06/11/2012

International Higher Education

Crise nas universidades holandesas de ciências aplicadas

Hans de Wit
Hans de Wit é professor de internacionalização do ensino superior da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã, Holanda, e diretor do Centro para a Internacionalização do Ensino Superior da Universidade Católica Sacro Cuore de Milão, Itália. E-mail: j.w.m.de.wit@hva.nl
As universidades de ciências aplicadas da Holanda estão enfrentando sérias críticas por parte da mídia e dos políticos por causa do seu desempenho. Em 2010, a Universidade de Ciências Aplicadas InHolland, uma das maiores universidades de ciências aplicadas, foi confrontada por escândalos envolvendo seus diplomas de bacharelado nas áreas de mídia e gestão do entretenimento – concedidos a estudantes que foram aprovados sem a devida qualificação com o objetivo de aumentar o número de formandos. Além disso, o conselho universitário foi criticado por suas declarações. Em 2011, a Stenden Hogeschool foi censurada por conceder diplomas de bacharelado nas suas quatro franquias acadêmicas internacionais, violando as regulamentações do ministério. No mesmo ano, a Windesheim Hogeschool foi criticada pela qualidade de seus diplomas de jornalismo. No final de 2011, a Hogeschool van Amsterdam foi confrontada por acusações envolvendo a qualidade dos diplomas de sua faculdade de economia e administração. Estes foram apenas alguns dos principais escândalos.
 
As questões principais são a qualidade dos diplomas – incluindo acusações de fraude, a alta proporção de desistência e o baixo número de formandos. A percepção negativa do atual desempenho das universidades holandesas de ciências aplicadas deve ser entendida no contexto da reforma no ensino superior holandês e das demandas da sociedade global do conhecimento.
 
Como outros países europeus – Áustria, Bélgica, Alemanha e os países da Escandinávia, entre outros –, a Holanda apresenta um sistema binário de ensino superior, composto por universidade de pesquisa e universidades de ciência aplicada. Em comparação com os demais países, na Holanda o setor das universidades de ciências aplicadas é maior em termos de número de estudantes e instituições, superando as 13 instituições de pesquisa. Dos 600 mil estudantes do sistema holandês de ensino superior, mais de 400 mil estudam em cerca de 40 universidades de ciências aplicadas.
 
Fusões e massificação
No decorrer das últimas duas décadas, as universidades de ciências aplicadas passaram por um processo de fusão no qual as 400 instituições foram reduzidas em 90%. O raciocínio por trás do processo de fusão teve como base o aumento no número de estudantes nesse setor em vez de uma expansão nas universidades de pesquisa, com o objetivo de manter a qualidade do ensino acadêmico e reduzir seus custos. O resultado tem sido o surgimento de grandes conglomerados, muitos deles abarcando mais de 30 mil estudantes.
 
No mesmo período, o número de estudantes dobrou. A área de economia e administração, considerada relativamente pequena 40 anos atrás, é responsável pelo maior crescimento (um terço do número total de estudantes), mas todas as áreas passaram por um aumento substancial.
 
As universidades de ciências aplicadas oferecem principalmente o ensino em nível de graduação, um curso de bacharelado com duração de quatro anos – conduzindo ao diploma de bacharel em administração de empresas, enfermagem etc. Difere dos cursos de bacharelado com duração de três anos oferecidos pelas universidades de pesquisa – que conduzem ao bacharelado em artes ou ao bacharelado em ciência. Embora as universidades de ciências aplicadas possam desenvolver programas de mestrado, precisam ter financiamento autônomo e não podem concorrer com os programas de mestrado subsidiados e de alta qualidade oferecidos pelas universidades de pesquisa; como resultado, são quase inexistentes.
 
Até os anos 90, a reputação das universidades de ciências aplicadas permaneceu bastante sólida. Elas produziam formandos com excelente treinamento profissional, garantido por uma equipe de ensino que era e ainda é principalmente recrutada a partir do próprio campo profissional. Em especial, nos setores nos quais não havia nem há equivalente nas universidades de pesquisa (artes, enfermagem, serviço social etc.), os cursos continuam a ter uma boa reputação nacional e até internacional.
 
Somado ao rápido aumento no número de estudantes, o processo de fusão é visto como principal motivo pelo qual o setor se encontra agora sob pressão. Estes são sem dúvida fatores relevantes, e o resultante aumento do corpo administrativo intermediário é um alvo fácil para críticas. Mas a falta de inovação no setor nos últimos 20 anos é, provavelmente, mais séria. A Grã-Bretanha transferiu o setor politécnico para novas universidades; e em países como Alemanha, Dinamarca e Noruega, as universidades de ciências aplicadas investiram em pesquisa aplicada, cursos de mestrado e até doutorado, bem como na melhoria do nível de sua equipe de ensino. Na Holanda, o processo de fusão e massificação absorveu toda a energia, deixando pouco espaço para a inovação. Somente 50% da equipe de ensino nas universidades holandesas de ciências aplicadas tem diploma de mestrado e menos de 3% têm doutorado. Trata-se de uma situação muito diferente daquela observada na Alemanha e na Escandinávia, onde a maior parte da equipe de ensino (ou toda ela) tem mestrado e o número de doutores varia entre 20% e 40%. Em 2001, decidiu-se pela criação de professorados (lectoren) nas universidades holandesas de ciências aplicadas, bem como pelo desenvolvimento da pesquisa aplicada. Entretanto, suas funções e seu número são relativamente pequenos, e tais profissionais se encontram demasiadamente isolados das atividades de ensino e aprendizado para serem eficazes.
 
A insuficiência da formação de bons profissionais
O campo profissional e a agência nacional de credenciamento pedem cada vez mais formandos que sejam não apenas bons profissionais, mas também dotados de maiores capacidades de análise e reflexão – em outras palavras, donos de mais habilidades acadêmicas de modo a serem capazes de operar na sociedade global do conhecimento. O currículo e a equipe de ensino não estão equipados para tanto. Ao mesmo tempo, a diversidade do contexto individual de cada estudante, incluindo o crescente número de alunos vindos da segunda geração de famílias imigrantes, está criando uma pressão adicional para os estudantes. A proporção de desistências e a duração prorrogada do estudo aumentaram nos últimos anos. Como resultado, as universidades de ciências aplicadas enfrentam duas pressões conflitantes por parte do governo: aumentar o número de formandos e melhorar sua qualidade. Além disso, os administradores dos cursos e a equipe de ensino se sentem pressionados pela liderança universitária, que busca o aumento na proporção de formandos, levando em consideração que o financiamento destinado às instituições decorre do número de alunos formados. A tensão entre as duas demandas resultou num número crescente de escândalos na mídia, queixando-se em particular do fato de que os programas de ensino teriam permitido que os estudantes se formassem sem a devida qualificação, com o mero objetivo de melhorar sua aparência em termos numéricos.
 
Tensão entre os números de formados no ensino superior e a qualidade do ensino
Por um lado, os administradores dos cursos e a equipe de ensino são pressionados a permitir que os estudantes sejam aprovados; por outro, são pressionados a dar mais atenção às competências acadêmicas para as quais não recebem treinamento. A liderança das universidades de ciências aplicadas e o governo também são pressionados a reagir aos incidentes noticiados. Metas foram estabelecidas para toda a equipe de ensino, que deve ser integralmente composta por mestres até 2016 – uma meta ambiciosa e quase impossível, dada a carência de tempo e recursos para torná-la realidade. Além disso, há planos em andamento para a inclusão de mais espaço no currículo para a pesquisa e a metodologia, mas isso exige tipos de habilidades diferentes daqueles que estão à disposição da equipe de ensino.
 
Comparadas às universidades de ciências aplicadas de outros países, que adotaram os requisitos do campo profissional com mais antecedência e de maneira mais gradual, as universidades holandesas de ciências aplicadas enfrentam um período difícil. A modernização do setor exige mais tempo e dinheiro do que aquilo que o governo se mostra disposto a investir no atual clima econômico. O perigo pode estar no fato de a distância em relação às universidades de pesquisa e às universidades de ciências aplicadas de outros países estar aumentando cada vez mais. A tendência pode trazer um impacto negativo para a reputação ainda respeitável de muitos dos programas de ensino holandeses. Os escândalos na mídia e as acusações de fraude na concessão de diplomas só pioram a situação; mas o setor não pode ignorar a séria questão da qualidade, que é difícil de solucionar – graças a anos de negligência na implementação das mudanças exigidas pela economia do conhecimento.