15/08/2012

International Higher Education

África do Sul: desafios do racismo e da acessibilidade

Historicamente, as instituições brancas em particular enfrentam dificuldades para recrutar ou reter membros negros em seu quadro de funcionários, porque sua cultura institucional aliena os novos membros em vez de acomodá-los

Chika Sehoole
Professor de pedagogia da Universidade de Pretória, África do Sul. E-mail: chika.sehoole@up.ac.za
Universidade de Pretória
Chika Sehoole
No fim de 2011 e início de 2012, o setor sul-africano do ensino superior ganhou as manchetes dos jornais do país e do mundo. No fim de 2011, a Universidade de Pretória viu-se envolvida em alegações de aparente racismo entre seus funcionários, quando um professor negro de Engenharia alegou ter sido sistematicamente assediado e vitimizado em decorrência de motivações raciais. No início do ano acadêmico de 2012, um pai negro foi morto durante tumulto diante dos portões da Universidade de Johannesburgo, onde multidões tinham se reunido na tentativa de matricular-se.
 
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Os dois incidentes – as alegações de racismo e a busca pelo acesso ao ensino superior, especialmente entre estudantes negros – são apenas alguns exemplos dos desafios que a África do Sul enfrenta para cumprir algumas das metas prioritárias identificadas pelo governo pós-apartheid, em 1994. Ao delinear a visão do governo pós-apartheid, o Plano Nacional para o Ensino Superior, de 2001, chamava atenção para a necessidade de aumentar o número de membros negros entre os funcionários das instituições de ensino superior. Isso condizia com as mudanças na composição do corpo discente. Levando-se em consideração a escassez de estudantes de pós-graduação e, consequentemente, o pequeno pool de candidatos em potencial, o governo incentivou as instituições a recrutarem também negros e mulheres do restante do continente para preencher os quadros de funcionários. A suposta vítima de racismo na Universidade de Pretória é um cidadão queniano.
 
O número de funcionários negros nas universidades aumentou, de 17% em 1994 para 44% em 2010. Mas, contrariando as expectativas, o acesso físico parece não ser suficiente, embora as melhorias sejam aparentes Raça e cultura institucional
Foi obtido certo progresso no aumento do número de estudantes e funcionários negros nas instituições de ensino superior. A contagem preliminar de estudantes em 2011, englobando as 23 universidades públicas, chegou a 899.120 pessoas. Esse número inclui tanto as matrículas de período integral quanto as de meio período, e tanto os estudantes presenciais quanto aqueles que recebem ensino a distância. Em 1994, eram 495.356 pessoas. Portanto, houve um aumento de quase 82% desde a conquista da democracia. As medidas do governo para facilitar o acesso dos negros e das mulheres ao ensino produziram resultados positivos. O número de estudantes negros (africanos, mestiços e indianos) aumentou de 55% para 80%.
 
Por outro lado, o número de funcionários negros também aumentou, de 17% em 1994 para 44% em 2010. Mas, contrariando as expectativas, o acesso físico parece não ser suficiente, embora as melhorias sejam aparentes. O problema é descobrir como se dá a experiência dos negros que foram excluídos e discriminados sob o apartheid. O incidente racial de 2008 na Universidade de Free State, onde estudantes brancos maltrataram negras que trabalhavam na equipe de faxina, e a experiência do professor negro na Universidade de Pretória, são exemplos que mostram que políticas formais não são suficientes para provocar as mudanças desejadas.
 
A Comissão Soudine investigou o incidente ocorrido na Free State. O relatório da comissão cobriu todas as 23 universidades. Seus membros descobriram que tanto a discriminação racial quanto o sexismo permeavam muitas universidades sul-africanas. Nesse aspecto, é necessária uma mudança nas culturas institucionais. Os membros da comunidade universitária terão de adotar uma nova forma de cooperação e desposar novos valores, condizentes com a distribuição democrática iniciada pelo governo de Nelson Mandela.
 
O problema é descobrir como se dá a experiência dos negros que foram excluídos e discriminados sob o apartheid Estudos mostraram que as instituições de ensino superior em geral ignoravam a mudança nas culturas institucionais em geral. Historicamente, as instituições brancas em particular enfrentam dificuldades para recrutar ou reter membros negros em seu quadro de funcionários, porque sua cultura institucional aliena os novos membros em vez de acomodá-los. Essa tradição interferiu no sucesso e no desempenho dos estudantes negros e foi também um obstáculo para atrair alunos negros aos programas de pesquisa de pós-graduação. Uma das estratégias para superar a barreira consistia em encorajar as instituições a recrutar acadêmicos do restante do continente africano. Isso poderia desempenhar um papel importante no estabelecimento de modelos de comportamento para os negros, ajudando também a mudar as culturas institucionais.
 
O acesso e o sistema central de inscrições
O infeliz incidente envolvendo a morte de um pai nos portões da Universidade de Johannesburgo também destaca duas questões importantes que a política de ensino sul-africana deve enfrentar. A primeira está relacionada à administração daqueles que se inscrevem para entrar nas universidades, processo que, no momento, não conta com uma coordenação no nível nacional. Hoje, os estudantes podem se inscrever em tantas instituições do ensino superior quanto possível durante o último ano do ensino médio. Após a divulgação das notas obtidas no 3º ano do ensino médio, são oferecidas aos estudantes vagas nas universidades nas quais eles tinham se inscrito anteriormente. Assim, um estudante que tenha boas notas pode perfeitamente receber ofertas de vagas em todas as instituições (de duas a quatro) nas quais tenha se inscrito. Entretanto, só pode aceitar uma vaga numa única instituição.
 
A segunda questão está associada ao fato de alguns dos estudantes, que não se inscrevem até terem obtido as notas do 3º ano do ensino médio, começarem a procurar vagas no início do ano acadêmico. Eles literalmente viajam de uma instituição à outra em busca de um lugar para estudar. Aqueles que não atingiram os requisitos de admissão nas instituições de sua preferência também começam a procurar por lugares em que possam estudar no início do ano acadêmico. A combinação desses fatores resulta na formação de longas filas nos portões das universidades. Infelizmente, tamanho desespero pelo acesso ao ensino custou uma vida no início de 2012, na Universidade de Johannesburgo.
 
Será que não existe uma maneira melhor de administrar o processo de inscrição dos estudantes nas universidades? Um sistema central de inscrição foi proposto pelo governo como possível solução e como forma de combater a recorrência do incidente registrado em Johannesburgo. É interessante destacar que a solução foi proposta pelo plano nacional, 11 anos atrás. Os motivos que impediram a implementação da medida são um desafio que cabe ao governo enfrentar.
 
As multidões e as longas filas que se formam no início de cada ano acadêmico também apontam para outro problema sistêmico de grandes proporções: o fato de o sistema sul-africano de ensino superior estar funcionando no limite de capacidade, sendo grande a necessidade de construir novas instituições. Atualmente, a fundação de duas novas universidades foi aprovada pelo governo, e já estão em curso os planos para o início das obras. Até que essas universidades tornem-se plenamente funcionais, a pressão que incide sobre as instituições existentes não será aliviada.
 
Dentro do governo, reconhece-se que a construção de universidades adicionais não será suficiente para satisfazer a demanda pelo acesso ao ensino superior. Nesse aspecto, o governo revelou uma visão para o sistema pós ensino médio com universidades públicas e particulares, faculdades públicas e particulares de Ensino Aprofundado e Treinamento, e centros de ensino para adultos, entre outros.
 
Imagina-se que os jovens serão encorajados a levar em consideração formas alternativas de oportunidades posteriores ao ensino médio, e não apenas a universidade. Em relação à satisfação das necessidades dos indivíduos que desejam envolver-se no ensino universitário, dentro dos recursos limitados, o ensino a distância poderia ser considerado uma alternativa.