10/03/2014

International Higher Education

Desafios éticos das admissões internacionais

Daniel Zaretsky
Zaretsky é diretor de ideias da Higher-Edge, uma firma de consultoria em ensino superior internacional com sede em Toronto, Canadá. E-mail: dani@higher-edge.com
Em seu relatório de maio de 2013 intitulado Relatório da Comissão para o Recrutamento de Estudantes Internacionais, a Associação Nacional de Orientação para o Ingresso na Universidade (NACAC) explora a polêmica área dos contratos de recrutamento de estudantes internacionais com base em comissão. O foco exclusivo no pagamento de comissões é equivocado. Os abusos mais perturbadores estão mais próximos do dinheiro pago pelos estudantes aos agentes de ensino do que das comissões pagas pelas instituições aos agentes. A ausência de supervisão por parte das instituições diante de suas práticas de recrutamento de estudantes internacionais incluindo seus contratos com os agentes, é a questão. Além de esclarecer os termos, as medidas substanciais que as instituições devem adotar para garantir que estejam operando livres de corrupção são articuladas abaixo.
 
Todos os agentes recebem comissão?
Um agente de ensino é uma empresa ou indivíduo que recruta candidatos interessados em estudar no exterior. Os agentes de ensino podem ser "independentes" ou fazer parte de uma agência de viagens, consultoria de imigração, ou outro tipo de operação comercial.
 
O relatório da NACAC categoriza de maneira organizada três tipos de agentes de ensino (p. 40), mas são necessários esclarecimentos adicionais. Aqueles que recebem taxas somente das instituições, sob a forma de comissões ou outro tipo de pagamento, devem ser caracterizados como "agentes de recrutamento para instituições". Aqueles que recebem pagamento apenas dos estudantes devem ser caracterizados como "agentes de estudantes". Aqueles que aceitam pagamentos de ambos devem ser caracterizados como "agentes mistos" (o relatório chama isto de "cobrança em duplicidade", p. 13).
 
Quais são os abusos?
O relatório da NACAC associa corretamente o recrutamento recompensado com comissões - ou seja, o pagamento de comissões como recompensa por cada estudante recrutado - a uma "série de representações equivocadas" (p.10). Mas o setor do recrutamento está repleto de transgressões muito mais graves, incluindo a prática generalizada da falsificação de documentos acadêmicos e financeiros e tentativas sistemáticas de trapacear em exames de admissão ministrados em todo o mundo.
 
O quão generalizadas são essas práticas? De acordo com um artigo da Times Higher Education (Londres) de 13 de junho de 2013, um relatório da Associação de Educadores Internacionais (NAFSA) concluiu que "90% das cartas de recomendação dos candidatos chineses interessados nas universidades ocidentais foram falsificadas" (http://www.timeshighereducation.co.uk/news/fraud-fears-rocket-as-chinese-seek-a-place-at-any-price/2004704.article). Tais abusos são sancionados pelos estudantes ou seus pais, que pagam taxas por esses serviços.
 
É necessário desenvolver políticas para os países que apresentam "o maior volume e a maior incidência de fraudes", nos quais ocorrem as práticas mais preocupantes.
 
O problema está no pagamento de comissões?
As comissões oferecidas pelas instituições aumentam os incentivos para as distorções na apresentação de informações. Alguns agentes afastam estudantes de instituições ou programas que oferecem comissões pequenas ou inexistentes em nome de cursos menos adequados que paguem ao agente US$ 1.000-2.000 ou mais. Os agentes costumam apresentar um leque de instituições que os remuneram numa faixa comparável.
 
O modelo mais lucrativo que permite ganhar somas maiores é por meio da cobrança dos estudantes. Taxas por serviços elementares como preencher uma ficha de inscrição oferecem um retorno maior. O mesmo artigo da Times destaca que agências na China recebem até US$ 10.000 por estudante e, às vezes, o dobro disso pelo ingresso em instituições bem posicionadas nas classificações. Taxas consideráveis podem ser cobradas pela fabricação de documentos ou por fraudes cometidas nos exames de admissão. Além disso, um grande volume de taxas é cobrado de estudantes que insistem numa busca quixotesca pela admissão, mesmo quando o agente já sabe que os candidatos terão suas inscrições recusadas.
 
As universidades sabem que a maioria dos estudantes que elas conhecem no exterior não virá aos seus campi. Agentes experientes sabem que a maioria dos candidatos vai decidir que o melhor é permanecer no próprio país para cursar os estudos, procurar outro agente, buscar outra instituição fora do portfólio do agente ou ter o visto recusado. Como uma pequena parcela dos candidatos vai proporcionar uma comissão aos agentes, muitos se veem inclinados a buscar taxas maiores ao cobrar dos estudantes pelo processo de inscrição em vez de depender das pequenas comissões que talvez venham dos candidatos que obtiverem sucesso na tentativa de estudar fora. Na China e na Índia, os agentes ganham muito mais cobrando dos candidatos do que aquilo que recebem por meio de comissões pagas pelas instituições de ensino.
 
Qual é a causa central das farsas?
Para uma gama muito mais ampla de práticas antiéticas, como falsificar históricos acadêmicos ou trapacear nos exames (como o SAT), o problema central está no estudante e, com frequência, nos pais, que buscam vantagens injustas no processo de admissão (ou de obtenção de bolsas de estudos). Os agentes servem como intermediários entre orientação e execução.
 
Quando o exame SAT foi cancelado em toda a Coreia do Sul em maio de 2013, o Wall Street Journal de 9 de maio de 2013 (http://online.wsj.com/article/SB10001424127887323744604578472313648304172.html) informou que o incentivo à trapaça vinha dos pais. De maneira semelhante, a grosseira e descontrolada inflação de notas observada nos estabelecimentos de ensino secundários criados para estudantes interessados em estudar no exterior não é culpa dos agentes. As escolas estão simplesmente atendendo à demanda dos pais que esperam resultados acadêmicos excelentes, aumentando as chances dos filhos de ingressarem nas instituições estrangeiras.
 
Soluções: supervisão dos agentes
O relatório da NACAC enfatiza corretamente a responsabilidade institucional no trecho de abertura, Recomendação da Comissão para a Declaração de Princípios de Melhores Práticas. As instituições devem ir além das recomendações do relatório para maior transparência e conduta mais responsável (p. 45). As inscrições devem exigir declarações de veracidade assinadas pelos estudantes e deixar claras as consequências da desonestidade. Os estudantes devem ser instruídos de maneira explícita em relação àquilo que é inaceitável, como alterar ou falsificar documentos acadêmicos. Deve-se exigir dos estudantes que declarem se receberam assistência de terceiros, e de qual tipo. Aqueles que forem aceitos devem ser notificados com antecedência que os exames de proficiência em inglês serão conferidos no momento da chegada, sendo entrevistados brevemente e pedindo-se deles que escrevam um ensaio.
 
Ao contratar agentes, os acordos devem especificar os termos e limitações do relacionamento, alertando que práticas ilegais resultarão no encerramento imediato e possível encaminhamento para a esfera legal. Checagens periódicas devem ser realizadas quando for conveniente pra a instituição.
 
Tais medidas representam sugestões de custo baixo ou inexistente, diante das quais nenhuma instituição pode alegar falta de recursos. Além dessas medidas, dependendo da escala de suas operações, as instituições podem mobilizar delegações com experiência no país em questão para conferir se os acordos com as agências estão de fato sendo respeitados. Será que os estudantes estão recebendo orientação adequada? As taxas cobradas pelos agentes estão de acordo com o combinado? O serviço de orientação aos estudantes demonstra um conhecimento preciso da instituição? Os documentos são autênticos? É claro que não se trata de tarefa fácil. Agentes ou pais podem enviar documentos falsificados, e o estudante pode não passar de cúmplice desavisado. As instituições podem não ter contratos com agentes e ainda assim receber solicitações de inscrição provenientes deles. Mas este desafio apenas acentua a necessidade de estratégias cuidadosas de recrutamento, evitando atalhos.
 
Soluções: propriedade institucional
O relatório da NACAC afirma que "(Uma) consideração fundamental para os responsáveis pelas políticas de ensino é a capacidade e/ou disposição das universidades para estabelecer e tratar com seriedade procedimentos do tipo para se defender de comportamentos inadequados" (p. 42).
 
O uso da palavra "disposição" no relatório da NACAC questiona se o problema está mesmo na "capacidade". Talvez não seja a falta de peso institucional, e sim uma admissão de que um trabalho mais atento no seu relacionamento com os agentes poderia significar menos estudantes e renda mais baixa.
 
Sem a capacidade nem os recursos para uma vigilância rigorosa, as organizações que treinam, credenciam ou licenciam agentes mascaram instituições que deixam de ser cobradas por sua conduta irresponsável. Isto atraiu cada vez mais o interesse do governo dos EUA, da Grã-Bretanha e do Canadá, entre outros países.
 
A dependência financeira das instituições em relação às taxas pagas pelos estudantes internacionais prejudica de maneira significativa a inclinação no sentido de supervisionar diretamente as práticas de recrutamento. A admissão de estudantes pouco qualificados, a aprovação não merecida de estudantes nos cursos ou a participação em acordos de propriedade dúbia com agentes e até instituições estrangeiras são exemplos de medidas desesperadas que, no longo prazo, trazem o risco de manchar a reputação institucional.
 
Conclusão
Há incentivos financeiros substanciais para que os agentes atuem de maneira imprópria. O foco no pagamento de comissões tende a nos distrair do problema mais amplo. Há grandes números de indivíduos pagando somas expressivas a agentes em troca de uma variedade de vantagens nos processos de admissão. Em particular, numa breve lista de países onde o volume de fraudes é elevadíssimo, os agentes recebem expressivas recompensas financeiras ao explorar candidatos autênticos e desinformados ou facilmente manipulados. O problema é complicado por instituições de ensino desesperadas para receber as taxas pagas pelos estudantes internacionais que talvez estejam dispostas a sacrificar seus parâmetros acadêmicos e ignorar deliberadamente a conduta imprópria por parte de agentes, estudantes e seus pais.
 
É grande o espectro de melhorias para a área do recrutamento de estudantes internacionais, mas isto exige que as instituições paguem por suas responsabilidades e aceitem somente o retorno justo de seus esforços.