidade promoverá a corrupção. Na Rússia, onde a corrupção é endêmica, é possível que não desapareça completamente. Apesar disso, a Introdução do EGE tem sido um passo bastante importante no sistema educacional russo, incentivando as universidades a trabalhar de maneira mais transparente, permitindo também desde sua introdução, um aumento significante na mobilidade dos estudantes. Os dados do Rosstat, Serviços de Estatística do Governo da Federação Russa, demonstram um influxo elevado de estudantes em regiões (de 85 delas), que desde 2009 apresentam os padrões educacionais mais elevados. Por outro lado, as regiões com padrões educacionais inferiores estão sofrendo. Nossos dados do Extremo-Oriente da Rússia provam esta tendência: as principais universidades nas áreas urbanas matriculam cada vez mais estudantes provenientes de pequenas cidades e vilarejos.