26/03/2014

International Higher Education

Condições de conflito e pós-conflito no ensino superior: Colômbia e Quênia

Iván F. Pacheco e Ane Turner Johnson
Iván F. Pacheco obteve recentemente seu doutorado em ensino superior pelo Boston College. E-mail: ivan.pacheco@bc.edu. Ane Turner Johnson é professora assistente de Liderança Educacional na Universidade Rowan, Nova Jersey. E-mail: johnsona@rowan.edu.
Qual foi o papel desempenhado pelas universidades durante um conflito armado e na situação posterior ao seu desfecho? Organizações internacionais como UNESCO e Banco Mundial reconheceram a importância do ensino superior para o desenvolvimento econômico para se alcançar a paz em países afetados por conflitos. Entretanto, o elo entre ensino superior e consolidação da paz foi pouco explorado.
 
Os casos de Colômbia e Quênia podem ilustrar um pouco a questão. Esses países têm muitas características em comum, além de importantes diferenças. Ambos têm dimensões médias, e um número próximo de habitantes (47 milhões de colombianos; 42 milhões de quenianos), e sofreram conflitos armados internos. Atualmente considerada um país de renda média, a Colômbia tem apresentado relativa estabilidade, ainda que seja uma democracia imperfeita (houve um episódio ditatorial entre 1953 e 1958). O Quênia, país de renda média-baixa, conquistou sua independência em relação aos britânicos em 1963 e vivenciou tumultos políticos - com tentativas de golpe, regimes presidenciais ditatoriais, e problemas eleitorais em 1992 e 1997. Em 2007-2008, o Quênia foi palco de outra campanha eleitoral caótica que resultou na morte de mais de 1.500 pessoas, além de 300 mil quenianos desabrigados. O risco de violência continua, e o Quênia ocupa a 22.a posição numa lista de 163 países mais vulneráveis ao conflito e à instabilidade.
 
Colômbia
O conflito armado teve início na Colômbia em 1964. A situação é considerada de baixa intensidade e afeta principalmente as áreas rurais do país. Diferentemente de outros conflitos armados, o sistema educacional colombiano não foi desmantelado como consequência do confronto. Mas o impacto do conflito no ensino superior é inegável e, embora a mídia dê algum destaque aos levantes, à infiltração e aos efeitos do conflito nas universidades, os esforços de muitas instituições do ensino superior e suas comunidades para consolidar a paz ou ajudar pessoas afetadas pelo conflito raramente chegam às manchetes.
 
As instituições colombianas do ensino superior contribuíram com a desmobilização de ex-combatentes. Algumas universidades públicas (Distrital, Pedagógica e del Valle) receberam como estudantes comuns grupos de guerrilheiros desmobilizados (cerca de 200 pessoas por grupo). Hoje, a maioria das universidades públicas e algumas universidades particulares têm cotas específicas para combatentes desmobilizados, pessoas obrigadas a deixar seus lares, e veteranos das forças armadas que foram condecorados ou feridos com gravidade em combate. Para aqueles que não têm as credenciais para serem aceitos nos programas de ensino superior, algumas instituições do ensino superior criaram programas informais de ensino para treiná-los em capacidades específicas, possibilitando assim que ganhem a vida trabalhando.
 
Sob os conceitos abrangentes do serviço e da extensão (contato), muitas universidades colombianas desenvolveram programas para beneficiar os desabrigados, os soldados desmobilizados ou as comunidades nas quais eles vivem. São comuns as clínicas universitárias oferecendo orientação e representação legal, apoio psicológico e outros serviços. Algumas universidades têm projetos envolvendo a recuperação da memória das vítimas, incluindo um programa de rádio (“La Palabra Tiene la Palabra”, da Universidad Santo Tomas), uma página da internet criada para honrar os líderes do processo de restituição de terras (http://www.estatierraesmia.co/) e uma fundação criada a partir da Universidad Sergio Arboleda, para dar visibilidade às vítimas.
 
Quênia
A violência das eleições presidenciais de 2007-2008 se manifestou principalmente em Nairóbi, no Vale do Rift, e nas regiões ocidental e costeira do país. Durante a crise recente, os serviços públicos foram interrompidos, e muitas universidades foram obrigadas a fechar as portas. Mas o impacto da violência eleitoral no ensino superior do Quênia foi virtualmente ignorado pela mídia e pela academia. Até o famoso Relatório Waki deixa de comentar a questão das universidades de maneira minimamente substancial. Entretanto, muitos administradores e membros do corpo docente de instituições públicas no Quênia tentaram aliviar o impacto da crise, no campus e nas comunidades vizinhas.
 
Nairóbi, o epicentro do conflito, abriga muitas instituições do ensino superior, além de duas grandes universidades públicas - a Universidade Kenyatta e a Universidade de Nairóbi. Nessas universidades, as atividades, processos e novas práticas ligadas à transformação do conflito ocorreram tanto durante o conflito quanto após o seu término. Em ambas as instituições foram feitas tentativas de vencer a divisão do conflito com workshops de resolução de conflitos, e também com a oferta de caridade ao pessoal do campus afetado pelo conflito. Na Kenyatta, o escritório de contato se tornou central para os esforços da caridade - oferecendo roupas e alimento para os estudantes e funcionários. Por fim, funcionários de ambas as universidades relataram ter havido uma mudança na sua forma de pensar o papel da universidade na sociedade, capitalizando a identidade partilhada daqueles que pertenciam à instituição por meio de sessões de orientação com estudantes e funcionários. Na Universidade de Nairóbi, os gestores descreveram tentativas de desacreditar nas sessões de orientação as campanhas de desinformação que incitavam à violência no campus, envolvendo líderes estudantis e organizações lideradas pelos estudantes. Além disso, as universidades tentaram conter temas voláteis que poderiam ter levado a episódios de violência no campus - como a insistência no pagamento das taxas de ensino durante a crise, que foi temporariamente suspensa.
 
Recentemente, a Universidade Kenyatta abriu uma franquia universitária no campo de refugiados de Dadaab, na província mais ao nordeste do Quênia, que abriga refugiados somalis e os desabrigados quenianos, trazendo esperança para muitos no campo. A franquia universitária traz programas de graduação e pós-graduação em Gestão de Projetos, Administração Pública, Finanças e Pedagogia até Dadaab, considerado o maior campo de refugiados do mundo. As pesquisas mostram consistentemente que um maior investimento no ensino reduz o potencial de conflito; portanto, quando os refugiados forem repatriados, trarão consigo o conhecimento e as habilidades para reconstruir uma sociedade mais pacífica. Como resultado do conflito e dos esforços da universidade para amenizar seu impacto, as instituições no Quênia começaram a reconhecer o papel que devem desempenhar na consolidação da paz e, subsequentemente, no desenvolvimento.
 
Conclusão
O conflito armado afetou o ensino superior em ambos os países - no caso do Quênia, ao ponto de produzir o fechamento temporário de algumas universidades. Entretanto, o impacto do conflito no ensino superior e, principalmente, a potencial contribuição do ensino superior para a consolidação da paz foram, em geral, ignorados.
 
Um importante ponto em comum entre os dois países é o fato de os esforços de transformação do conflito terem começado durante o estágio dos combates; as universidades não esperaram o fim do conflito, nem a assinatura de uma trégua ou acordo de paz, para dar início aos esforços de consolidação da paz. Os esforços de consolidação da paz assumiram muitas formas: de atividades de caridade organizadas como formas de contato para a comunidade universitária, até contribuições com o desenvolvimento social e econômico; dos workshops de resolução de conflitos até a redução do desemprego por meio do ensino superior informal; da contribuição com a desmobilização dos combatentes até a oferta de ensino superior nos campos de refugiados.
 
Enquanto papel desempenhado pelo ensino superior, a consolidação da paz deve ser mais do que uma reação ao conflito; esta deve estar entre os propósitos do ensino superior nos estados mais frágeis. Oferecer oportunidades para que as universidades desempenhem um papel na consolidação da paz e financiar as atividades universitárias com o objetivo de reduzir os conflitos podem contribuir com um novo discursos de respostas sustentáveis à violência.