27/01/2015

International Higher Education | 77

Cuidado com o que você deseja: a privatização pendente do ensino superior australiano

Anthony Welch
Professor de educação na Universidade de Sidney, Austrália. E-mail: Anthony.Welch@sydney.edu.au
Uma auditoria de gastos nacionais recentes do governo australiano, solicitada pelo novo governo federal em antecipação ao orçamento de meados de maio, abriu uma caixa de pandora de propostas – sobretudo sobre o ensino superior. Agora que o orçamento federal foi declarado, fica claro o quanto tais ideias entram em acordância com os próprios pontos de vistas relevantes do ministro. Embora nem todas as ideias tenham sido seguidas, pelo menos três merecem atenção: financiamento do ensino superior, privatização e regulamentação.
 
O Ministro Pyne em discurso recente em Londres expressou seu assombro com o fato de que poucas universidades australianas estivessem no ranking das principais 50 em todo mundo, sendo esta uma das razões para apoiar uma reorganização no ensino superior. Esta é o tipo de declaração que esperamos de ministros de educação em qualquer lugar – o Primeiro Ministro da Malásia entre muitos outros tem feito barulhos similares em anos recentes. Porém no caso de Pyne, a alusão ao Times Higher Education World Reputation Rankings / Classificações de Reputação Mundial do Ensino Superior do Times pode apenas ser explicada como a fala de um ministro que não está familiarizado com os detalhes de seu portfolio, ou como uma forma de demonstrar um ponto de vista político.  O Times Higher Education rankings, é claro, dá importância substancial a reputação, ao contrário da performance real. O mais confiável e sólido, o Shanghai Jiao Tong Academic Rankings of World Universities (ARWU) / Classificação Académica das Universidades Mundiais de Jiao Tong, Shanghai, demonstra que embora a Austrália não entre nas principais 50 do ranking mundial de universidades no ano de 2013, cinco universidades (Universidade Nacional Australiana, Melbourne, Universidade de Western Austrália, Queensland, e Sydney) estão todas listadas entre as 100 principais. Considerando o tamanho relativamente pequeno do sistema, que representa um resultado respeitável: O Canadá, de muitas formas comparável, porém substancialmente maior, tem apenas quatro universidades na classificação das top 100 do ARWU.
 
Uma Harvard australiana?
Tanto o ministro como o tesoureiro almejam classificações até melhores. Desta feita, o que seria necessário para que pelo menos uma das universidades australianas entre nos escalões superiores dessa ilustre lista? A Universidade de Harvard, por exemplo, sempre em primeiro lugar nos rankings mundiais, desfruta de um fundo de fundação que atingiu o valor de US$36 bilhões, antes da recente recessão e está por conseguinte no bom caminho para recuperação. Portanto, seria preciso os ativos totais combinados de dois dos mais ricos magnatas australianos da mineração (Gina Rinehardt, cerca de $18 bilhões) ou seis de seus magnatas dos casinos (James Packer, $6 bilhões), para uma universidade australiana competir nessa liga. Mas talvez a Austrália não deva ter tantas expectativas. Harvard, claro é excepcionalmente rica, mas outras principais instituições americanas não ficam atrás – o fundo de fundação de Yale está avaliado em US$22 bilhões e o de Princeton em US$17 bilhões. Na Austrália a campanha da Universidade de Sydney de 2013 que estabeleceu uma meta de AU$600 milhões foi a maior da Austrália, mas se compara com o da Universidade da Pensilvânia de US$4.3 bilhões, US$5 bilhões da Columbia e US$3.75 da Northwestern em metas. Assim, se a alegação do Ministro Pyne que expressa o desejo de várias universidades australianas estejam entre as principais 50 do mundo, deve-se acreditar que tenha recomendado um vasto aumento em financiamento federal para o ensino superior no orçamento recente. 
 
Outras fontes de financiamento
Infelizmente, vale exatamente o oposto – conforme proposto o desvio dos encargos passados ainda mais para os estudantes. A participação do governo de financiamento está prevista para diminuir em 20 por cento, enquanto os estudantes pagarão substancialmente mais em taxas. Isso não obstante o fato da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, OECD, sigla em inglês para Organization for Economic Cooperation and Development demonstrar dados de que o ensino superior australiano apresenta classificações inferiores relativas a outros países membros, em termos de suporte público para o ensino superior. Os estudantes australianos já suportam uma proporção mais alta desses custos de sua educação universitária que a maioria dos países da OECD, e as propostas atuais para remoção do limite sobre as taxas exacerbariam a situação. Pior ainda, o financiamento por estudante tem entrado em declínio já algum tempo, principalmente durante os anos Howard (1996–2006), quando os financiamentos diminuíram 4 por cento, em contraste com o aumento médio de 49 por cento da OECD. Os estudantes contribuem com 41 por cento dos custos de seus estudos; a comissão de auditoria propôs um aumento dessa proporção para 55 por cento. Além disso, o limiar de redução proposto para o pagamento dos empréstimos significaria que deveriam começar a pagar mais cedo e reduzir substancialmente seus rendimentos ao longo da vida – pois os ressarcimentos estariam indexados ao custo integral do empréstimo ao invés do índice de preços do consumidor.
 
A proposta para remoção dos limites das taxas tem demonstrado ser conflitante em pelo menos dois sentidos. Vice reitores das universidades de pesquisa do grupo top-tier das oito melhores universidades australianas (Go8), com muito a ganhar, têm tendencialmente apoiado a eliminação do limite atual das taxas, embora também perderão financiamento do governo – sendo estimado que suas faculdades de Artes e Ciências Sociais perderiam $10 milhões por ano, enquanto os fundos públicos para Engenharia, Ciências Ambientais, Comunicações e Ciências sofreriam um corte de AU$5,000 por estudante. Outros vice reitores com menos a ganhar e uma preocupação maior com a equidade, têm sido mais críticos – argumentando que se as taxas subirem, estudantes mais pobres serão dissuadidos de estudar, particularmente dos programas mais caros. Greg Craven, por exemplo, vice reitor da Australian Catholic University advertiu quanto o potencial de divisão: “você não vai querer ter um Rolls Royce e doze Commodores ultrapassados.“ A proposta também envolve os estudantes que são compreensivelmente resistentes a custos ainda mais elevados de suas formações universitárias, contrários a pelo menos as universidades do Go8. 
 
Financiamento pelo setor privado
Um segundo elemento importante da reforma veria o financiamento do governo aberto ao setor privado, uma grande mudança em um sistema que tem sido amplamente público. Em um momento quando, como parte de medidas de austeridade gerais, o governo atual propõe livrar-se de milhares de servidores públicos; isso pareceria estar em contradição com a retórica atual sobre a manutenção da qualidade. Em particular, uma grande expansão de provedores provavelmente superaria a capacidade da agencia nacional atual responsável pela regulamentação do setor – Agencia dos Padrões de Qualidade do Ensino Superior, (TEQSA), sigla em inglês para Tertiary Education Quality Standards Agency. Aqui, a história recente da Austrália de abertura do ensino vocacional e treinamento para prestadores privados é instrutiva. Nesse caso, autoridades reguladoras nacionais foram surpreendidas pelo grande aumento no número de prestadores – alguns dos quais genuínos e outros bem mais preocupados com a geração de renda que com o fornecimento de programas educacionais de qualidade, instalações ou docentes. Como resultado, as autoridades reguladoras em muitos estados não puderam manter a qualidade por todo o setor, com resultados finais calamitosos. Manchetes apareceram sobre prestadores clandestinos e de estudantes internacionais – particularmente da Índia, iludidos por agentes inescrupulosos. Quando a imprensa na Índia tomou conhecimento de tais incidentes, estórias sensacionais de estudantes indianos abandonados, ludibriados, ou atacados se espalharam rapidamente pelos jornais e outras mídias. O número de estudantes do subcontinente decaiu, e a reputação de todo o setor da educação sofreu. Os cortes prometidos de 50 por cento para o financiamento do TEQSA claramente não fazem sentido face a esse precedente e aumenta a perspectiva de resultados similares no ensino superior. 
 
Se nem todas as implicações envolvidas no alcance e no ritmo com os quais o novo governo federal deseja desregulamentar e privatizar o ensino superior, estiverem claras, há sinais preocupantes de que a ideologia derrotou a análise de políticas sóbrias. Se for o caso, existem riscos reais para o setor do ensino superior, incluindo danos a reputação que podem comprometer as matriculas no ensino superior internacional. Cuidado com o que você deseja.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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