06/11/2012

International Higher Education

A luta da academia russa pós-soviética contra o passado

Gregory Androushchak e Maria Yudkevich
Gregory Androushchack é conselheiro da reitoria da Universidade Nacional de Pesquisa – Escola Superior de Economia de Moscou. E-mail: gandroushchak@gmail.com
Maria Yudkevich é vice-reitora da Universidade Nacional de Pesquisa – Escola Superior de Economia de Moscou. E-mail: yudkevich@hse.ru
Por que os contratos e práticas do corpo docente nas universidades pós-soviéticas (incluindo até aquelas voltadas para a pesquisa) têm como foco o ensino, omitindo os elementos da vida acadêmica voltados para a pesquisa? Por mais que os aspectos históricos que levaram a tal foco não sejam mais válidos, tais contratos são sustentados por um modelo de financiamento de raízes profundas – que dá base à existência de todas as universidades públicas da Rússia. Ao mesmo tempo, está correlacionado com instituições socioeconômicas que emergiram durante os últimos anos. Assim sendo, uma política que busque avançar práticas de contratação mais eficazes vai criar desafios substanciais para o sistema de ensino superior na Rússia. São, no entanto, a única forma de melhorar o desempenho geral das universidades russas.
 
O legado do planejamento anterior e seu impacto na vida contemporânea
Durante muitas décadas, as universidades soviéticas tiveram como base o princípio da economia soviética – ou seja, o planejamento. A agência central de planejamento (Gosplan) publicava uma perspectiva daquilo que a economia deveria produzir para disputar a liderança em todas as áreas concebíveis; e os ministérios estimavam o número de funcionários necessários em termos da ocupação e da qualificação. O princípio era usado para calcular o número de estudantes em várias instituições de ensino, incluindo as escolas vocacionais – instituições de aprendizado profissional secundário, semelhantes às faculdades americanas que oferecem cursos de dois anos.
 
Embora o sistema soviético tenha desaparecido há anos, a abordagem antiga vinha sendo usada até recentemente em muitos países pós-soviéticos – exceto pelo fato de o planejamento central da Gosplan ter sido substituído pela "necessidade percebida de pessoal altamente qualificado", à qual o setor universitário precisa atender. A natureza da admissão de estudantes decorrente do mérito acadêmico na era soviética era em geral aquilo em que os camaradas e os observadores no Ocidente deveriam acreditar – e não aquilo que de fato ocorria. Experientes ex-funcionários acadêmicos oferecem provas bastante conclusivas de que o sistema de admissões era operado de maneira cínica com o objetivo de eliminar o número necessário de candidatos à universidade, em vez de promover uma concorrência para identificar aqueles mais talentosos. Essa concorrência não entrava de maneira nenhuma na fórmula de financiamento; o mais importante critério para o acesso ao financiamento público era simplesmente o número de admitidos. Além disso, as universidades que recebiam um número de matrículas inferior ao planejado enfrentavam cortes no número de vagas financiadas pelo governo nos anos subsequentes, o que resultava na redução de suas perspectivas de financiamento.
 
Desde 1992, as universidades receberam permissão para receber estudantes em número superior ao financiado pelos cofres públicos. Naturalmente, tinham de arcar com o custo de sua admissão. Entretanto, a busca pela instrução em nível superior era tão alta entre os jovens russos que seu único objetivo era entrar na universidade, em vez de buscar o ensino de qualidade numa determinada área. Isso significou que a concorrência por estudantes não funcionou nem um pouco no espaço soviético, diferentemente do que ocorre em muitos países.
 
Assim sendo, as universidades perderam o incentivo para atrair e empregar os melhores professores e pesquisadores. Principalmente por causa da falta de incentivos para manter e melhorar a qualidade do ensino, o caos econômico dos anos 90 foi exacerbado por uma falta de recursos financeiros destinados pelo país a cada estudante.
 
Piorando ainda mais?
O fim da década de 90 trouxe um novo desastre para as universidades russas. As crises econômicas de 1991-93 e 1998 virtualmente destruíram a economia, restando apenas oportunidades de emprego principalmente nos setores da extração e comercialização do petróleo e do gás natural. Entretanto, em decorrência do desajeitado planejamento do financiamento público, as universidades continuaram acreditando que deveriam se concentrar na formação de engenheiros. Assim sendo, ao buscar por empregos reais, a maioria dos formandos encontrou poucas oportunidades para buscar trabalho com base naquilo que tinham sido ensinados a fazer. Muitos estudantes – especialmente nas maiores cidades – perderam a motivação, sem encontrar uma compatibilidade entre aquilo que aprenderam e as oportunidades de emprego existentes. A situação levou ao desenvolvimento de uma imensa impotência entre as universidades, que não conseguiam atrair estudantes nem professores. (No fim da década de 1930, os professores foram poupados das funções de pesquisa, exercidas pela Academia de Ciências.)
 
Portanto, muitas universidades se tornaram principalmente instituições de ensino, erguidas em torno dos processos de ensino e aprendizado. Assim, os contratos do corpo docente descrevem explicitamente a carga de trabalho e as obrigações para com o ensino. Ao mesmo tempo, o professorado em geral tem poucos incentivos e oportunidades de envolvimento ativo na pesquisa: trata-se de uma atividade para a qual a compensação é precária, e a carga de trabalho voltada para o ensino é pesada.
 
Embora haja pouco espaço para a ciência, a produtividade em pesquisa – como as publicações, a participação em conferências etc. – por corpo docente é considerada de grande importância para a avaliação do conjunto de funcionários de cada instituição e de cada universidade como um todo. Mas as publicações internas (editadas por departamentos ou universidades sem nenhum tipo de revisão por pares) é inútil como meio de avaliação externa da qualidade de pesquisa e do desempenho de um corpo docente.
 
A ausência de mecanismos para a avaliação externa do desempenho do corpo docente reduziu a mobilidade acadêmica. O corpo docente se tornou fortemente vinculado à sua própria universidade, optando por fazer investimentos específicos a cada instituição que teriam pouca relevância em outros ambientes. Durante o estágio inicial de suas carreiras acadêmicas, os membros do corpo docente se concentram na produção de publicações e, depois de adquirirem credenciais acadêmicas, voltam-se para a busca de posições estáveis dentro da estrutura administrativa, ao mesmo tempo garantindo salários atraentes e certo grau de segurança no emprego. Como resultado, a maioria das universidades é governada pela burocracia hierárquica interna, e a comunidade acadêmica desempenha um papel menor na tomada de decisões.
 
O que pode ser feito?
Em geral, os mecanismos de financiamento público têm um impacto decisivo na maioria das esferas da vida universitária – incluindo os contratos do corpo docente e o resultado das atividades de pesquisa e ensino. Com sorte, nos próximos anos a situação da concorrência nas universidades deve melhorar – já há sinais e premissas positivas. Em primeiro lugar, há evidências da saturação no mercado de ensino superior. Em 2008, a proporção de graduandos do ensino médio ingressando nas universidades russas chegou a cerca de 80%. A demanda muda do mero ingresso nas universidades para a busca por uma universidade específica e um determinado campo de estudo. O número de candidatos dotados desse nível de conscientização representa um quarto dos formandos do ensino médio. Em segundo lugar, a Rússia está passando por um declínio acentuado na faixa demográfica correspondente aos 17-18 anos de idade, que consiste na principal fonte de candidatos às vagas universitárias. Por fim, o mais importante: a contração no número de estudantes universitários potenciais ocorre num ritmo mais rápido do que o da contração no número de vagas financiadas pelos recursos públicos nas universidades, o que obriga as instituições a disputar os estudantes.
 
Os líderes universitários mais sábios já identificaram o desafio, desenvolvendo estratégias de marketing que apontam para os estudantes as vantagens de seus programas de estudo – principalmente a qualidade do corpo docente e do ensino oferecido. Para melhorar a qualidade, as universidades precisam de condições adequadas – tanto monetárias quanto não monetárias – para atrair para si um corpo docente dedicado e produtivo e restaurar o ambiente acadêmico.
 
Como isso pode ser conseguido? Em primeiro lugar, o sistema de planejamento central da agência Gosplan para as admissões universitárias precisa ser reformado. O dinheiro do governo deve seguir os estudantes, mas não ser distribuído sem observar a qualidade das universidades. Em segundo, as funções de pesquisa nas melhores universidades devem ser restauradas. Nos últimos anos, o Ministério da Educação e da Ciência lançou na Rússia uma série de programas competitivos de bolsas e financiamento para as universidades – apoiando a ciência básica, o desenvolvimento de colaborações com a indústria e outros setores. Em terceiro lugar, o sistema acadêmico precisa ser agitado por meio da adoção de passos que levem à participação completa e ao envolvimento no recrutamento de estrangeiros para o corpo docente.
 
Independentemente disso, os contratos oferecidos ao corpo docente são um elemento chave para o sucesso. Embora os contratos atuais em muitos países pós-soviéticos ainda reflitam o antigo legado, a necessidade de aprimoramentos, os pré-requisitos e os sinais de melhora já são detectáveis.