28/08/2012

International Higher Education

Ensino das artes liberais na perspectiva chinesa

You Guo Jiang, S. J.
Jiang faz doutorado no CIHE/Boston College. E-mail: jiangyf@bc.edu
Na última década, houve na China uma retomada no interesse pelo ensino das chamadas artes liberais e novas ideias para o campo da formação geral. Em parte, a retomada mostra que os governos e as universidades percebem a importância de ensinar os cidadãos a pensar de maneira crítica, criativa e inovadora – para ajudar os estudantes a atender aos desafios e necessidades globais. Indica também que os currículos atuais se concentram demasiadamente no treinamento profissional.
 
O modelo para o treinamento especializado tem sido cada vez mais criticado nos últimos 20 anos. A maioria dos estudantes chineses enxerga o ensino principalmente como uma forma de garantir bons empregos, um salário alto e mobilidade social. A busca por valores humanistas e pela integridade pessoal e acadêmica é erodida pelo utilitarismo e mercantilismo, orientados pelo dinheiro. Muitos formados nas faculdades carecem da capacidade de pensar de maneira crítica e criativa, enfrentando dificuldades para solucionar problemas, propor inovações e raciocinar do ponto de vista moral. Os governantes e educadores chineses têm consciência dos desafios que as universidades enfrentam agora, e creem que um ensino nas artes liberais poderá produzir formandos que tenham as habilidades morais e críticas exigidas.
 
O desenvolvimento do ensino das artes liberais
Em 1998, o ministério da educação emitiu os Parâmetros para o ensino cultural de qualidade para estudantes universitários, documento que se concentrava no cultivo de qualidades humanistas. Esses parâmetros estão num estágio inicial, carecendo de boa articulação quanto às possibilidades de carreira. Na última década, alguns corpos docentes experimentais de pequenas dimensões começaram a surgir nas melhores universidades – para cumprir a meta de ensinar aos alunos habilidades de pensamento crítico, criatividade, integridade e inovação –, como a Universidade de Pequim, a Universidade de Zhejiang, a Universidade de Fudan, a Tsinghua, a Universidade de Nanjing e a de Zhongshan, instituições pioneiras na promoção do ensino universitário das artes liberais ou de programas que aprimoram a capacidade dos estudantes de pensar de maneira crítica e analisar panoramas mais amplos.
 
Em 2005, a Universidade de Fudan criou o Fudan College, instituição voltada para a implementação do ensino de artes liberais e a administração de aulas aos alunos do 1º e 2º ano. Desde 2006, a Tsinghua define seu ensino de graduação com base no ensino das artes liberais para uma educação profissional mais ampla. Nanjing fundou o Kuang Yaming College em 2006; a Universidade de Pequim abriu seu Yuanpei College em 2007; e a Zhongshang criou a Faculdade de Artes Liberais em 2009. Outras universidades de âmbito nacional e provincial também desenvolveram cursos adicionais de artes liberais como matérias eletivas, comumente denominadas “cursos públicos para a educação humanista ou ensino de qualidade cultural”. Alguns institutos especializados de tecnologia e engenharia e as Universidades Normais, como a Universidade Jiao Tong, de Xangai, o Instituto de Tecnologia de Pequim e a Universidade Normal do Leste da China, também implementaram artes liberais. O currículo de ensino nas artes liberais inclui cursos de Ciência Política, Moral e Educação Física, bem como idiomas estrangeiros, Ciências Sociais, Literatura, História, Filosofia, Artes e treinamento militar. Assim, o ensino das artes liberais se tornou um marco do desenvolvimento e da transformação do ensino superior na China no sentido do cultivo de estudantes mais equilibrados. Mas o ensino das artes liberais enfrenta desafios na China.
 
O sistema chinês de ensino superior reconheceu a importância de tirar a ênfase do ensino especializado e concentrar-se mais na tarefa de ensinar os estudantes a serem criativos e competitivos num mundo globalizado. Entretanto, a pressão proveniente do ensino voltado para os exames e o método de ensino voltado para palestras impedem que o corpo docente e os administradores acadêmicos adotem plenamente o ensino das artes liberais. Estudos profissionalizantes relativamente restritos ainda dominam o currículo da maioria das faculdades e universidades chinesas. Além disso, os requisitos para os cursos são extremamente rigorosos e, portanto, não deixam espaço para reflexão e pensamento.
 
Apesar do objetivo pedagógico de estimular nos estudantes o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de resolver problemas por meio do ensino das artes liberais, o sistema de avaliação no qual se baseia a promoção dos professores, sua posição no ranking e a concessão de bônus por desempenho dão mais ênfase aos trabalhos publicados do que ao ensino. Trata-se de um obstáculo real para os objetivos citados. Cada professor, administrador e dirigente descreve o ensino das artes liberais como algo maravilhoso, mas também impõe vários obstáculos para sua efetivação na prática.
 
O sistema chinês contemporâneo de ensino secundário costuma dividir seu currículo entre Humanidades e Ciências. Assim, os estudantes universitários tendem a optar por cursos de artes liberais que sejam relacionados aos seus interesses do ensino médio. Os alunos do ensino médio passam a maior parte do seu tempo aprendendo a obter notas altas no exame nacional de admissão universitária. Assim, a maioria dos estudantes chineses do ensino médio torna-se excelente na memorização, sem nada aprender a respeito do trabalho em equipe, de como fazer boas apresentações em sala de aula, da capacidade de resolver problemas, da criatividade e do pensamento crítico.
 
As palestras e a memorização dominaram as abordagens anteriores. Os trabalhos avaliados têm como base principalmente o conteúdo de palestras e livros didáticos. Os estudantes não são estimulados a pensar de maneira criativa nem a refletir e interagir com os professores. Muitos acabam perdendo a capacidade de pensar independentemente ou passam a ter medo de fazer críticas.
 
A ideia de fazer a China avançar no palco mundial por meio do ensino da ciência e da tecnologia tornou-se uma preocupação central e uma das principais metas do governo. Muitas universidades apressam-se para adotar a globalização e a internacionalização para se manter alinhadas com o desenvolvimento mundial. Como resultado, o ensino das artes liberais é considerado pouco importante.
 
Tendências futuras
Apesar da falta de autonomia institucional, da pouca atenção dada ao humanismo, e da preponderância do materialismo e do utilitarismo nas metas de ensino, a reforma do ensino superior na China deu novo fôlego ao ensino das artes liberais em algumas universidades e instituições de elite – com o objetivo de ensinar um maior número de estudantes a pensar de maneira crítica, inovadora e criativa, dando-lhes um desenvolvimento equilibrado. As políticas do governo, o sistema de ensino, o envolvimento dos membros do corpo docente e as demandas do mercado continuarão a influenciar a implementação da formação geral. Na China, algumas universidades já iniciaram programas de artes liberais, seja como experimento piloto ou como forma de preparar os estudantes para vidas responsáveis, inovadoras e criativas num mundo global. O sistema chinês de ensino, suas instituições e os membros do seu corpo docente ainda têm um longo caminho a percorrer se pretendem adotar e praticar o ensino das artes liberais. Apesar de seu surgimento ser um fenômeno novo na China, isso não teve impacto expressivo na abordagem dada ao ensino superior. Além disso, o ensino das artes liberais não se tornou uma força revolucionária no ensino superior chinês. Portanto, a expansão do ensino das artes liberais no sistema chinês de ensino superior ainda está em sua infância.