27/01/2015

International Higher Education | 77

A universidade de pesquisa no Brasil: 1930 e 2030

Renato H. L. Pedrosa
Professor no Departamento de Política Científica e Tecnológica, Instituto de Geociências, Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: renato.pedrosa@ige.unicamp.br
Introdução: perspectiva histórica de questões contemporâneas
 
Adam Nelson, Coordenador
Professor de Política Educacional e História na University of Wisconsin-Madison. E-mail: anelson@education.wisc.edu
 
Na primavera de 2013, a WUN Rede Mundial de Universidades, sigla em inglês para World wide Universities Network elaborou um relatório para ajudar aos líderes da universidade a refletir sobre o futuro do ensino superior. A rede perguntou: Qual será o cenário do ensino superior internacional para a próxima geração? Que desafios e oportunidades as universidades têm pela frente, especialmente as universidades de pesquisa “global”? Em resposta, convoquei um grupo de historiadores proeminentes ao redor do mundo para considerarem de que maneira as universidades no passado responderam a grandes mudanças históricas. Em especial, solicitei que cada um escrevesse um breve ensaio, identificando “um momento chave” na internacionalização do ensino superior: o momento em que as universidades responderam às novas circunstâncias históricas, através da reorientação de suas relações com o mundo mais amplo. O que se segue são três ensaios do relatório. O relatório integral pode ser encontrado em: http://www.insidehighered.com//blogs/globalhighered/universities-2030-learning-past-anticipate-future#sthash.kLZr18j2.dpbs assim como em http://globalhighered.wordpress.com/
 
 
O Brasil foi um dos últimos países nas Américas a desenvolver o ensino superior. Até 1920, 400 anos após os primeiros povoados portugueses terem sido fundados no Brasil colonial, o país não havia desenvolvido ainda uma universidade completa ou abrangente, estando bem atrás dos países nas Américas tais como o Canadá, os Estados Unidos, e as ex colônias espanholas com universidades que datavam do período colonial. O Brasil não estava sozinho entre as antigas colônias portuguesas: A África Lusófona, particularmente Angola e Moçambique tiveram que esperar até 1962 antes das primeiras universidades serem estabelecidas; e apenas após a independência, em meados da década de 1970, quando tais instituições começaram a se desenvolver mais a fundo. 
 
A primeira universidade a ser estabelecida no Brasil com uma missão clara voltada para pesquisa foi a Universidade de São Paulo, em 1934. Em apenas 80 anos e desde então, O Brasil tem desenvolvido um sistema relativamente grande e sofisticado de universidades entre outras de instituições de ensino superior das quais cerca de 100 são universidades públicas (federais e estaduais). Este sistema é a fonte da maior parte da pesquisa realizada e dos títulos de pós graduação concedidos no Brasil, atraindo números crescentes de estudantes de todas as américas, da África Lusófona, da Europa e dos países do leste como a China e a Coreia do Sul. A Universidade de São Paulo em si tem o maior corpo discente internacional com mais de 1.300 pós graduados de todo o mundo (2012), a maioria dos quais (1.042 estudantes) da América Latina, mas também incluídos grupos de Angola (16 estudantes) e Moçambique (28 estudantes).
 
1930
À medida em que 1930 se aproximava, o Brasil mudava de modo considerável econômica e politicamente. Desde 1889, quando o sistema político mudou para o sistema republicano, o poder era dividido entre São Paulo, devido ao papel como principal produtor de café e sua nascente indústria; e o estado de Minas Gerais, que representava um papel político importante desde o período colonial, devido a sua indústria de mineração, (ouro e minerais). Em meados da década de 1920, a indústria brasileira do café começou a entrar em declínio, devido à queda dos preços, a concorrência internacional e os riscos financeiros de mercado de 1929 e suas consequências que tiveram efeitos prejudiciais em um sistema já sob graves pressões. Tais efeitos incluíram a ruptura do sistema democrático, quando os resultados das eleições presidenciais de 1930 foram contestados e a coligação perdedora foi a que na verdade subiu ao poder no final daquele ano.
 
Nasce a Universidade de São Paulo
Logo após a mudança de governo, novas leis estabeleceram o projeto para as futuras universidades, apresentando leis que determinariam o desenvolvimento do sistema de ensino superior brasileiro para os próximos 30 anos. Uma nova universidade foi planejada para ser instalada no Rio de Janeiro, (na época a capital do país), com 328 artigos que detalhavam a nova instituição, incluindo os cursos que ofereceria. A era do relativo desenvolvimento descentralizado do ensino superior do primeiro período republicano terminara, definitivamente. O Brasil agora seguiria um modelo centralizado, similar aos da França e Itália.
 
São Paulo, que em meados de 1932 já havia liderado uma revolta fracassada contra o governo federal, exigindo uma nova constituição (a promessa de novas regras), adotou uma abordagem bastante diferente. Júlio de Mesquita Filho —editor do jornal mais importante de São Paulo—alegou que apenas se tornando o líder intelectual do país, o estado reconquistaria sua dominância. O governador Armando de Oliveira, foi então convencido a iniciar uma universidade de pesquisa moderna na capital.
 
Fernando de Azevedo, que havia trabalhado anteriormente em um projeto encomendado pelo Mesquita sobre universidades modernas, rapidamente desenvolveu um projeto para a nova instituição, e dentro de semanas, a Universidade de São Paulo foi fundada (Janeiro de 1934). Ao contrário da própria lei federal, o documento de fundação tinha apenas 54 artigos e apresentava uma proposta de uma estrutura liberal e descentralizada para a nova instituição.   O primeiro item do segundo artigo, que estabelecia a missão da universidade é muito claro: a universidade deverá “promover o avanço da ciência através da pesquisa.” Desta feita, Azevedo recrutou intelectuais e cientistas da Europa para compor o corpo docente da jovem universidade — entre eles acadêmicos tais como Fernand Braudel e Claude Lévy-Strauss, que se tornariam líderes em seus campos após a segunda guerra mundial. Muitos cientistas reconhecidos como Theodosius Dobzhansky, André Weil, e Richard Feynman—permaneceram por vários períodos nas próximas duas décadas, ajudando a estabelecer a nova instituição como o centro de ensino superior mais avançado no país.
 
O empreendimento paulista tem florescido. A universidade de São Paulo ocupa o topo dos rankings entre as universidades da América Latina e uma das poucas deste continente que aparece nos rankings internacionais. O Brasil tem desenvolvido um grande grupo de universidades públicas, reformadas na década de 1960 com a introdução de um modelo de ensino de pós graduação inspirado dos EUA. O Brasil hoje lidera os países da América Latina em pesquisa e no ensino de pós graduação, sendo o 13º no mundo no número de publicações internacionais, com uma participação de 2.6 por cento da produção mundial total. Em 1980, a participação do Brasil na pesquisa publicada no mundo era de apenas 0.2 por cento, o que indica o quanto o sistema tem se desenvolvido em apenas algumas décadas.
 
A universidade de pesquisa em 2030
Agora, quais seriam as perspectivas para a universidade de pesquisa em 2030 no Brasil? Apenas recentemente, a Universidade de São Paulo anunciou que começará a oferecer cursos online abertos e maciços, sem qualquer restrição no que tange a registro. O uso dos resultados como créditos está em debate, assim como em muitas universidades ao redor do mundo. A tendência internacional de oferecer cursos e até mesmo programas integrais, usando tecnologia online, é com certeza algo com que as universidades de pesquisa terão que lidar; e que provavelmente logo será um componente bastante comum da maioria dos currículos. 
 
Por certo, o estudante do campus ainda existirá em 2030. Contudo, cada vez mais pessoas desenvolverão seus próprios caminhos com relação aos programas, sem precisarem estar em residência a maior parte do tempo, ou restringirem-se a uma única instituição. Podemos ver o ensino de pós graduação se expandindo ainda mais, tornando-se diversificado (com mais programas que vão além dos títulos acadêmicos tradicionais — mestre em ciências/PhD), com vários objetivos distintos. Isso pactuará com um ensino de graduação menos especializado, outra tendência que evoluirá das Artes Liberais tradicionais /currículo de Educação Geral, que precisará ser atualizado e adaptado para um país como o Brasil, mas   que certamente terá um lugar aqui e em outras economias emergentes. A colaboração científica internacional certamente se tornará cada vez mais comum do que já é hoje.
 
Assim, apesar de algumas previsões sombrias, a universidade de pesquisa está bem preparada para permanecer em seu papel central nos sistemas educacionais, sendo os seus papeis: capacitar pessoas para desenvolverem seus potenciais intelectuais integralmente e para manter seu status como a principal fonte de conhecimento básico e inovador, assim como tem feito por pelo menos dois séculos.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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