27/01/2015

International Higher Education | 77

Cuidado com os BRICs: pelo menos com relação ao debate do ensino superior

Philip G. Altbach e Roberta Malee Bassett
Altbach é professor pesquisador e diretor do Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College. Roberta é especialista em Educação Sênior na Europa e Ásia Central para o Banco Mundial. Email: rbassett@worldbank.org. Este artigo, também foi publicado na edição de outubro de 2014 do Change.
Embora o conceito de BRICs tenha se tornado quase banal no que abrange as novas potencias econômicas que o Brasil, Rússia, Índia e China parecem representar, o conceito deste bloco é na verdade de pouca relevância com relação a compreender o complexo ambiente do Ensino Superior nestes, ou em outras potencias econômicas emergentes. De fato, o coletivo dos BRICs é em si um artificio de marketing, identificado há doze anos pelo ex-economista da Goldman Sachs, Jim O’Neill tanto por sua imagem clara e básica como por quaisquer semelhanças reais entre tais países em particular. Defendemos aqui que a pesquisa do ensino superior, pelo menos, precisa dar um passo atrás e apresentar um olhar diferente e novo com relação aos BRICs. Na verdade não acreditamos que os quatro países tenham muito em comum e faz pouco sentido analítico discuti-los como um todo. Na verdade, em um artigo no Times Higher Education (de 05 de Dezembro, 2013), O’Neil desviou sua atenção para os MINTs (México, Indonésia, Nigéria, e Turquia), quando os ver como demograficamente posicionados para o sucesso econômico por um número de razões, que agora contrastam as experiências dos BRICs, incluindo o envelhecimento da população.   As populações dos MINTs crescem e de maneira relativamente equilibrada, enquanto que os BRICKs, com exceção da Índia, apresentam populações idosas, menos habilitadas para a expansão econômica rápida das próximas décadas.
 
O que temos aqui em causa é simples. Ao examinarmos os países que compõem os BRICS, Brasil, Rússia, China e Índia – poderá fazer algum sentido argumentar em termos de desenvolvimento econômico e agrupá-los para fins analíticos, porém no que tange ao ensino superior simplesmente não é relevante. Posteriormente, um “S” maiúsculo foi inserido aos BRICs originais em 2010 para incluir a África do Sul ao grupo, futuramente enfraquecendo as ligações entre este bloco multinacional, embora O’Neil não tenha incluído aquele país. A África do Sul é bem menor que as outras nações dos BRICs – com uma economia significativamente menor que os outros quatro.  
 
Variações, mas poucos temas
Para efeitos comparativos e vitalmente relevantes, as quatro nações dos BRICs diferem grandemente uma das outras em todo o espectro das normas de medição do ensino superior. As quatro utilizam-se de línguas diferentes, vêm de tradições acadêmicas diferentes (com algumas similaridades entre a China e a Rússia), tendo apresentando ao longo dos anos estratégias acadêmicas bastante diversas, não demonstrando ainda nenhum histórico de cooperação acadêmica ou concorrência.  Nem os estudantes nem os professores destes países se socializam tanto. Dois deles, a China e a Rússia, lutam para ingressar nos quadros de classificação “mundial”. A Rússia contudo, só agora direciona seus esforços e a Índia se encontra em uma posição muito atrás.  
 
Dois dos quatro, a China e a Índia são os principais países de “envio” em se tratando de estudantes internacionais, com a China isoladamente responsável por 17 por cento da população estudantil estrangeira do mundo. Os estudantes destes dois países são direcionados principalmente para as universidades que usam o idioma inglês. O Brasil que apenas recentemente iniciou seu principal programa de bolsas de estudos no exterior, centra-se mais na Europa; e a Rússia não tem uma posição importante.
 
A China, isoladamente entre os quatro, apresenta uma estratégia nacional significativa para estabelecer universidades de pesquisa de elite e em nível mundial, tendo investido fortemente e com um êxito considerável, sendo também eficaz no estabelecimento de um sistema acadêmico diferenciado que atende a uma variedade de necessidades nacionais e as populações estudantis. Agora particularmente importante, a China tem a maior população estudantil do mundo, com 24 por cento de sua faixa etária matriculada no ensino pós secundário, similar ao índice bruto de matrículas do Brasil, que é de aproximadamente 25 por cento. Diferentemente da China, com sua estratégia integrada e politicamente poderosa no que tange a expansão do ensino superior, a Índia não tem apresentado qualquer estratégia de ensino superior propriamente dita, embora o recentemente promulgado 12º Plano de Cinco Anos que articula elementos de uma política. O país não tem universidades altamente classificadas e existe um consenso generalizado de que a qualidade de todo o sistema é inferior.   
 
A Rússia permitiu que seu sistema de ensino superior se deteriorasse gravemente na década após o colapso da União Soviética e apenas agora inicia a reconstrução do sistema, centrando-se no setor da universidade de pesquisa.  Falta ao Brasil uma estratégia coerente, e semelhantemente, o governo apresenta pouco interesse em melhorar a qualidade do sistema como um todo. O estado de São Paulo tem investido fortemente em seu setor de ensino superior, e como resultado detém várias das melhores universidades na América Latina, embora nenhuma delas consideradas entre as melhores do mundo.  
                 
China e Rússia: desafios semelhantes
Embora nem a Rússia nem a China analisem cuidadosamente um ao outro à busca de boas práticas ou problemas em comum, na realidade ambos partilham muitas características similares. O sistema de ensino superior da China implantado em 1949 foi em grande parte copiado do modelo soviético, com o surgimento de muitos institutos especializados de pequeno porte, ligados aos ministérios e a separação do segmento de pesquisa da área de ensino através do delineamento da pesquisa como uma atividade principalmente destinada às instituições da Academia de Ciências e não às universidades. O modelo soviético, maioritariamente não favoreceu nenhum dos países, ao separar os benefícios do ensino e do treinamento de se conduzir a pesquisa por parte da grande maioria dos estudantes e professores. Pelo menos, antes de sua dissolução, a União soviética, podia contar com instituições acadêmicas e universidades do topo-do-ranking.
 
Imediatamente após o colapso de 1991 do sistema soviético, contudo, o ensino superior e a pesquisa foram ignorados e subfinanciados, o que levou a saída do país de muitos cientistas de renome, enfraquecendo gravemente o sistema acadêmico. O desenvolvimento do ensino superior na China após 1949 foi semelhantemente desinteressante. A Revolução Cultural que se iniciou em 1966 sob o comando de Mao Tse-tung, fechou todo o ensino superior por uma década, basicamente destruindo o sistema; e os intelectuais precisavam manter a viabilidade acadêmica para qualquer país. 
 
A China iniciou a reconstrução de seu sistema de ensino superior e infraestrutura de pesquisa na década de 1980, baseando-se em grande parte no Ocidente e em especial nos modelos americanos. Imensos recursos foram e continuam sendo investidos no sistema, o que resultou no desenvolvimento de cerca de 100 universidades de pesquisa, com aproximadamente 12 delas atingido um status internacional. A Rússia não promoveu tais níveis de investimento em seu setor de ensino superior, o que leva a uma acentuada diferenciação no status global de seu setor quando comparado à China. Na década passada, embora o governo Russo tenha desenvolvido várias iniciativas importantes, como a criação de universidades federais de ponta e mais recentemente um programa para dar suporte adicional a um grupo de 17 universidades, selecionados em condições de concorrência, com o objetivo de fazer com que algumas delas entrem para o topo das 100 universidades do ranking global até 2020.   
 
Usando-se o modelo soviético, ambos os países dependiam predominantemente dos institutos da Academia de Ciências para maior parte de suas pesquisas. Assim, as universidades foram amplamente excluídas da missão de pesquisa. Por vários motivos, incluindo a integração da pesquisa no ensino e aprendizagem e economias de escala para o melhor uso da equipe acadêmica mais talentosa, este modelo já não funciona muito bem; porém ambos os países têm achado difícil avançar com reformas nesta área, muitas vezes devido a natureza conservadora da equipe acadêmica e a limitada capacidade das instalações universitárias para absorver as iniciativas de pesquisa. Ademais, os salários acadêmicos em ambos os países são bem baixos – na última posição de um grupo de 28 países recentemente analisados, o que dificulta o recrutamento de jovens brilhantes para a profissão acadêmica e torna necessário para muitos exercer tarefas profissionais em mais de um emprego.
 
Tanto a Rússia como a China têm dado pouca atenção aos seus segmentos não elitizados do ensino superior, o que faz com que a qualidade tenda a ser baixa. Ambos os países dependem do sistema questionável de admitir estudantes melhor qualificados às universidades, conforme determinado por exames de alto risco e com base nas vagas alocadas do estado em níveis de mensalidades baixas ou gratuitas, e a seguir preenchem suas salas de aulas com indivíduos que não são tão qualificados, mas que pagam uma mensalidade mais elevada, ajudando assim a equilibrar o orçamento, mas ao mesmo tempo criando variações de qualidade e outras ineficiências no sistema.  
 
Brasil: fins lucrativos e provincianismo
Assim como boa parte da América Latina, mais de 80% dos estudantes brasileiros pós ensino médio frequentam instituições privadas, a maioria destas de fins lucrativos e qualidade variada.  Similar às políticas financeiras e quase regressivas na China e na Rússia, os melhores estudantes no Brasil optam pelas universidades públicas, gratuitas, e os padrões de seleção para o ingresso à universidade são bastante elevados. Desta feita, estudantes oriundos de famílias abastadas, cujo poder aquisitivo permite o acesso às escolas secundárias particulares e a cursos particulares preparatórios, conquistam o acesso ao ensino superior mais barato e de melhor qualidade, enquanto estudantes de um status socioeconômico inferior pagam mais por uma qualidade inferior. Além disso, o Brasil tem dado pouca atenção à construção de universidades de ponta ou que venham competir em âmbito global, sempre atribuindo tal lacuna de reconhecimento global ou regional às barreiras linguísticas causadas pelo fato de trabalharem, ensinarem, conduzirem pesquisas e publicarem em português. A falta de publicações em língua inglesa é também em particular uma barreira para China e Rússia. Uma exceção a esta generalização é São Paulo, o estado mais rico do Brasil, que detém várias das melhores universidades de pesquisa da América Latina.
 
Índia: emergindo lentamente
Existe um intenso debate na Índia sobre o “bônus demográfico” do país – uma grande população de jovens e de pessoas potencialmente produtivas que não são educadas adequadamente ou preparadas para uma economia globalizada do século 21 por instituições de ensino superior inadequadas e de baixa qualidade.     É indiscutível que a qualidade geral das universidades indianas e faculdades é inferior, e isso é refletido pelo fato de poucas instituições indianas aparecerem nos quadros de classificação e nenhuma delas é altamente conceituada. As autoridades governamentais da Índia, tanto na esfera estadual como na federal, têm investido comparativamente pouco no ensino superior, e não têm surgido nenhuma estratégia para mobilização rumo aos objetivos de desenvolvimento. A Índia tem a vantagem adicional do uso da língua inglesa como meio de instrução para mais da metade do sistema de ensino superior, mas o país não apresenta uma estratégia de internacionalização.  
 
Realidades dos BRICs
Existem algumas realidades que são partilhadas por pelo menos algumas nações dos BRICs, embora os detalhes variem e são poucas, se é que existem estratégias comuns estabelecidas ou até mesmo sugeridas. Entre elas estão:
 
·                    Todos os países dos BRICs apresentam problemas graves de gestão interna da universidade e governança. Nenhum deles tem um padrão de governança compartilhada considerada como necessária para o sucesso acadêmico, particularmente no que diz respeito às universidades de pesquisa. A governança interna tende a ser altamente burocrática e em muitos casos bastante ineficiente.  
·                    As universidades públicas nos países dos BRICs estão sujeitas muitas vezes a um rígido controle governamental, deixando um pequeno escopo para autonomia institucional ou a criatividade. A política muitas vezes interfere nas decisões acadêmicas – na China muitas vezes de caráter ideológico, enquanto que na Índia, Rússia e Brasil a política poderá estar ligada a questões locais ou a determinadas agendas políticas.   
·                    A profissão acadêmica enfrenta importante desafios. Na China e na Rússia, os salários são extremamente baixos para maioria, enquanto alguns poucos dos melhores pesquisadores conseguem obter remuneração decente. O plagio e outras condutas erradas permanecem uma preocupação. 
·                    A equidade de acesso e sucesso em cada um desses países é problemática, pois poucos recursos estão centrados em fornecer a esses estudantes de grupos socioeconômicos baixos ou minorias, áreas rurais, ou as trajetórias de grupos mal representados quanto a formação do ensino superior.   Além disso, a natureza regressiva de matriculas duplas ( e exames de admissão de alto risco asseguram que as elites continuarão a colher as recompensas do setor do ensino superior  — a baixo custo ou de graça — enquanto força os estudantes pobres e àqueles com menos acesso ao ensino secundário de qualidade a subsidiar as elites, através de tarifação e o pagamento de taxas e mensalidades.
 
Uma discussão de realidades
Sem dúvida, os quatro países dos BRICs desempenham um papel importante no mercado global. Todos são países grandes com capacidade de ensino superior considerável. A China alcançado feitos maiores e os outros três apresentam potencial considerável e alguns sucessos importantes. Todos, exceto a Rússia, têm expandido rapidamente os sistemas de ensino superior e enfrentam o desafio de atenderem a uma proporção maior de seus jovens.
 
Mesmo assim, de fato, há pouco em comum entre eles. A verdade é que esses países emergiram de passados substancialmente diferentes tanto nas áreas políticas, como sociais e econômicas e enfrentam realidades atuais bastante diferentes. Não está evidente de que seus desafios sejam de algum modo substancialmente comuns. Por certo, é possível que ao agruparmos esses países, prestemos um mal serviço a cada um deles, prevendo realidades comuns que não são verdadeiras, tão pouco úteis para solucionar os desafios diferentes e genuínos enfrentados por cada um.   Até agora, cada um desses países tem buscado em diferentes direções os insights e está desenvolvendo diferentes respostas para seus desafios atuais — com um traço comum que, talvez com a exceção do Brasil, todos têm buscado os principais sistemas acadêmicos que fazem uso do idioma inglês.  
 
Questionamos então, a utilidade e validade de falarmos sobre os BRICs quanto a compreendermos as realidades comparativas do ensino superior global. O conceito esclarece a experiência do ensino superior de outras economias emergentes? Na verdade não. Oferecem quaisquer insights coletivos diferenciados do que pode ser aprendido nos contextos de outro país? Mais uma vez, não. O Chile, México, Coreia, Nigéria, Polônia são todos países de históricos importantes de reforma do ensino superior e que oferecem contextos comparativos uteis para compreendermos o que tem sido feito e o que pode funcionar para os outros.
 
Questionamos se este enfoque dado aos BRICs dá crédito a experiência de um bloco que não tem a sustentação da realidade individual de cada país. Desta feita, defendemos aqui que talvez seja o momento de pararmos de falar sobre o bloco dos BRICs como se existisse algo substancialmente em comum entre eles. Será melhor começarmos a repensar as coisas no que tange as experiências partilhadas e diferentes abordagens dadas ao ensino superior que possam assim, expandir nossa mentalidade sobre o que é possível para o ensino superior para que possa servir as economias emergentes em desenvolvimento da melhor maneira possível.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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