19/08/2015

International Higher Education | 81

Crises e saudade: a nova oportunidade para ganhos de cérebros na América Latina?

Iván F. Pacheco
Consultor independente e professor visitante no Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College. Email: ivanfpacheco@gmail.com
Há uma pressão crescente nos países da América Latina para produzirem números elevados de talentos qualificados. Para atender a essa demanda, uma base sólida de professores com as qualificações para treinarem esses profissionais é imperativa. Entretanto, as competências de tais países para produzir, reter, ou atrair docentes de alto nível tem sido historicamente insuficientes. As universidades produzem um número insuficiente de detentores de diplomas de doutorado e tais programas realmente existem, mas são muitas vezes de qualidade inferior. Além disso, a fuga de cérebros permanece um problema. Mesmo assim, as coisas podem estar mudando: a superprodução de PhDs e deterioração das condições de trabalho, particularmente para os adjuntos em países industrializados poderá representar uma oportunidade para o mundo em desenvolvimento. 
 
Parece haver um excedente de PhDs em muitos campos em alguns países industrializados, e em alguns deles a deterioração da profissão acadêmica tem sido observada. A maioria do corpo docente nos Estados Unidos é composta de adjuntos, professores sem plano de carreiras ou eventuais. Recentemente, os PhDs graduados em muitos campos estão com dificuldades de encontrar boas oportunidades de trabalho que compense pelo tempo, esforço e dinheiro investido em seus estudos de doutorado ou até mesmo de encontrar trabalho. Para alguns, estes são sinais do surgimento da “proletarização acadêmica.”
 
A proletarização acadêmica não é única nos Estados Unidos. A Espanha é um excelente caso a ser explorado. Apesar das diferenças significativas por todas as regiões, os salários acadêmicos para os professores de carreira na Espanha são competitivos no contexto da união Europeia. Em contraste, a compensação para professores contratados com base em acordos por tempo determinado é geralmente muito baixo. Um estudo da Associação Catalã de Universidades Públicas (ACUP) demonstrou que na Catalunha, os salários mensais para professores sem plano de carreira e de tempo integral estão entre US$409 (para professores associados) a US$1,637 para pós docs. Esta situação, combinada com as dificuldades econômicas gerais que o país se depara, tem levado muitos professores de potencial a deixar o país em busca de um futuro melhor. Esta tendência tem sido ilustrada várias vezes no El País—um dos principais jornais espanhóis e outras médias.
 
Em contraste com o excedente de pessoas com diplomas de doutorado nos Estados Unidos, Espanha e outros países industrializados, a maioria dos países em desenvolvimento tem o problema oposto: o número de acadêmicos e cientistas com diplomas de doutorado é muito baixo comparado às necessidades do país; e o ritmo no qual os sistemas do ensino superior estão produzindo seus próprios profissionais detentores de diplomas de doutorado não é suficiente para preencher tais lacunas. O Brasil, um peso pesado na América Latina e o país com o maior números de doutorados e de estudantes em programas de doutorado na região tem uma falta de PhDs. Apesar de produzir 12,000 PhDs por ano, apresenta apenas 1.4 doutorados por 1,000 habitantes com idades entre 25 a 64 anos, comparados a 23 na Suíça, 8.4 nos Estados Unidos, ou a 6,5 no Canadá.
 
Sua crise, minha oportunidade?
Esta situação parece ser um caso perfeito para uma solução de suprimento / demanda. Há alguns países com um excedente de talentos altamente qualificados e outros países com grande demanda de tais talentos. Contudo, isso não é tão simples. A mobilidade acadêmica não é tão fluida como a mobilidade de mão de obra não qualificada e atrair talentos é desafiador.
 
Alguns países da América Latina criaram programas para atrair professores e pesquisadores. A Universidade Nacional Autônoma do Chile lançou o programa PAIR Programa Acadêmico Regular Internacional, que tem atraído aproximadamente cem professores espanhóis, além de acadêmicos britânicos, italianos, mexicanos e argentinos. O Equador é talvez o país com a estratégia mais agressiva para atrair talento na região. Como parte de um plano ambicioso para melhorar a educação no país, algumas universidades públicas equatorianas lançaram concursos internacionais objetivando a contratação de docentes altamente qualificados. (i.e., em nível de mestrado e doutorado combinados). Recentemente, a Universidad Nacional de Equador lançou um concurso internacional para atrair 500 professores de todas as áreas do conhecimento, a ser expandido para 5,000 nos próximos cinco anos. Embora o concurso estivesse aberto para todas as nacionalidades, o governo equatoriano focou seus esforços na Espanha, onde colocou convites de página cheia em publicações locais. Os salários oferecidos eram compatíveis quando comparados com aqueles pagos a docentes adjuntos na Espanha. Isso, e a crise econômica na Espanha, motivaram a candidatura de uns bons números de espanhóis e para os contratados a se mudarem para o Equador. Ter o espanhol como língua comum tem contribuído para o sucesso desta iniciativa.
 
Em contraste, a Venezuela sofre de uma intensa fuga de cérebros. A SciDev.Net relatou que a Universidad Central de Venezuela tinha perdido aproximadamente 700 professores entre 2011 e 2012, e a Universidad del Zulia não tem conseguido preencher 1,577 posições de vagas de ensino. As condições de vida e trabalho na Venezuela estão deteriorando, e a maioria daqueles que foram para o exterior para completar seus programas de treinamento avançado decidiram não retornar para o país. Pesquisadores, professores, e trabalhadores altamente qualificados têm imigrado para diferentes países nas Américas, Europa, e Oceania.
 
Saudade poderá não ser suficiente
Muitos países estão focando seus esforços para atrair de volta para casa, acadêmicos expatriados que deixaram o país para estudar no exterior e decidiram ficar. No final de 2013, a Colciencias, a agencia do governo colombiano para pesquisa e inovação, lançou o programa “Es Tiempo de Volver” (É Tempo de Voltar), um programa com o objetivo de atrair aproximadamente 200 pesquisadores da diáspora. Além de um salário relativamente bom — embora não competitivo com a remuneração comum dos países onde a maioria dos pesquisadores expatriados estava baseada — o programa ofereceu isenções fiscais, subsídio de mudança e bolsa de pesquisa. Em abril de 2014, foram submetidas 10,000 solicitações, 900 delas de detentores de diplomas de doutorado.
 
A Argentina, através de seu programa Raices, repatriou mais de 1000 cientistas desde sua criação em 2003. Além do componente de repatriação, o programa também inclui uma estratégia de networking, pela qual pesquisadores argentinos que não quiserem retornar para o país podem manter contato através de temporadas curtas de pesquisa ou através da direção de projetos de pesquisas — e dissertações do exterior.
 
O sucesso de tais iniciativas varia de país para país, mas, em geral, todos têm o mesmo ponto fraco: enfocam apenas seus compatriotas, deixando de fora candidatos em potencial de outros países que podem estar dispostos a imigrar em busca de oportunidades acadêmicas e econômicas melhores.
 
Conclusão
Os salários não são de forma alguma a única variável levada em consideração pelos professores quando na decisão de mudar para um país diferente, mas representam um fator importante. A existência de uma comunidade acadêmica sólida, infraestrutura para pesquisa e ensino e outros elementos também representam um peso em qualquer decisão de realocação. A grande produção de profissionais detentores de diplomas de doutorado nos países industrializados, junto com a baixa disponibilidade de trabalho para jovens professores de entrarem na academia em tais lugares, poderá representar uma vantagem para as nações com comunidades acadêmicas menos estabelecidas, que estão dispostas a atrair membros da diáspora, assim como talento internacional. A limitação dos esforços de recrutamento aos seus próprios compatriotas pode ser um erro para os países com baixos números de PhDs, pois há um estoque crescente de pesquisadores e professores altamente qualificados dispostos a cruzar as fronteiras em busca de uma oportunidade de trabalho razoavelmente boa.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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