13/03/2014

International Higher Education

A fundação da Universidade da Academia Chinesa de Ciências

Qiang Zha e Guangli Zhou
Qiang Zha é professor assistente da faculdade de pedagogia da Universidade York, Toronto, Canadá. E-mail: qzha@edu.yorku.ca. Guangli Zhou é professor da Faculdade de Pedagogia da Universidade Renmin, Pequim, China. E-mail: guanglizhou@ruc.edu.cn
Seguindo o modelo soviético, a Academia Chinesa de Ciências (CAS) foi fundada em novembro de 1949 como marco do sistema de pesquisa e desenvolvimento (R&D) da China. Ao lado da Academia Chinesa de Engenharia e da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ambas nascidas de antigas divisões dentro da CAS), a Academia de Ciências representa as melhores organizações de pesquisa do país, formando um sistema de pesquisa separado do setor universitário e equipado com os melhores recursos de pesquisa. A fundação da Universidade da Academia Chinesa de Ciências (UCAS), em julho de 2012, a partir da antiga Escola de Pós-Graduação da Academia Chinesa de Ciências (GSCAS), deve ser encarada como um acontecimento importante no sistema chinês de pesquisa e desenvolvimento, e no setor universitário. Assim sendo, a UCAS nasceu "em berço de ouro". Ela divide com a CAS o mesmo presidente, e os programas de ensino oferecidos e os acordos entre escola e faculdade se enquadram perfeitamente nas seis divisões acadêmicas do sistema da CAS.
 
Entre seus 10.599 professores há 282 membros da CAS (de um total de 694 em todo o país) e 5.335 orientadores de doutorado. Tais números superam em muito os da Universidade Tsinghua (que conta atualmente com 41 membros da CAS, 1.832 orientadores de doutorado e 9.357 doutorandos matriculados) e da Universidade de Pequim (que tem agora 63 membros da CAS, cerca de 1.700 orientadores de doutorado e aproximadamente 7 mil doutorandos), as duas universidades de maior prestígio na China atual. Ainda que a UCAS só tenha planos de abrir suas portas para os alunos de graduação no terceiro trimestre de 2013, ela já herdou da GSCAS quase 40 mil estudantes de pós-graduação, dos quais metade é de doutorado. Apenas em 2011, a UCAS - ainda funcionando com o nome de GSCAS - distribuiu 4.832 diplomas de doutorado. Sozinho, este número permitiria que a UCAS ocupasse a categoria principal da Classificação Carnegie, superando até os campi americanos mais férteis em termos da produção de doutorados. Com a fundação da UCAS, a China parece ter construído uma universidade de nível mundial do dia para a noite. Neste ponto, surge naturalmente uma questão: por que a CAS optou por este rumo, aparentemente transformando-se numa universidade? Além disso, será que a fundação da UCAS é um fenômeno isolado ou o prenúncio de algo mais importante?
 
O apoio à pesquisa nas universidades chinesas
Há muito se debate uma reforma do sistema chinês de pesquisa e desenvolvimento, especialmente em relação à CAS. Desde a sua fundação, a CAS tem como missão "definir as orientações de pesquisa científica" e "esboçar estratégias para o futuro desenvolvimento científico e tecnológico do país", ao mesmo tempo dedicando-se à realização de projetos de pesquisa. Assim, ela desempenha ao mesmo tempo o papel de órgão consultivo supremo da pesquisa e desenvolvimento no país e de principal centro nacional de pesquisa e desenvolvimento em ciência e tecnologia. Entretanto, desde meados dos anos 1990, quando a China começou a intensificar as atividades de pesquisa em suas universidades por meio do lançamento de uma série de esquemas para as universidades de elite (por exemplo, os Projetos 211 e 985), viu-se um desejo cada vez mais forte de otimizar o sistema de pesquisa e desenvolvimento no país e de usar as universidades como espinha dorsal das atividades básicas de pesquisa.
 
Num artigo publicado em 2009, o ex-presidente da Universidade de Pequim, Xu Zhihong (também membro da CAS) defende que o Estado deveria reconhecer o status predominante das universidades voltadas para a pesquisa, citando as vantagens de tais universidades em relação aos institutos de pesquisa, como a concentração de pesquisadores, a integração entre pesquisa e ensino, a abrangência dos cursos e programas de ensino, e o ethos universitário. Ele afirma que tais vantagens são cruciais não apenas para a pesquisa básica, mas também para a pesquisa aplicada, que agora exige cada vez mais uma abordagem multidisciplinar. Ele compara o desempenho e os resultados de 10 universidades do Projeto 985 àqueles da CAS entre 2004 e 2008, mostrando que sua força conjunta superou a da CAS. A China tem hoje 1.129 universidades, sendo 112 delas universidades voltadas para a pesquisa selecionadas nos Projetos 985 e 211. Em 2007, as universidades produziram 84,6% dos trabalhos de pesquisa da Chin que foram publicados em fontes internacionais.
 
Algumas outras universidades adotam um tom mais crítico em relação ao estilo mais burocrático e menos eficiente da CAS, sugerindo que esta deveria ser regenerada de acordo com o modelo do Centro Nacional de Pesquisa Científica (França) ou a Academia Nacional de Ciências (Estados Unidos) - para alinhá-la com um papel de orientação em políticas de ciência e tecnologia e com o de sociedade de honra suprema, enquanto a maioria dos institutos de pesquisa a ela subordinados deveria ser delegada às universidades. A CAS foi descrita como legado da economia planificada e também como o principal órgão de orientação para ciência e tecnologia do país e braço executivo dos principais projetos de pesquisa, colocando a si mesma numa situação bizarra e controvertida. Além disso, a pesquisa básica em especial dificilmente chegará a descobertas revolucionárias seguindo um regime planificado. Tais alegações costumam ecoar num contexto sócio-econômico, em que os padrões do ensino superior já se afastaram do modelo soviético, aproximando-se do modelo americano.
 
O Esboço Nacional para o Desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia (2006-2020) reconhece plenamente as universidades como "participantes principais na pesquisa básica e na inovação de tecnologias originais", vendo a "criação de universidades de grande calibre, em especial as universidades de pesquisa de nível mundial" como "um pré-requisito para melhorar as inovações do país na área de ciência e tecnologia e instituir um sistema nacional de inovação". Seguindo essa iniciativa, o governo chinês lançou o Projeto 2011 no início de 2012, oferecendo apoio exclusivamente à expansão da capacidade de pesquisa e inovação das universidades por meio de colaborações de integração com institutos de pesquisa e a indústria. Mais recentemente, o relatório Opiniões sobre o Aprofundamento da Reforma Estrutural em Ciência e Tecnologia e a Aceleração da Construção do Sistema Nacional de Inovação (divulgado em setembro de 2012) promulga uma política para transformar a indústria numa grande investidora em pesquisa e desenvolvimento e na espinha dorsal da inovação tecnológica (como é o caso de Boeing, Lockheed Martin, Microsoft e Pfizer nos Estados Unidos), ao mesmo tempo mantendo o ímpeto de criar universidades de pesquisa de nível mundial na tentativa chinesa de otimizar seu sistema de pesquisa e desenvolvimento. De fato, em 2011, a indústria chinesa contribuiu com 74% do total gasto pelo país em pesquisa e desenvolvimento. Diante deste panorama, a fundação da UCAS parece afirmar uma mudança em curso na pesquisa e desenvolvimento na China, com o foco mais próximo do setor universitário.
 
O que virá a seguir?
Seguindo a criação da UCAS, uma novíssima Universidade Tecnológica de Xangai foi fundada em janeiro de 2013, também cliente da CAS (e do governo municipal de Xangai). As áreas acadêmicas dos programas de ensino dessa universidade correspondem àquelas dos institutos de pesquisa da franquia da CAS em Xangai. Além disso, seu diretor executivo também ocupa o mesmo cargo nesta franquia. Não se pode excluir a possibilidade de mais universidades deste tipo (ou versões delas derivadas) surgirem. Portanto, neste ponto podemos chegar à seguinte conclusão preliminar: se o papel da CAS enquanto entidade executiva no setor da pesquisa chegará ao fim em breve e os institutos a ela subordinados irão para as universidades, as universidades chinesas vão dar um imenso salto em termos de suas capacidades e condições de pesquisa. Afinal, a CAS tinha um orçamento anual de pesquisa de US$ 3,6 bilhões, abrangendo mais de 100 laboratórios nacionais de ponta e 45.400 pesquisadores (os números são de 2010). Se a CAS permanecer como é (seja por mais algum tempo ou no longo prazo), a China provavelmente veria uma lista cada vez maior de universidades de pesquisa dignas de destaque, e muitas outras universidades chinesas seriam beneficiadas pelas crescentes e cada vez mais intensas colaborações com os institutos de pesquisa da CAS, reforçadas pela nova política de incentivos da China e o aumento de dois dígitos no financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento.