10/04/2015

International Higher Education | 78

A internacionalização da pesquisa na Arábia Saudita: a compra de privilégios questionáveis

Manail Anis Ahmed
Profissional de administração do ensino superior. Atualmente trabalha como Especialista Sênior na Área de Subsídios no Instituto de Pesquisa e Consultoria na Effat University, uma universidade privada para mulheres em Jeddah, Arábia Saudita. E-mail: manailahmed@gmail.com
Como parte de sua ambição de criar “uma economia do conhecimento” e definitivamente diversificar fontes de receitas, a Arábia Saudita tem trabalhado de maneira agressiva para reforçar a produção de pesquisas. O Reino é jovem e sua universidade e sistema de ensino superior bem mais jovem ainda. O país enfocou inicialmente a construção de escolas e mais tarde instalações do ensino superior, não conseguindo até recentemente estabelecer uma produção de pesquisa acadêmica. Mesmo assim esta atividade tem recebido um forte incentivo nos últimos anos, e a Arábia Saudita tem feito grandes progressos com a construção de muitas instituições do ensino superior e instalações de pesquisas.
 
O papel das classificações
A busca pela qualidade acompanha a corrida pela criação de novas universidades e outras instituições de ensino. Apesar de terem surgido sólidos sistemas nacionais de controle de qualidade (como a National Commission for Academic Accreditation and Assessment – NCAAA, Agência Nacional para Avaliação e Acreditação Académica (ANAAA)), surge a necessidade de um benchmark ou critério de referência relevante de comparação com sistemas publicamente visíveis e globais. Como as classificações ou rankings globais de universidades ganharam ampla aceitação e se tornaram a forma dominante de produtores de informações orientados pelo consumidor, as universidades sauditas têm se preocupado recentemente em se destacarem nessas listas.
 
No relatório “Rankings das Universidades Globais e seus Impactos” produzido por Andrejs Rauhvargers e encomendado pela Associação de Universidades Europeias em 2011 encontramos:      “Um problema ou consequência não desejada” como muitas vezes os responsáveis tratam os impactos negativos dos rankings, é que tanto a sociedade como aqueles que criam as politicas são tentados a julgar todo o ensino superior no mundo pelos padrões que os rankings usam para detectar as principais universidades de pesquisa, ao invés de aplicarem um dos princípios fundamentais da garantia da qualidade — o principio do “adequado para finalidade.” “E continua: “Assim, uma consequência não desejada” das tabelas de classificação global é que as instituições de ensino superior com outras missões além daquela de estar entre as universidades líderes de pesquisa poderão ter que voltar a justificar seus perfis em um momento em que diferenciação de missão encontra-se no topo das agendas do ensino superior por toda a Europa.”
 
Generosos incentivos financeiros pagos pelas empresas de pesquisa locais
Tal problema torna-se imediatamente aparente no caso das universidades sauditas, onde a primeira universidade no país foi estabelecida em 1957 e onde existe uma necessidade urgente e enorme de educar uma população crescente de jovens para que entrem no mercado de trabalho e se tornem membros produtivos da sociedade. Há também a pressão sobre as instituições do país, no sentido de produzir pesquisas publicadas em língua inglesa que possam ser aproveitadas para os vários e diferentes sistemas de classificação de universidades internacionais.
 
Benefícios, riscos e controvérsias
Em tal situação, surge o incumprimento da internacionalização da pesquisa, talvez uma internacionalização mais rápida do que seria possível, ou até mesmo desejada no desenvolvimento do restante da academia saudita. Esta internacionalização tem colhido benefícios incalculáveis no que tange ao impulso que tem dado à produção da pesquisa do país. Na realidade, três universidades públicas sauditas foram introduzidas em vários rankings internacionais ao longo da última década — e outras, pequenas e grandes estão abrindo caminho no momento.
 
Um aspecto interessante desta pesquisa baseada em internacionalização é que ela tem até o momento sido focada em áreas da vida, nas ciências naturais, da informação, e da engenharia —as áreas de humanas não figuram em lugar algum e as ciências sociais são poucas e estão atrasadas. Contudo, o aspecto mais problemático da internacionalização é que as instituições, tanto as grandes como as pequenas estão alocando e pagam proporções substanciais de seus orçamentos de pesquisas para convidar pesquisadores internacionais de elevado renome para publicar com a instituição pagante, esta listada como afiliação secundária do pesquisador. Tal prática foi ressaltada em um artigo controverso na Science Magazine em dezembro de 2011, e tem sido desde então debatido em fórum local e global como uma problemática. Os contratos oferecidos a estes “pesquisadores visitantes,” “assistente de pesquisa,” ou “parceiros internacionais” em geral requerem um número mínimo de publicações para cada período de contrato e apenas um requisito simbólico de presença física na instituição anfitriã. 
 
O preço do “capitalismo acadêmico”
Embora alguns acadêmicos ridicularizem as práticas de pagar a outros para parecer que sua própria instituição fez o trabalho, outros percebem essa prática como meramente outro aspecto do capitalismo—poder comprar o melhor talento global, pagando o melhor preço e no processo obter crédito pela produção da pesquisa. Permanece contestada a prática de contratar prolíficos e altamente renomados pesquisadores internacionais a fim de impulsionar a reputação da pesquisa. Contudo, o debate realmente evidencia os problemas associados com a urgente internacionalização da pesquisa em um país como a Arábia Saudita. 
 
Os resultados desejáveis mais amplamente aceitos da internacionalização do ensino superior – o intercâmbio de pessoas, conhecimento, ideias, e sistemas de produção de pesquisas entre fronteiras, têm nesse caso sido complementados por soluções pré-preparadas, demasiadamente fáceis no que diz respeito à produção da pesquisa e desenvolvimento. Uma coisa é convidar acadêmicos estrangeiros e pesquisadores para ajudar a construir uma cultura de pesquisa sustentável, endógena e vibrante que possa eventualmente prosperar independentemente de qualquer ajuda externa. Contudo, é completamente diferente suplantar a produção da pesquisa local e cooptar por recursos estrangeiros que pouco investem no desenvolvimento da pesquisa da instituição anfitriã ou país, além da coautoria. Assim, a internacionalização da pesquisa na Arábia Saudita não está desprovida de controvérsias.
 
O meio-termo
Talvez o mais bem aconselhado fosse uma internacionalização mais abrangente e gradual, tanto do ensino como da pesquisa nas universidades sauditas. Isso envolveria uma abertura relacionada aos modelos tradicionais da produção de pesquisa (tais como a documentação de histórias orais e o reconhecimento de recursos de pesquisas históricas “baseados em cadeia” e verificáveis) dando maior valor ao conhecimento local e métodos endógenos da produção do conhecimento e transmissão. O Reino poderia também se beneficiar bem mais, desviando recursos para apoiar a pesquisa produzida localmente: fornecendo treinamento rigoroso em métodos de pesquisa internacional, patrocinando a tradução dos resultados da pesquisa árabe em inglês, e no processo educar os pesquisadores sauditas, quanto à importância da análise por pares, influência acadêmica através de menção, e finalmente a produção de pesquisa de elevada qualidade e de padrão internacional.
 
É nomeadamente assim que a Arábia Saudita conseguiria construir uma cultura de pesquisa local sólida, criando um espaço válido para produção da pesquisa que reconhece diferenças nos métodos de pesquisas internacionais e ao mesmo tempo fazendo incorporar as melhores práticas do meio acadêmico em todo o mundo. Dado ao forte apoio do estado, lembrando o potencial inerente no nascente segmento de pesquisa do país, uma cultura de pesquisa própria certamente não está distante no futuro da Arábia Saudita.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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