28/08/2012

International Higher Education

Chile: melhorias na acessibilidade e qualidade para deter a instabilidade social

Ernesto Schiefelbein
Schiefelbein é bolsista pesquisador da Universidad Autonoma de Chile. E-mail: pschiefe@gmail.com
Em 2011, a extrema desigualdade de renda e de oportunidade no ensino levou a protestos de rua no Chile e a repercussões em vários países da América Latina. Agora, os chilenos querem pôr fim à instabilidade social para evitar o impacto negativo no notável ritmo de crescimento do PIB per capita do país (4% ao ano em 2000-2011) e no andamento da luta pela redução da pobreza (que passou de 38% da população em 1990 para 15% em 2009). No início de 2012, pesquisas de opinião mostraram que a maioria era favorável à criação de estratégias para a redução da desigualdade social e das lacunas no ensino. Felizmente, o estímulo para que os estudantes leiam, ainda que um pouco, durante o tempo livre – a fim de prepará-los para um envolvimento mais aprofundado em sala de aula – reduziu lacunas de aprendizado e aumentou a taxa de aprovação em programas-piloto. Se os resultados forem confirmados num futuro experimento de grandes proporções, a estratégia pode ajudar a conter novos protestos e proporcionar um modelo que poderá ser seguido por numerosos países da América Latina que enfrentam problemas semelhantes.
 
Manifestações estudantis de 2011 até o presente
Em maio de 2011, os universitários chilenos foram às ruas para exigir reformas no sistema de ensino. Pediram um programa justo de empréstimos estudantis e acesso universal ao ensino de qualidade. Em dezembro, quando o ano escolar chegou ao fim, não se viu nenhum sinal de acomodação no mais grave confronto com estudantes visto nas últimas duas décadas na América Latina.
 
Os 40% mais bem colocados de cada faixa etária têm agora acesso ao ensino superior. Por mais que se trate de uma conquista impressionante, a maioria desses estudantes pertence à metade mais abastada da distribuição socioeconômica (lares cuja renda média supera os US$ 20 mil). Entretanto, dois terços dessas famílias enfrentam dificuldades para financiar o custo anual do ensino superior (que vai de US$ 5 mil a US$ 10 mil por aluno). O financiamento do ensino superior é particularmente difícil para famílias de classe média com mais de um filho, porque não têm acesso a empréstimos estudantis adequados às suas possibilidades.
 
O dinheiro é necessário para pagar pelo ensino adicional após a conclusão do ensino médio, mas conhecimentos e habilidades prévios que possibilitam o aprendizado de novo conteúdo também são exigidos na admissão no ensino superior. Ser um aluno aplicado nas instituições públicas do ensino médio não garante o acesso ao ensino superior. Como exemplo, o aluno mais bem colocado de uma escola pública de ensino médio, com nota média de 9.5, obteve 423 pontos no Exame de Seleção Universitária de 2011 – abaixo da nota mínima de 450 pontos necessária para se matricular numa universidade. Os alunos formados nas escolas públicas do ensino médio costumam carecer da capacidade de aprender o conteúdo de nível universitário. Não atingiram o nível necessário de desenvolvimento intelectual, e cursos complementares não conseguem remediar a lacuna. Esses alunos exigem um ensino mais individualizado; mas esse ensino não pode ser oferecido, levando-se em consideração o grande número de alunos por sala e a falta de experiência do corpo docente com a pedagogia cooperativa e interativa. Assim, um de cada três estudantes matriculados no ensino superior consegue formar-se no Chile.
 
Eliminando a lacuna
A necessidade de cursos complementares na universidade não é incomum, mas, nos Estados Unidos, os alunos podem participar de cursos complementares que não contam como créditos na obtenção de um diploma – eles apenas retardam a obtenção do diploma. Um estudo recente revelou que apenas um terço dos estudantes americanos sai do ensino médio academicamente preparado para a universidade (entre os estudantes hispânicos a proporção é de um sexto). Alguns estudos afirmam que até 40% dos estudantes universitários participam de pelo menos um curso complementar.
 
Entretanto, na América Latina e em outros países em desenvolvimento, o estudo universitário envolve a busca por diplomas profissionais – em áreas como Direito, Medicina, Arquitetura e Engenharia – sem espaço no cronograma dos cursos para estudos de formação geral nem para trabalhos de recuperação. Levando-se em consideração que todos os estudantes seguem o mesmo programa rígido de diplomas, os cursos complementares não se encaixam na estrutura de cursos a não ser que todo o primeiro semestre seja dedicado a atividades desse tipo.
 
Felizmente, o auxílio sistemático tem sido eficaz no sentido de ajudar os estudantes a se preparar para um envolvimento cada vez mais profundo em cada aula. Esse é o objetivo da inovação sendo atualmente introduzida no primeiro semestre da Universidad Autonoma de Chile. Os componentes essenciais são: (1) um sumário e uma exposição claros dos temas que serão abordados em cada aula, distribuído durante (ou antes) da primeira aula; (2) textos específicos solicitados para cada aula (começando com menos de mil palavras no primeiro semestre, dado que os estudantes ainda não estão acostumados com uma carga de leitura mais pesada entre as aulas), abordando os conhecimentos básicos (definições, conceitos e dados elementares) antecipadamente de modo a proporcionar o aproveitamento máximo de cada aula; (3) começar cada aula fazendo uma questão oral factual (literal) a um aluno (escolhido aleatoriamente) e dar uma nota à resposta dada (como forma de criar o hábito de ler antecipadamente os textos indicados para cada aula); (4) pedir aos estudantes (imediatamente após a pergunta oral) que tirem suas dúvidas (a respeito daquilo que leram antes da aula) ou que leiam um trecho que não tenham compreendido (as perguntas deles costumam abrir espaço para debates interessantes); (5) usar o restante do tempo da aula para transmitir o conteúdo da maneira que o professor preferir; e (6) proporcionar as referências habituais para as leituras complementares após a aula.
 
Ainda que os estudantes não saibam a resposta exata (à pergunta oral), conseguindo, no entanto, demonstrar que leram o material indicado, eles recebem 60% da nota por responderem à pergunta. As aulas piloto mostraram que, quando os estudantes sabem exatamente como e o que estudar, torna-se mais fácil para eles a revisão do material de maneira produtiva. Eles logo decidem quais são as áreas que exigem mais de sua concentração (vocabulário ou significado, por exemplo). Esse tipo de liberdade fomenta a autonomia entre os estudantes e lhes confere a responsabilidade pelo próprio aprendizado.
 
Os membros do corpo docente que participaram das experiências piloto relataram uma participação cada vez maior em sala de aula, e os estudantes que responderam a uma pesquisa de opinião disseram que a leitura antecipada melhorou o seu aprendizado. Portanto, foi decidido que a implementação do modelo em larga escala teria início em março de 2012. O currículo e o material dos 156 cursos (oferecidos em 26 programas do primeiro semestre) já estavam disponíveis no site da universidade a partir de janeiro de 2012 para os estudantes matriculados. Deans, diretores de departamento e professores participaram de três seminários práticos. Espera-se que a inovação possa reduzir drasticamente o número de palestras tradicionais, abrindo caminho para novas experiências de aprendizado.
 
Para limitar a confusão, somente um pequeno número de mudanças fundamentais será implementado a cada semestre. Estudantes escolhidos entre os recém-chegados do primeiro ano farão relatos diários (durante as primeiras três semanas) a respeito do início das aulas (questão oral e nota para a resposta). Posteriormente, os diretores de departamento vão conversar com os professores que se esquecerem de implementar uma mudança tão importante como essa. A inovação será implementada nos semestres subsequentes, com uma sequência similar.
 
O impacto da estratégia seria cuidadosamente avaliado no fim de junho de 2012. Espera-se que o restante das universidades chilenas se aproveite das vantagens caso a estratégia mostre-se bem-sucedida. Em toda a América Latina, a proporção de abandono entre os alunos universitários do primeiro ano tem média de 50%. Estima-se que aproximadamente um terço dos 10 milhões de universitários latino-americanos de desempenho insuficiente (que carecem dos conhecimentos e habilidades necessários) poderia ser beneficiado por esse tratamento de baixo custo, podendo então seguir avançando em suas carreiras acadêmicas.