26/03/2014

International Higher Education

Colaboração acadêmica com universidades africanas

Ad Boeren
Ad Boeren é Diretor Sênior de Políticas Públicas de Nuffic, Holanda. E-mail: aboeren@nuffic.nl
Ao longo dos anos, a colaboração entre instituições acadêmicas do Norte global e instituições africanas foi caracterizada por um processo evolucionário da simples construção de capacidade até a parceria igualitária, do compromisso social para a equiparação de interesses, e das necessidades específicas para as estratégias globais. Uma breve análise deste processo diante do contexto das mudanças globais e desafios do ensino superior oferece um entendimento melhor das oportunidades e limitações atuais.
 
Primeiros anos
Pouco depois da 2.a Guerra Mundial, quando a maioria dos países africanos alcançou a independência, o apoio do norte foi oferecido para o treinamento de mão de obra qualificada. Bolsas de estudos foram oferecidas a estudantes africanos interessados em cursos no norte, com a expectativa de, ao retornarem, os formandos poderem contribuir com o desenvolvimento de seus respectivos países. As jovens universidades na África receberam assistência na construção de instalações, no desenvolvimento de currículos e no treinamento de funcionários.
 
Nesses primeiros anos, um compromisso com a construção do setor do ensino superior nos países em desenvolvimento foi cultivado nas universidades do norte, como parte de sua missão institucional. Quando não usavam seus próprios recursos, elas financiavam colaborações por meio de fundos de cooperação e desenvolvimento que os governos dos países do norte tornaram disponíveis. Muitos governos dos países do norte criaram bolsas de estudos e programas de cooperação no ensino superior e em pesquisa, que tinham o objetivo de reforçar a capacidade nos países em desenvolvimento.
 
Mudanças
Desde esses primeiros momentos, o mundo (do ensino superior) mudou substancialmente. O acesso ao ensino superior se expandiu muito - no norte e também na África - enquanto o financiamento não aumentou à mesma razão. No final dos anos 1970, o setor do ensino superior na África Subsaariana foi afetado por cortes orçamentários decorrentes de crises econômicas e pela redução paralela dos recursos de doadores ao ensino superior. A partir dos anos 1990, liderada pela UNESCO e o Banco Mundial, a comunidade de doadores decidiu manter o foco no ensino básico para o desenvolvimento da capacidade humana, pois imaginou-se que os investimentos em ensino básico proporcionariam um retorno econômico mais expressivo que o investimento no ensino superior. Alcançar o ensino primário universal foi declarada uma das Metas de Desenvolvimento das Nações Unidas para o Milênio em 2000. Gradualmente, o Banco Mundial voltou a se interessar pelo ensino superior, mas em menor grau do que antes.
 
Durante o mesmo período, outras mudanças ocorreram no norte, afetando a colaboração com as universidades africanas. Em muitos países do norte, os governos decidiram alterar a fórmula de financiamento do ensino superior dos canais internos para os externos. Assim, as instituições do ensino superior foram incentivadas a buscar recursos adicionais por meio de práticas do marketing e de parcerias entre o setor público e o privado. A internacionalização do ensino superior se tornou um novo ponto de foco para muitas instituições na Europa e em outras partes do mundo. Instituições, currículos, estudantes e funcionários tiveram de se tornar internacionais para melhorar a qualidade do ensino e estimular a mobilidade internacional. Na Europa, o processo de Bolonha foi iniciado em 1999 para criar uma área de ensino superior que abrangesse todo o continente.
 
Tais mudanças nas políticas de ensino e no seu financiamento obrigaram as instituições acadêmicas do norte a repensar suas prioridades e estratégias em relação à cooperação internacional. Elas tiveram que se tornar mais seletivas na manutenção de áreas de excelência e e na busca por colaborações com diferentes parceiros. Considerava-se mais vantajoso colaborar com instituições acadêmicas de prestígio e parceiros de países mais ricos (os BRICs - Brasil, Rússia, Índia e China) do que com colegas de baixa reputação vindos de países pobres.
 
Ao mesmo tempo, os doadores interessados no desenvolvimento definiram melhor os objetivos principais dos programas de cooperação em ensino superior financiados por eles. O dinheiro oriundo da cooperação para o desenvolvimento deveria ser totalmente destinado às necessidades dos países em desenvolvimento, não mais “cofinanciando instituições do ensino superior no norte”.
 
Esta mudança nas políticas de doação diminuiu as oportunidades para que as instituições do norte usassem recursos de projetos de colaboração para avançar seus próprios interesses acadêmicos. Como consequência das pressões de financiamento, das prioridades de internacionalização e das mudanças entre os doadores, sua motivação para envolver-se em colaborações com instituições na África diminuiu. Isto é uma infelicidade por dois motivos: depois de décadas de cooperação e apoio, um número considerável de universidades africanas se tornaram instituições melhores e mas fortes. Em primeiro lugar, talvez elas ainda não figurem entre as primeiras posições das classificações globais, mas essas universidades podem ser parceiras estratégicas nas redes globais do conhecimento que estão se formando. Em segundo, um número de países africanos estão apresentando impressionantes estatísticas de crescimento econômico, e serão os parceiros econômicos de amanhã, como ocorreu com os países dos BRICs. Por motivos econômicos e acadêmicos, seria lógico dedicar a devida atenção às instituições africanas.
 
Novas direções
Entretanto, certas condições precisam ser satisfeitas para que as instituições do norte (especialmente as do norte da Europa) possam se envolver em parcerias e colaborações com instituições africanas:
 
                * As instituições do norte devem ampliar seus horizontes estratégicos, abandonando a perspectiva egocêntrica, de curto prazo e voltada para o lucro em favor de uma perspectiva global de longo prazo. Elas precisam estar cientes do fato de que o mundo está se transformando rapidamente, e o mesmo vale para as oportunidades. Problemas e questões de pesquisa estão se tornando cada vez mais globais e, da mesma maneira, as soluções precisam ser desenvolvidas em escala global com a colaboração de parceiros locais.
                * As instituições africanas devem mostrar mais autoconfiança e defender as propostas de parceria autêntica. Embora elas talvez não possam contribuir no mesmo nível nos estágios iniciais da colaboração, sua contribuição possível não deixa de ser valiosíssima. Com o tempo, a balança vai se equilibrar e, possivelmente, pender para o outro lado.
                * Benefícios mútuos formam o melhor alicerce para o estabelecimento de colaborações sustentáveis. Isto pode ser conseguido com base na análise e na negociação, no planejamento adequado, nas trocas recíprocas e no respeito mútuo. O retorno proporcionado por tais parcerias é incerto e só se revela no longo prazo; é menor a disponibilidade de recursos da cooperação pelo desenvolvimento para a formação de colaborações de longo prazo. As instituições devem estar preparadas para investir em parcerias, não apenas naquelas de retorno de baixo risco, mas também naquelas de risco maior, envolvendo parceiros de classificação mais baixa.
                * Os governos do norte devem buscar mais coerência entre os diferentes setores de suas políticas, especialmente naquilo que envolve o ensino, a cooperação pelo desenvolvimento e as questões econômicas e estrangeiras. A colaboração internacional no ensino superior e na pesquisa toca todas essas esferas, e as instituições acadêmicas seriam muito beneficiadas se tais políticas fossem coerentes e complementares. Com a Alemanha sendo uma das poucas notáveis exceções, as políticas dos ministérios nacionais dos países do norte são incoerentes e pouco favoráveis ao envolvimento em parcerias internacionais e colaborações acadêmicas de longo prazo.
                * Os programas de cooperação para o desenvolvimento que financiam as colaborações desse tipo devem abrir certa margem para que as instituições identifiquem e formulem colaborações com parceiros cuja contribuição vá além das metas ministeriais, satisfazendo também sua missão e estratégia. Isto supõe um equilíbrio entre diferentes interesses por parte dos envolvidos.
 
A colaboração com instituições africanas deveria ser do interesse estratégico das instituições acadêmicas do norte, mas isso exige uma visão clara por parte dos líderes institucionais e uma estrutura de políticas coerentes que estimule e apoie tais esforços.