18/10/2012

International Higher Education

Desafios na adoção de cursos em inglês

Para muitos observadores, instrução em inglês leva à 'americanização' da sala de aula, em parte decorrente da dificuldade em separar o inglês de sua cultura dominante

Annette Bradford
Doutoranda no programa de Políticas de Ensino da Universidade George Washington, Washington, DC
E-mail: qcb83@gwu.edu
Na tentativa de aumentar a competitividade de seus sistemas de ensino superior no mundo globalizado, muitos países não anglófonos têm aumentado o número de cursos em inglês, seja parcial ou totalmente. As universidades europeias, principalmente na Holanda e na Escandinávia, têm oferecido programas lecionados em inglês há alguns anos. Ainda assim, existem preocupações relacionadas às dificuldades de implementação e à qualidade. Conforme as universidades de outras partes do mundo, em especial no Leste Asiático, aumentam seu número de programas em inglês, elas encontram desafios semelhantes.
 
Estimativas mostram que é necessário um esforço quatro a cinco vezes maior para que um professor japonês seja capaz de lecionar em inglês do que no seu idioma Aumento no número de cursos
Com a implementação do sistema de três ciclos previsto no Processo de Bolonha, em grande parte concluída em 2010, o número de cursos em inglês nos países europeus não anglófonos aumentou dramaticamente. Dados recentes publicados pelo Institute of International Education contaram 560 programas de mestrado lecionados integralmente em inglês – em 2002, aumentando para 1.500 em 2008 e 3.701 em 2011 – com outros 963 cursos incluindo o inglês como um dos idiomas de instrução. Nos países do Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) e na Escandinávia, o ensino em nível de mestrado é quase inteiramente ministrado em inglês. Na graduação, os cursos inteiramente em inglês não estão crescendo no mesmo ritmo, mas ainda assim avançam, sendo que a Holanda informa sozinha ter mais de 200 cursos deste tipo no banco de dados bachelorsportal.eu.
 
Nos anos mais recentes, as universidades do Leste Asiático também começaram a expandir rapidamente o número de cursos oferecidos em inglês. A Coreia do Sul adotou com entusiasmo a instrução em língua inglesa, sendo grande o número de universidades que buscam incorporá-la aos cursos existentes, lecionando cerca de 30% das aulas em inglês. Taiwan e Japão estão se concentrando mais nos programas ensinados inteiramente em inglês. Taiwan tem pelo menos 170 cursos lecionados em inglês em diferentes níveis, e o governo japonês pretende que haja 157 cursos já em 2014. Na China, a pedido do Ministério da Educação, as universidades ensinam uma gama cada vez maior de cursos profissionais inteiramente em inglês, incluindo ciência da informação, biotecnologia, novos materiais, engenharia, comércio internacional, finanças e direito.
 
Os desafios que emanam da adoção de tais programas podem ser incluídos em três categorias – aqueles relacionados ao idioma, à cultura e à estrutura dos programas.
 
Desafios linguísticos
Existe a preocupação quanto à qualidade do ensino e do aprendizado que ocorre quando instrutores e/ou estudantes estão trabalhando num idioma não nativo. Até os estudantes de países com um histórico expressivo de instrução na língua inglesa, como Noruega e Holanda, relataram preocupações com o vocabulário pouco conhecido e problemas ao fazer anotações durante as aulas ministradas em inglês. Consequentemente, os instrutores precisam fazer constantes adaptações em suas aulas, e isso afeta a qualidade e a quantidade do conteúdo que pode ser lecionado no decorrer de um semestre.
 
As limitações nas competências linguísticas dos professores também representam desafios para a qualidade dos cursos. Com frequência os estudantes europeus identificam insuficiências nas capacidades orais de seus professores, levando a uma perda da confiança no conhecimento dos docentes em relação ao conteúdo. Os próprios professores comentaram que as aulas podem se tornar insossas e tecnicistas quando suas habilidades linguísticas os impedem de expressar comentários e ilustrações usando termos coloquiais.
 
Desafios culturais
As instituições de ensino superior que adotam o inglês como meio de instrução estão se abrindo para populações de professores e estudantes mais diversificadas, com uma maior gama de normas e expectativas culturais. Tais diferenças podem permear todos os níveis do curso lecionado em inglês – incluindo o comportamento em sala, as formas de avaliação e o acompanhamento do trabalho dos professores. Isso apresenta desafios para os educadores acostumados a lecionar para um grupo de estudantes relativamente homogêneo, pois eles podem carecer do conhecimento intercultural importante para o desenvolvimento de currículos internacionalizados, para a adoção de práticas mais inclusivas e para a promoção do entendimento cultural recíproco. Essa habilidade pragmática é até mais determinante do que a desenvoltura no idioma em se tratando de lecionar em inglês.
 
Muitos observadores destacaram que a instrução em inglês leva à “americanização” da sala de aula e das práticas de controle, em parte decorrente da dificuldade em separar o inglês de sua cultura dominante. Isso pode criar dificuldades especialmente nas salas de aula asiáticas, nas quais a pedagogia tradicional enfatiza a autoridade do professor e a maioria dos estudantes tende a vir de outros países asiáticos.
 
Os desafios linguísticos e culturais aumentam o fardo que os programas lecionados em inglês depositam sobre o corpo docente. Estimativas mostram que é necessário um esforço quatro a cinco vezes maior para que um professor japonês seja capaz de lecionar em inglês do que no seu idioma; estudos em Taiwan revelaram a insatisfação com a quantidade de tempo necessária para o preparo de aulas que atendem a estilos de aprendizado diferentes. Até professores dinamarqueses e finlandeses dotados de altos níveis de capacidade de comunicação em inglês expressaram sua relutância em ensinar nos cursos ministrados em inglês. A sobrecarga suportada pelo corpo docente pode ser aliviada por meio do emprego de professores para os quais o inglês é o idioma nativo. Entretanto, há problemas no seu recrutamento e retenção, sendo necessária a oferta de remuneração maior para tornar a posição atraente, e tais professores nem sempre estão disponíveis para aceitar contratos de ensino de longo prazo – frequentemente por causa de regulações empregatícias e restrições inerentes ao visto.
 
Desafios estruturais
Os desafios estruturais são aqueles relacionados à gestão dos cursos. Além de encontrar professores para lecionar em tais cursos, qualquer instituição que adote a instrução em língua inglesa precisa também ampliar sua administração e serviços de apoio para atender em inglês a um novo corpo docente e discente heterogêneo. Estudantes matriculados nos cursos ministrados em inglês costumam também precisar de mais apoio do que os estudantes locais. Em especial, precisam de ajuda com a habitação, com a transferência de suas credenciais estrangeiras para o país hóspede, e orientação acadêmica adicional. Em muitos países, a equipe administrativa não é especializada e não é designada para um determinado cargo por mais de alguns anos. Assim, pode ser difícil encontrar pessoal dotado das habilidades necessárias.
 
Outro desafio estrutural é a intransigência institucional. Iniciativas nacionais e supranacionais como a Declaração de Bolonha na Europa e o Projeto Global 30 do Japão permitiram a introdução de cursos lecionados em inglês, mas são aqueles diretamente envolvidos dentro de cada instituição de ensino superior que possibilitam seu sucesso. Na ausência da participação dos envolvidos dentro de cada instituição, como os conselhos de professores e o corpo docente, os programas em inglês dificilmente serão implementados conforme o esperado.
 
Avançando
Para facilitar a implementação bem-sucedida de cursos em inglês, as instituições devem direcionar sua atenção para os três desafios expostos acima. Elementos valiosos de apoio por parte dos estudantes e do corpo docente podem incluir aulas de idiomas e habilidades acadêmicas para estudantes e cursos de habilidades de ensino interculturais para os professores. Cursos em Taiwan estão adotando medidas que exemplificam esse tipo de envolvimento proativo com os desafios vistos nos casos anteriores. A Universidade Nacional de Ciência e Tecnologia de Taiwan oferece um curso gratuito de inglês intensivo durante o verão para os estudantes domésticos, permitindo que participem de cursos ministrados em inglês; e a Universidade Nacional Normal Chang Hwa oferece workshops de pedagogia para os membros de seu corpo docente. Da mesma maneira, a Universidade Yuan Ze estabeleceu uma parceria com a Universidade de Nova Gales do Sul para enviar membros de seu corpo docente à Austrália para treinamento intensivo na expectativa de aprimorar sua capacidade de oferecer cursos em inglês. Para lidar com os desafios estruturais, as universidades devem fazer ajustes em suas práticas administrativas, incluindo as relacionadas aos funcionários.