26/03/2014

International Higher Education

Decolagem espanhola: um sonho adiado?

Laura E. Rumbley e Laura Howard
Laura E. Rumbley é diretora associada do Center for International Higher Education/Boston College. E-mail: rumbley@bc.edu. Laura Howard é palestrante da Universidade de Cádiz, Espanha, e atualmente ocupa a vice-presidência da Associação Europeia para o Ensino Internacional. E-mail: laura.howard@uca.es.
Como ocorreu em outras partes da Europa, a Espanha viveu um ótimo momento cultural e econômico durante o final dos anos 1990 e início da década de 2000. As universidades espanholas estavam entoando o hino da modernização com base num entusiástico compromisso com a pauta da internacionalização. Mas, atualmente, a Espanha se vê atolada numa crise econômica e política, criando sérias dificuldades para muitos espanhóis, e uma profunda sensação generalizada de incerteza e pessimismo. Esta preocupante reviravolta nos leva a perguntar: qual o estado atual da internacionalização no ensino superior espanhol; e quais são as perspectivas futuras para o envolvimento global sustentado e universidades de alto nível num contexto ao mesmo tempo escasso em recursos e implacavelmente internacionalizante?
 
Os melhores planos
A Espanha está comprometida com variadas maneiras de promover a internacionalização do seu setor do ensino superior há mais de duas décadas. Desde 1987, a Espanha tem sido consistentemente um dos principais destinos dos estudantes do programa de mobilidade ERASMUS, da União Europeia, e também um dos países que mais enviam participantes para o programa. A pauta coordenada pelo Ministério das Relações Exteriores nos anos 1990 e início da década de 2000 incentivou as universidades espanholas a terem uma postura ativa na cooperação em desenvolvimento, particularmente na América Latina e Norte da África.
 
Mais recentemente, foram lançadas novas iniciativas para melhorar o perfil do ensino superior no país e mapear um plano para melhorar a qualidade e a relevância por meio do envolvimento internacional. O primeiro passo notável foi a criação da “Universidad.es” em 2008 - uma fundação pública pensada para promover globalmente a Espanha enquanto destino para estudantes e estudiosos internacionais.
 
Também em 2008 o governo espanhol lançou seu Estrategia Universidad 2015 (EU2015), um modelo de como “melhorar substancialmente” o sistema universitário e “trazê-lo ao nível da excelência internacional”. O EU2015 buscava a excelência em áreas chave da ciência e tecnologia, para aumentar a visibilidade da Espanha no panorama europeu, e situava a internacionalização no coração das políticas universitárias na Espanha. O foco em pesquisa e inovação foi enfatizado na iniciativa “Campus de Excelencia Internacional” do EU2015, projetada para estimular (e incentivar) as universidades espanholas a se especializarem em áreas fundamentais - da nanotecnologia às belas artes - para que o país possa investir de maneira mais estratégica nos campi mais promissores para cultivar o reconhecimento internacional em áreas específicas.
 
Ressaca
Infelizmente, os esforços da Espanha para sustentar essas novas iniciativas têm decepcionado. Num relatório publicado em 2011, uma equipe de especialistas internacionais (representando o Banco Mundial e a Associação Internacional de Universidades, entre outras entidades) determinou que o progresso do país em direção às metas do EU2015 era assimétrico, na melhor das hipóteses, fazendo 25 recomendações específicas para melhorar o desempenho e superar obstáculos de implementação. O financiamento nacional destinado ao programa “Campus de Excelencia Internacional” foi cancelado, deixando muitas iniciativas do campusincompletas , e tantas outras dependentes do limitado financiamento regional. Em junho de 2013, como parte de uma estratégia para reduzir os gastos públicos, o governo anunciou que o Universidad.es seria incorporado à OAPEE, agência espanhola encarregada de programas europeus. O fato de as autoridades públicas não saberem ao certo como tal incorporação pode ser feita (tanto do ponto de vista legal quanto do prático) é um mau presságio para o Universidad.es enquanto voz clara e ágil do ensino superior espanhol em todo o mundo.
 
A Espanha não pode mais sustentar a ambiciosa pauta internacional para suas universidades, dada a precariedade das circunstâncias políticas e econômicas do país. O país mergulhou numa recessão profunda em 2008. O desemprego entre os jovens espanhóis com menos de 25 anos era superior a 55% no final de 2012, situação que só piorava em algumas regiões do país. Os jovens espanhóis têm uma formação melhor do que a de qualquer geração anterior; mas esses formados (e, cada vez mais, pós-graduados) são incapazes de encontrar empregos oferecendo estabilidade ou salários suficientes para uma vida independente. De fato, há muitas anedotas a respeito de jovens em busca de emprego alterando seus currículos para esconder parte de sua formação, evitando assim dar a impressão de serem demasiadamente qualificados para um emprego simples. Muitos aproveitam a oportunidade de livre deslocamento pela União Europeia para buscar emprego em outro lugar (especialmente na Alemanha). A migração de jovens aumentou 41% desde 2008, e fala-se em fuga de cérebros e investimento perdido no futuro do país.
 
Para os estudantes que continuam na universidade, o pagamento das taxas de ensino vem se tornando cada vez mais difícil. Ainda que tenham aumentado, as mensalidades das universidades públicas são consideradas moderadas; entretanto, os estudantes que precisam repetir cursos nos quais foram reprovados enfrentam um grande aumento neste valor. Os estudantes e seus pais veem-se pressionados conforme a renda encolhe e as regras para a concessão de bolsas se tornam mais rigorosas. A situação se tornou tão grave que as universidades espanholas estão pensando em buscar doadores particulares para subsidiar estudantes em dificuldades financeiras. Números recentes indicam que cerca de 30 mil estudantes correm o risco de abandonar o curso caso não recebam auxílio adicional.
 
O corpo docente e os funcionários das universidades também foram afetados. Com o corte de 12% no gasto público com as universidades desde 2010, além de terem sido congelados, em muitos casos os salários foram reduzidos em até 20%. As oportunidades de promoção são mínimas, e muitos funcionários temporários não foram recontratados. A redução nos funcionários resultou numa carga de trabalho mais pesada para aqueles que ficaram. O moral é baixo. Uma carta aberta publicada recentemente por um cientista espanhol que tinha emigrado para os Estados Unidos para aceitar um emprego na NASA lamentava, “A ciência que farei não será mais espanhola, nem graças à Espanha; em vez disso, continuarei a fazer ciência, apesar da Espanha”. O movimento Carta Aberta pela Ciência na Espanha (consenso entre a Confederação de Sociedades Científicas Espanholas e a Conferência de Reitores Universitários Espanhóis, entre outras) faz campanha para que o governo aumente o gasto com as pesquisas até o patamar de 2009, na tentativa de “evitar um estrago de longo prazo no já combalido sistema espanhol de pesquisa”.
 
Mantendo o curso
Apesar deste sombrio quadro doméstico - ou talvez precisamente por causa dele - a internacionalização é aceita como um dos únicos caminhos viáveis para a recuperação e rejuvenescimento das universidades espanholas. As universidades são vistas como fundamentais para se alcançar uma “economia [europeia] inteligente, sustentável e inclusiva”, e parece claro que a universidade espanhola do século 21 deve ser uma instituição mundialmente engajada.
 
No atual ambiente limitado, são poucas as opções; mas ainda há algumas oportunidades. Uma das melhores oportunidades para a Espanha está no seu constante poder de atração para os estudantes internacionais. Números de 2011/2012 indicam que a Espanha recebeu mais estudantes via ERASMUS do que qualquer outro país participante (39.300 estudantes, representando 19% do total do ano), e 6 das 10 instituições que mais recebiam alunos da rede Erasmus eram espanholas. Fora da Europa, a Espanha costuma estar entre os três países que mais recebem estudantes americanos - foram 25.965 participantes dos EUA em 2010/2011, um aumento de 51% em uma década.
 
Embora a internacionalização envolva muito mais do que a mobilidade dos estudantes, no momento a Espanha está concentrada nos “frutos mais acessíveis” para manter vivo seu impulso de internacionalização. As universidades espanholas devem propor estratégias eficazes e de baixo custo, incluindo a internacionalização do currículo e outras atividades de “internacionalização doméstica”. Conforme a crise de afasta, entretanto, o país deve retomar as coisas do ponto em que foram interrompidas - implementando uma visão de internacionalização que melhore a qualidade institucional, sirva aos interesses nacionais e construa uma cultura universitária com base no envolvimento global enquanto princípio orientador da excelência acadêmica. Acima de tudo, a futura internacionalização da Espanha deve ser mais “resistente às crises”.