28/08/2012

International Higher Education

Complexidades da troca de cérebros no século 21

Philip G. Altbach
Professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education (CIHE) do Boston College. E-mail: altbach@bc.edu
Philip G. Altbach
Supõe-se que as economias emergentes dos países conhecidos como BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) vão atrair tanto alunos locais que procuravam o exterior para prosseguir no estudo após a obtenção do diploma quanto os alunos já formados que se instalaram no Ocidente – por causa do seu dramático crescimento econômico e a expansão do seu sistema de ensino superior.
 
O problema é que os dados parecem mostrar um quadro diferente. A fuga de cérebros, substituída agora pelo eufemismo troca de cérebros, continua ocorrendo com força total. Uma pesquisa realizada por Dongbin Kim, Charles A. S. Bankart e Laura Isdell (“Doutorados internacionais: análise de tendência envolvendo a decisão de permanecer nos EUA”, publicada na Higher Education 62, agosto de 2011) mostra que a grande maioria dos alunos internacionais que receberam títulos de doutor emitidos por universidades americanas permaneceram nos Estados Unidos depois da conclusão do trabalho.
 
Ainda mais surpreendente, a proporção daqueles que decidem permanecer nos EUA aumentou nas últimas três décadas, independentemente do crescimento e da expansão acadêmica, ao que parece. Há fortes indícios de que estaríamos vivendo numa era de mobilidade global generalizada entre os profissionais mais talentosos, principalmente no universo acadêmico, mas essa mobilidade ocorre principalmente num sentido – das economias emergentes e em desenvolvimento para os países mais ricos, em especial os de língua inglesa.
 
Já se escreveu muito a respeito da suposta obsolescência do termo fuga de cérebros. Diz-se que a globalização traz a reboque uma força de trabalho altamente qualificada e dotada de mobilidade global – criando uma espécie de troca de cérebros entre os países. Mas os dados aqui reunidos mostram que a mobilidade, apesar de considerável, funciona num único sentido, levando pessoas das economias emergentes e em desenvolvimento para os países mais ricos. É cada vez mais intenso o fluxo de ideias e capitais de volta aos seus países de origem, mas não se pode escapar ao fato de que a grande contribuição econômica e social é feita no país em que a pessoa está. Em boa medida, as realidades da globalização permanecem altamente desiguais. Embora, talvez, a fuga de cérebros não seja mais permanente, os cérebros continuam a ser atraídos para fora, com a possibilidade (às vezes pequena) de voltar às suas origens.
 
Quem vai e quem fica?
Os países de expansão mais impressionante na economia e no ensino parecem ser aqueles que apresentam a maior proporção de pessoas que “permanecem”, de acordo com o Survey of Earned Doctorates (SED) da National Academy of Science, que acompanha todos os alunos internacionais de doutorado que estudam nos Estados Unidos. Durante os anos 80, por exemplo, 25,9% dos alunos chineses de doutorado voltavam ao seu país imediatamente após obter o diploma. Na década de 2000, a proporção dos que retornavam tinha caído para 7,4%. No caso da Índia, os números também são baixos: 13,1% retornavam nos anos 80, e 10,3% na década de 2000. Ainda assim, a proporção dos que retornam varia bastante, sendo de 84% entre os tailandeses, 60% para os mexicanos e brasileiros, e 39,5% para os africanos. A proporção de retorno entre os europeus foi surpreendente, passando de 36,9% para 25,7% em 30 anos.
 
Há também outras variáveis. As mulheres apresentam uma chance ligeiramente mais alta de permanecer nos EUA do que os homens. Os alunos internacionais que receberam o diploma de graduação nos EUA também apresentam maior probabilidade de permanecer no país, bem como os alunos vindos de famílias nas quais o nível de escolaridade é alto. A área de estudo também parece influenciar, sendo maior a probabilidade de retorno entre os alunos de Agronomia (54,2%), Pedagogia (48,5%) e Ciências Sociais (44,1%), e menor entre os alunos de Biologia (19,3%), Ciências Físicas (21,8%) e Administração (31,9%).
 
Os dados do SED apresentam limitações. Normalmente, os alunos completam um questionário que envolve questões a respeito do seu passado, sua experiência de ensino e seus planos, fornecido pela National Science Foundation e aplicado pelos programas de pós-graduação de todo o país, quando entregam sua dissertação de doutorado aprovada. Alguns dos participantes podem não ter tanta clareza quanto aos próprios planos. Além disso, os planos informados ao SED podem não dar certo. É possível, por exemplo, que um aluno obtenha um pós-doutorado e só volte ao próprio país depois disso, por vários motivos. Outros, no difícil mercado de trabalho acadêmico, podem buscar sem sucesso uma posição. Como o SED mede apenas a conclusão dos doutorados, é grande a probabilidade de este grupo se encaminhar para empregos acadêmicos – nada sabemos a respeito da proporção de retorno entre os donos de MBAs ou aqueles que obtêm diplomas de bacharelado e mestrado. Apesar de suas limitações, o SED é a ferramenta mais precisa de que dispomos.
 
As estatísticas de ensino no exterior citadas aqui correspondem apenas aos EUA, mas é muito provável que o mesmo padrão geral de mobilidade seja encontrado em outros países anfitriões e, especialmente, nos grandes países de língua inglesa e nos maiores países europeus. Variações decorrentes de políticas de imigração, das particularidades dos mercados locais de trabalho, da relativa abertura do sistema acadêmico e da economia, do idioma e de outros fatores sem dúvida afetam a proporção daqueles que decidem ficar.
 
Padrões e políticas
Alguns sistemas acadêmicos e econômicos foram muito beneficiados pelos padrões aqui destacados. Estima-se, por exemplo, que um quarto das empresas iniciantes de alta tecnologia do Vale do Silício tenham sido fundadas por imigrantes, muitos dos quais receberam seu ensino avançado nos EUA. As universidades americanas, instituições mais prestigiadas ou community colleges, apresentam um grande número de estudiosos e cientistas imigrantes em seu corpo docente, e um número cada vez maior deles chega a posições de liderança nessas instituições.
 
Por que os donos de diplomas internacionais de doutorado, contabilizados pelo SED, optam pela permanência nos EUA? Embora cada caso seja uma história individual, os motivos gerais não são difíceis de identificar. Apesar de todos os problemas atuais das universidades e faculdades americanas, os termos e as condições do trabalho acadêmico – incluindo os salários – são bastante bons pelos padrões internacionais. Tendo estudado nos EUA, os estrangeiros donos de diplomas adquirem familiaridade com o sistema e muitas vezes podem recorrer a orientadores que os ajudam a encontrar espaço no mercado de trabalho local. Embora alguns países, como a China, ofereçam incentivos para que os acadêmicos mais talentosos voltem para casa, tais programas são pouco abrangentes e atendem apenas à elite. Para muitos, voltar para casa e trabalhar em instituições acadêmicas que podem ter uma hierarquia rígida – e às vezes são mal equipadas – não é uma perspectiva atraente.
 
Nas economias emergentes, os salários acadêmicos são baixos e é comum precisar de outros empregos para manter um estilo de vida de classe média. Até nas melhores universidades da China, que receberam expressivas injeções de recursos e construíram campi impressionantes, a cultura acadêmica costuma ser problemática para os pós-graduados familiarizados com as instituições relativamente abertas e meritocráticas dos EUA e de outros sistemas acadêmicos mais bem estabelecidos. Embora as condições de trabalho e os salários sejam melhores nos setores emergentes da alta tecnologia e da administração das economias em desenvolvimento, os problemas ainda persistem. Os esforços empreendidos por países como China e Índia no sentido de atrair seus pós-graduados de volta para casa têm se mostrado malsucedidos. Alguns países europeus, como a Alemanha, também buscaram ativamente atrair de volta seus Ph.D.s e pós-doutorandos, obtendo apenas um sucesso moderado.
 
As políticas de imigração dos países ricos também desempenham um papel central nesse quadro. Apesar do sucesso dos EUA na retenção de seus alunos internacionais de doutorado, a política americana de imigração não tinha até pouco tempo atrás o objetivo de facilitar a entrada das pessoas mais qualificadas. Mesmo agora a ênfase principal é colocada na promoção da união familiar, no aumento da diversidade da população imigrante e em outros fatores. Resta saber se a pressão da comunidade da alta tecnologia, e de outros setores, vai surtir efeito e abrir oportunidades aos altamente qualificados. Outros países, como Canadá e Austrália, projetaram conscientemente sua política de imigração de modo a favorecer os grupos de escolaridade mais elevada, facilitando a permanência dos formandos para que construam carreiras no país. Os países europeus também estão seguindo a tendência.
 
Conclusão

As estatísticas apresentadas aqui podem surpreender alguns observadores. Tais dados são provavelmente um resultado inevitável da globalização e da persistência de desigualdades no ensino superior, na riqueza e no desenvolvimento. É correto afirmar que os países anfitriões não se preocupam com tais desequilíbrios e, na verdade, a maioria deles busca reforçar as próprias vantagens por meio de ajustes nas políticas acadêmicas e de distribuição de bolsas, bem como nas regras de imigração. Se a proporção de permanência for um indicador da persistência das desigualdades no sistema global de conhecimento e no ensino superior, a superação do problema exigirá um melhor equilíbrio, para o qual será necessário tempo, recursos e, em alguns casos, mudanças nas estruturas e práticas acadêmicas. Embora fale-se muito no “nivelamento do jogo” decorrente da globalização, a realidade mostra um quadro bem diferente.