25/04/2012

International Higher Education

Ampliando a participação no ensino superior em Gana e Tanzânia

Louise Morley
Professora do Centre for Higher Education and Equity Research, Universidade de Sussex, Grã-Bretanha. E-mail: L.Morley@sussex.ac.uk
Para uma análise adicional, ver www.sussex.ac.uk/education/cheer/wphegt
International Higher EducationUma interrogação que surge hoje em dia envolve o resultado das políticas para a ampliação da participação no ensino superior na África Subsaariana. Foi uma das principais perguntas abordadas pelo projeto de pesquisa Ampliando a participação no ensino superior em Gana e Tanzânia: Desenvolvendo um placar de igualdade. Equipes de pesquisa – das universidades de Sussex, Grã-Bretanha; da Costa do Cabo, em Gana; e de Dar Es Salaam, na Tanzânia – descobriram que as políticas estavam funcionando no sentido de aumentar o número total de estudantes que participam do ensino superior – principalmente entre as mulheres. Entretanto, descobriram que estudantes mais pobres e mais velhos ainda estavam ausentes em muitos dos programas investigados oferecidos por uma universidade pública e uma universidade particular tanto em Gana quanto na Tanzânia. As universidades incluídas no estudo tinham cotas especiais voltadas para estudantes de origem menos favorecida, mas elas não eram totalmente preenchidas ou faltava o acompanhamento do número de estudantes que teriam participado do programa e concluído os estudos. Os alunos que de fato conseguiram entrar na universidade partilharam informações úteis a respeito das experiências vividas.
 
Vozes estudantis
Um aspecto original do estudo continha duzentas entrevistas com estudantes que comentaram o próprio histórico e suas experiências no ensino fundamental, médio e superior, respondendo a perguntas sobre suas motivações, transições, o apoio recebido, as decisões tomadas e suas primeiras impressões do ensino superior, o impacto que este teve sobre eles, e seus planos para o futuro. Estudantes provenientes de diferentes contextos, incluindo grupos sub-representados – como as mulheres, as pessoas de mais idade, aquelas de baixo status socioeconômico e os estudantes portadores de deficiência – debateram a experiência de entrar para o ensino superior e participar dele. As preocupações financeiras permearam todo o estudo. Muitos estudantes – principalmente aqueles provenientes de contextos de precariedade socieconômica – relataram que sua participação dependia inteiramente de empréstimos e bolsas de estudo. Os estudantes de mais idade comentaram o estresse e o desgaste do trabalho remunerado concomitante com o ensino, tendo muitas vezes que arcar com responsabilidades familiares.
 
As evidências revelaram muitos indivíduos preocupados e comprometidos com o trabalho no ensino superior, em ambos os países africanos, e os estudantes demonstraram reconhecer o valor do apoio recebido por parte de professores, conselheiros e orientadores. Entretanto, um número significativo deles se queixou da baixa qualidade do ensino e da carência de recursos e instalações dedicados ao aprendizado, incluindo bibliotecas e estrutura de tecnologia da informação. Os estudantes portadores de deficiência eram particularmente afetados pelas instalações de baixo padrão de qualidade, às vezes inacessíveis. Muitos estudantes relataram problemas com turmas demasiadamente grandes, desejando um menor número de palestras de grande escala e mais atividades pedagógicas interativas e envolventes.
 
Um setor que atraiu muita atenção foi a avaliação. Além de ser o ponto focal de muitas alegrias e tristezas, muitos estudantes disseram ter a impressão de que o processo avaliativo em si era frequentemente precário, carecendo de mais transparência. Uma preocupação comum envolvia o fato de os professores aparentemente não terem de responder pela qualidade do seu trabalho, estando com frequência preparados para tomar decisões unilaterais, questionáveis e inconsistentes a respeito das notas e do currículo dos cursos.
 
Desigualdades de gênero
O potencial transformador e instrumental do ensino superior foi apontado por muitas estudantes – a conquista da independência financeira, da identidade profissional e de certo status. Entretanto, embora o número de mulheres esteja aumentando na graduação, havia questões envolvendo as desigualdades de gênero e a discriminação que muitas mulheres vivenciaram depois de terem sido admitidas no ensino superior. O assédio sexual foi debatido por estudantes e funcionárias em ambos os países, principalmente em relação aos casos em que professores teriam pressionado alunas a manter relações sexuais em troca de uma avaliação positiva. Isso levou a dificuldades extremas para o bem-estar físico e mental das estudantes e as dissuadiu de buscar a orientação de professores, levando-as também a manter discrição na sala de aula com o intuito de não serem notadas.
 
As estudantes também relataram pressões sofridas por parte de outros alunos, tanto social quanto sexualmente, sendo comum os homens se aproveitarem do trabalho das mulheres na cozinha, na lavagem das roupas etc. Isso perturbou as estudantes, distraindo-as de seus estudos, limitando suas escolhas com relação ao estilo de vida. A regra era ter um namorado, e as estudantes que não sucumbiam a essa pressão eram estigmatizadas e/ou marginalizadas.
 
Tornando-se alguém
Apesar de suas pertinentes preocupações a respeito da qualidade e dos perigos, os estudantes em geral acreditavam que o ensino superior tinha transformado seu potencial e sua identidade social. Para muitos, tratava-se de um meio de "tornar-se alguém na vida". Relataram que o fato de serem estudantes tinha melhorado sua eficiência pessoal e sua autoestima, e muitos queriam usar seu novo capital social e intelectual para o desenvolvimento econômico e social do próprio país. Outros queriam simplesmente a "boa vida" e uma rota de fuga da pobreza rural e urbana. As eventuais experiências negativas pareciam ter sido apagadas pela aspiração dos estudantes de serem bem-sucedidos na sociedade, acreditando que a formação universitária era a garantia de um estilo de vida confortável. Muitos queriam continuar estudando e cursar a pós-graduação.
 
Fazendo mais com menos
As entrevistas com duzentos funcionários e administradores com frequência sublinharam os desafios de capacitação e a forma com a qual as políticas de ampliação da participação tinham sido introduzidas, sem recursos adicionais. Eles falaram extensivamente a respeito do impacto da pobreza na participação dos estudantes e do papel crucial dos sistemas de financiamento no sentido de possibilitar aos estudantes mais pobres o acesso aos estudos e a conclusão do curso. Eles sugeriram que as políticas de Educação para Todos e as Metas de Desenvolvimento do Milênio tinham de apresentar uma integração maior nas suas políticas para o ensino superior; toda a ênfase dessas políticas foi baseada na ideia de incluir jovens em situação de maior precariedade social no ensino básico, e não no ensino superior.
 
Era palpável o orgulho decorrente do aumento no número de mulheres entre os estudantes, especialmente nos programas científicos. Muitos dos entrevistados disseram que isso poderia ser atribuído aos esforços de ação afirmativa, introduzidos e financiados por doadores internacionais. Entretanto, muitos notaram a ausência de dados eficazes e sistemas de gestão da informação que lhes permitissem monitorar e avaliar o acesso, a retenção e as conquistas de diferentes grupos de estudantes.
 
Mapeando as desigualdades
Uma característica específica do estudo envolveu a publicação das entrevistas junto com dados estatísticos. Uma centena de "placares de igualdade" (equity scorecards) foi compilada principalmente a partir de dados brutos envolvendo admissão/acesso, retenção, conclusão dos cursos e realizações alcançadas em quatro programas de estudos com relação a três estruturas de desigualdade: gênero, status socioeconômico e idade. Eles produziram um panorama geral nuançado dos efeitos combinados das diferenças de gênero, idade e status socioeconômico, revelando numerosos fatos que frequentemente contradiziam os relatos e narrativas. A maioria dos programas tinha poucos (ou nenhum) estudantes de baixo status socioeconômico. Os estudantes de baixo status socioeconômico que participavam dos cursos tendiam a estar matriculados em cursos de pouca valorização no mercado de trabalho. Entretanto, ao receber a oportunidade de entrar para o ensino superior, o número de alunos de baixo status socioeconômico que abandonava os cursos era menor, e seu desempenho era comparável ao de outros grupos, sendo às vezes superior. O grupo que apresentava o maior risco de abandono do curso era o dos alunos mais velhos. As mulheres, principalmente as mais velhas e as de baixo status socioeconômico, ainda eram pouco representadas nos programas de ciências, mas o número de mulheres matriculando-se em universidades privadas era maior do que nas universidades públicas.
 
Esse projeto de pesquisa ilustrou que ainda existe uma correlação tóxica entre pobreza e acesso ao ensino superior. Geografias desiguais do conhecimento e alguns padrões arcaicos de participação no ensino superior foram encontrados em ambos os países. Do ponto de vista global, a proporção de participação está aumentando, mas isso não é verdadeiro para uma série de grupos sociais em Gana e na Tanzânia. Para muitos, a participação mais ampla era vista em relação a uma mudança quantitativa num determinado grupo, em geral as mulheres, nas matérias científicas. Era menor o envolvimento administrativo com as experiências qualitativas dos estudantes que foram aceitos no ensino superior, com o monitoramento dos resultados do ensino incluindo retenção e conclusão, ou com as intersecções entre as identidades sociais. As descobertas levantaram perguntas a respeito da necessidade de combinar qualidade e igualdade, e também sobre a possibilidade de avaliar o valor do ensino superior em termos da distribuição de renda e do combate à pobreza, além da criação de riqueza.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012