13/06/2013

International Higher Education

A hipotética relação entre qualidade e lucro

Kevin Kinser
Kevin Kinser é professor assistente da Universidade de Albany, Universidade Estadual de Nova York. E-mail: kinser@albany.edu
Boa parte das críticas feitas ao ensino superior de fins lucrativos parte do pressuposto de uma tensão inevitável entre qualidade e lucro. Esta tensão costuma ser enunciada nos termos segundo os quais a busca pelo lucro seria diretamente relacionada à redução na qualidade, exigindo regulações externas no sentido contrário e contrapesos internos explicitamente respeitados. Em outras palavras, uma instituição de ensino vai lucrar mais se oferece uma qualidade mais baixa. O ambiente regulatório seria assim uma barreira necessária contra tal possibilidade, estabelecendo um piso de qualidade abaixo do qual o ensino superior privado perde a legitimidade e a permissão do governo para operar.
 
A atratividade desta posição - segundo a qual o lucro reduz a qualidade - vem em parte da tradicional oferta do ensino como atividade altruísta. O propósito de caridade do ensino tem sido historicamente sustentado pelo Estado na esfera pública e pela religião na esfera privada. Uma nova população de provedores de ensino surgiu nas últimas décadas; entretanto, esta não se tornou sustentada pelo Estado e nem afiliada à religião. São dominados por instituições de qualidade obviamente baixa, voltadas para a absorção da demanda. Seus campi são mais semelhantes a balcões de lojas e seus estudantes mais parecem consumidores, enquanto o corpo docente tem qualificação marginal e os currículos são regidos pelos padrões mínimos do que se considera aceitável.
 
Como estes novos provedores do setor privado servem geralmente a uma população de estudantes que não consegue obter o acesso às instituições tradicionais do ensino superior, eles podem cobrar taxas de ensino pela oportunidade de ter tal acesso. Sejam legalmente definidas como tendo fins lucrativos ou não, esta dependência das taxas de ensino e outras características operacionais sugerem que muitas são instituições de fins lucrativos, ainda que disfarçadamente (como descreve Daniel C. Levy em sua contribuição para esta seção especial). Seja como for, a renda excedente gerada pelas taxas de ensino demonstra que o setor privado está cobrando mais por seus serviços de ensino do que o custo desses mesmos serviços. Isto contrasta com a situação do setor público, que muitas vezes apresenta custos mais altos e, ao mesmo tempo, cobra menos dos estudantes, compensando pela diferença com o uso de recursos públicos.
 
A fusão entre baixa qualidade e lucro é indicada por esse padrão. Cursos de baixa qualidade são cursos de baixo custo. A cobrança de taxas de ensino altas por um curso de baixo custo resulta em lucro. Portanto, o lucro vem de curso de baixa qualidade. Segue-se, assim, que como os provedores do setor privado estão lucrando, a qualidade de seus cursos deve necessariamente ser suspeita - como indica uma lógica imperfeita. Simplesmente porque instituições do setor privado de qualidade duvidosa são frequentemente vistas lucrando, isto não significa que qualidade e lucro sejam incompatíveis.
 
Por que a relação entre qualidade e lucro não corresponde à hipótese
Outros caminhos para o lucro não exigem um produto de baixa qualidade. O caminho mais comum consiste em reduzir o custo de se oferecer um curso de ensino, captando um excedente de recursos por meio do aprimoramento da eficiência na instrução. Isto pode ser obtido com o aumento no tamanho das turmas de alunos, a padronização dos currículos e das práticas de ensino, ou com a aceleração do tempo necessário para a obtenção do diploma por meio de um calendário acadêmico modificado. Por mais que a eficiência seja às vezes um eufemismo para a busca de atalhos, trata-se também de uma estratégia para a redução de práticas que levem ao desperdício capazes muitas vezes de prejudicar atividades de ensino mais eficazes. Uma operação mais eficiente pode atender ao mesmo número de estudantes a um custo menos caro ou a um maior número de estudantes sem aumentar o custo. Ambos são resultados lucrativos para o provedor de ensino do setor privado, sem exigir como contrapartida uma redução na qualidade.
 
Outro caminho seria oferecer programas que já têm um baixo custo de ensino, pelos quais universidades mais tradicionais cobram preços mais altos com o intuito de promover um subsídio interno para os cursos acadêmicos de custo mais elevado. A proliferação de cursos de administração em instituições do setor privado, por exemplo, pode ser entendida de acordo com esse prisma. Tais programas não exigem nenhuma ferramenta especial nem equipamentos de laboratório, e o tema já se encontra bem estabelecido, sendo assim acessível aos não especialistas. Em si, a administração de empresas é um curso de baixo custo. Mas muitas universidades tradicionais usam a renda gerada pelos cursos de administração e outras matérias de baixo custo para tornar mais acessíveis os cursos mais caros. Basta não desviar esta renda excedente para compensar o custo de cursos caros para que os proprietários das instituições de ensino do setor provado obtenham um expressivo retorno financeiro para seus investimentos sem incorrer numa redução da qualidade.
 
Uma terceira estratégia que evita a relação inversamente proporcional entre qualidade e lucro é a de reduzir as "perfumarias" em outras partes da universidade, produzindo assim um lucro ao não arcar com o custo de atividades extracurriculares elaboradas e caras. Nos Estados Unidos, o setor de fins lucrativos costuma evitar os ambientes comumente encontrados na maioria dos campi tradicionais - como instalações atléticas, organizações sociais e moradia para os estudantes. Tudo aquilo que estiver fora da missão primária da instituição pode ser eliminado, deixando todo o foco na oferta de um programa acadêmico de qualidade. A renda que seria destinada a sustentar aspectos não acadêmicos pode ser então convertida diretamente em lucro, e a integridade e qualidade do programa seriam mantidas intactas.
 
Nestes caminhos para o lucro, é apenas no primeiro caso que a potencial preocupação com a qualidade acadêmica deve ser levada em consideração e, ainda assim, somente se as práticas habituais de ensino do currículo forem tidas como essenciais para a oferta de um serviço de qualidade. As outras estratégias de busca pelo lucro valem-se das estratégias de definição de preços comuns em todo o ensino superior. A qualidade não precisa ser afetada, e nem os gastos educacionais precisam ser reduzidos para que seja gerada uma renda adicional. Pode ser oferecido essencialmente o mesmo produto de ensino disponível no setor público, ao mesmo tempo obtendo-se lucro com a redução dos gastos envolvidos nas atividades periféricas.
 
Qualidade e padrões
Mas falta responder a uma questão fundamental. Quais são os aspectos do ensino universitário que podem ser considerados periféricos e quais estão entrelaçados a um programa acadêmico de qualidade? Para ajudar estudantes malpreparados, por exemplo, uma instituição teria de gastar dinheiro em atividades exteriores à sala de aula como serviços acadêmicos, apoio, orientação, aulas extras e outras. O ensino pode ser barato, mas o corpo discente costuma ser bastante caro.
 
É claro que um regime regulatório sólido ainda pode desempenhar uma importante função de controle de qualidade. Como mostra o caso dos EUA, mirar especificamente no setor de fins lucrativos do ensino superior e dedicar a ele toda a atenção dos reguladores pode ser necessário para deter violações constantes da integridade acadêmica em nome da lucratividade. Certas atividades são sem dúvida ilegítimas e devem ser proibidas. Mas a meta do controle de qualidade pode ser mais do que fazer-se respeitar padrões mínimos. Deve ser possível debater "bom e melhor" sem maldizer todas as instituições abaixo das "melhores". O status de busca pelo lucro de uma instituição pode ser um dos elementos considerados na avaliação da qualidade do ensino, mas não deve ser o fator decisivo.