21/02/2013

International Higher Education

Ensino superior do Nepal: público versus privado

Bala Raju Nikku
Bala Raju Nikku é diretor fundador da Escola Nepalesa de Serviço Social e, atualmente, atua como palestrante visitante na Escola de Ciências Sociais da Universiti Sains Malaysia. E-mail: nikku21@yahoo.com
Sendo um dos países mais pobres do mundo, o Nepal (com 30 milhões de habitantes) está passando por uma série de transições, e também reescrevendo sua Constituição. No país, o acesso aos vários níveis do ensino – entre eles o ensino superior – é restrito.
 
Em rápida mudança, a atmosfera política do Nepal pode levar ao desenvolvimento posterior do ensino superior na república recém declarada, que substituiu a monarquia que governava o país há séculos. A história do desenvolvimento do ensino superior no Nepal é curta, mas o setor tem crescido desde o estabelecimento da democracia, ocorrido somente na década de 1950. Criada em 1959, a Universidade Tribhuvan era a mais antiga – e, até 1992, a única – do país, fundada com o auxílio da Índia e dos Estados Unidos. Antes da fundação da Universidade Tribhuvan, alguns cursos eram oferecidos em Katmandu, capital do país, sob os auspícios da Universidade Patna (estado de Bihar, Índia). Estes realizavam seus próprios exames, concedendo diplomas aos estudantes bem sucedidos. Já em 1965 havia no Nepal 5 faculdades com um total de 5 mil estudantes matriculados, além de 51 faculdades comunitárias com um total de 10 mil alunos matriculados.
 
Desenvolvimento de novas universidades
Foi somente em 1992 que a Universidade de Katmandu foi fundada por uma ata do parlamento usando modalidades de parceria entre poder público e recursos privados. A fundação desta universidade abriu caminho para a expansão do envolvimento público-privado no ensino superior do país. Até hoje há apenas cinco universidades atendendo aos 30 milhões de habitantes do Nepal: a Universidade Tribhuvan, a Universidade de Sânscrito do Nepal (fundada nos anos oitenta como parte de uma Comissão Real para o Ensino Superior), a Universidade de Katmandu (em 1992), a Universidade Purbanchal na região leste (em 1994) e a Universidade Pokhara na região oeste (em 1997). Estas instituições foram desenvolvidas como universidades regionais em meados dos anos noventa de acordo com as recomendações feitas pela Comissão Nacional do Ensino em 1992. A fundação de duas novas universidades regionais está encaminhada. A Universidade Lumbini acaba de iniciar seus trabalhos; e dois institutos autônomos de medicina – o Instituto BP Koirala de Ciências da Saúde e a Academia Nacional de Ciências Médicas – estão apresentando resultados particularmente bons.
 
Acesso: desafios e oportunidades
O número de matrículas no ensino superior aumentou de 17 mil em 1971 para 103.290 em 2001, chegando então a aproximadamente 254.856 em 2005/06. Os dados a respeito do número de estudantes matriculados nos campi que fazem parte da Universidade Tribhuvan em 2005/06 indicam que havia 153.116 estudantes matriculados. Tais números indicam uma grande demanda (mercado) pelo ensino superior. Entretanto, tanto o acesso ao ensino superior quanto a sua qualidade, os recursos humanos de qualidade e as capacidades de pesquisa se tornaram questões chave. A politização do ensino superior, dez anos de conflito interno (1996-2006) e a fraqueza dos mecanismos de gestão prejudicaram ainda mais o setor do ensino superior, apesar do apoio oferecido por doações de agências internacionais bilaterais.
 
A experiência de seis décadas de ensino superior no Nepal não é promissora. O país está entre os menos desenvolvidos do mundo (mesmo tendo uma população maior do que Malásia e Austrália, somando 30 milhões de habitantes), mas contribui para a internacionalização do ensino superior. Há mais de 200 consultorias de ensino no Vale de Katmandu atualmente, que trabalham com esforço para ajudar os estudantes nepaleses que podem arcar com o custo do ensino nas universidades e mandá-los para o exterior todos os anos. O Nepal também atraiu investimentos vindos da Índia para o estabelecimento de instituições que oferecem o ensino ligado à medicina. O objetivo é atrair estudantes indianos e estrangeiros que tenham dinheiro para pagar somas expressivas sob a forma de anuidades e doações em troca do ensino da medicina no Nepal. O Grupo Manipal de Ensino e Medicina, por exemplo – grupo privado de ensino da Índia – estabeleceu no Nepal uma faculdade de medicina e odontologia. A maioria dos estudantes estrangeiros nas universidades indianas vem do Nepal – por causa da acessibilidade financeira, da qualidade, reputação, proximidade geográfica e também das bolsas de ensino oferecidas pelo governo indiano.
 
Privatização do ensino superior
O ensino superior privado no Nepal cresceu de tamanho nas duas últimas décadas, ultrapassando o ensino superior público. Para citar um exemplo: a Universidade de Katmandu, particular, recebe grande ajuda financeira do governo. O financiamento por estudante concedido à Universidade de Katmandu pela Comissão de Financiamento Estudantil supera o financiamento per capita oferecido às universidades públicas, filiadas à Universidade Tribhuvan. Assim, enquanto as instituições públicas atendem aos estudantes pobres, as instituições privadas atendem às classes média e rica. Legados de preconceito, marginalização, exclusão social e negação ainda fazem parte da composição social nepalesa, apesar do crescente nível de acesso ao ensino superior. Assim sendo, o cerne dos problemas do país está em como melhorar o acesso ao ensino superior de alta qualidade e baixo custo para todos os cidadãos, sem discriminação com base em raça, credo, casta geografia e religião.
 
Caminho para o avanço
Os responsáveis pelas políticas públicas precisam debater uma maneira de o Nepal ser beneficiado pelas iniciativas globais e contribuir com elas – como a Declaração Mundial da UNESCO para o Ensino Superior no século 21, que proporciona moldes internacionais para os níveis institucionais e de sistema. Como podem os políticos, administradores, burocratas universitários, as forças do mercado e os próprios estudantes compreender e praticar o verdadeiro significado do ensino superior, que pode forjar elos mais próximos com as necessidades da sociedade e do mundo do trabalho?
 
Em 2008, o Nepal se tornou uma república federal. Atualmente a Constituição do país está sendo reescrita, e os nepaleses esperam ter paz, prosperidade, igualdade e justiça. Este processo é uma nova chance para que o Nepal defina sua política com vista à promoção do ensino superior. Até o momento, esta política para o ensino superior parece enxergar as universidades como laboratórios para a multiplicação de estudantes envolvidos na “política partidária”, usando-os com o objetivo de atender às ambições e interesses dos partidos políticos e seus líderes. Se isto prosseguir, infelizmente a República do Nepal não será diferente dos regimes anteriores, nos quais o acesso ao ensino superior era determinado pela classe social e pela afinidade com os governantes.
 
Além disso, existe a necessidade urgente de definir as carências políticas, ecológicas, sociológicas e intelectuais da sociedade nepalesa, que passa atualmente por uma série de transformações e reestruturações. Os acadêmicos nepaleses devem desempenhar um papel vital na defesa de direitos constitucionais que determinarão as formas de conhecimento a serem cultivadas nas instituições públicas e privadas do ensino superior. Trata-se de uma responsabilidade imediata da comunidade acadêmica que não pode ser entregue aos caprichos dos políticos nepaleses, que enxergam o ensino superior como “caro” demais para o governo, sendo assim algo em que as famílias devem investir e que os estudantes devem “comprar”. Com sua rica história e sua fartura de recursos naturais, o Nepal se vê diante de uma oportunidade para explorar e transformar o país num centro de ensino de nível mundial. O problema não é a falta de recursos, e sim a falta de capacidade governamental no emprego destes recursos em benefício do desenvolvimento do ensino superior. Estas são as preocupações imediatas que devem ser abordadas pelo Nepal para que o ensino superior nepalês se mantenha relevante na sociedade do país, em rápida transformação, e também no contexto mundial.