13/06/2013

International Higher Education

A expansão do ensino superior promove mais igualdade na distribuição de renda?

Martin Carnoy
Martin Carnoy é professor de pedagogia Vida Jack da Faculdade de Pós-Graduação em Pedagogia da Universidade de Stanford, Stanford, CA. E-mail: carnoy@stanford.edu. Este artigo tem como base University Expansion in a Changing Global Economy: Triumph of the BRICS?, a ser publicado pela Stanford University Press em junho de 2013
Uma crença partilhada por muitos envolvendo os benefícios da expansão do acesso ao ensino diz que o acesso facilitado aumenta a mobilidade social e a igualdade na distribuição da renda. No caso do ensino superior, com o aumento no número de matrículas, jovens brilhantes de famílias de baixa renda têm maior probabilidade de ingressar nas universidades e concluir seus cursos. Em tese, isto deveria aumentar a chance desses indivíduos de encontrar mobilidade econômica ascendente, tornando-os mais bem qualificados para concorrer por empregos de salário mais alto associados à obtenção de um diploma universitário. Além disso, com o rápido aumento no número de formados no ensino superior, sua renda relativa pode diminuir, resultando numa distribuição mais igualitária da renda.
 
Esta crença se mantém apesar de uma realidade que a contradiz. Em muitos países nos quais o número de formados no ensino secundário e superior está aumentando num ritmo acelerado, a distribuição da renda está se tornando mais desigual e, em certos casos, a mobilidade social não foi alterada.
 
Pesquisas recentes realizadas por um grupo de estudiosos internacionais estudaram este fenômeno empiricamente, tentando compreender se a expansão do sistema de ensino cria uma maior desigualdade na renda. Tais pesquisas se concentraram no Brasil, Rússia, Índia e China, países conhecidos como membros dos BRICs. Os BRICs abrigam 40% da população mundial e, nos últimos 15 anos, apresentaram um imenso salto no número de matrículas no ensino superior.
 
Modelos para a variação na renda
Tradicionalmente, os economistas analisam a variação na renda de acordo com um modelo que a enxerga como uma função do nível de escolaridade na força de trabalho, da dispersão (variação) no número de anos de escolaridade na força de trabalho, da recompensa econômica por ano de escolaridade (proporção de retorno em relação à escolaridade), e da dispersão das proporções de retorno em relação aos diferentes níveis de escolaridade. Os economistas costumam supor que, conforme o nível de escolaridade na força de trabalho aumenta para patamares relativamente altos, o retorno proporcional à escolaridade diminui, havendo também um declínio na dispersão dos anos de escolaridade. Isto é bastante lógico, levando-se em consideração as teorias econômicas a respeito dos mercados de trabalho competitivos e o fato de a escolaridade parecer se expandir muito mais rapidamente do que a demanda dos empregadores por uma força de trabalho mais bem preparada.
 
Por outro lado foi observado que, mesmo enquanto os sistemas de ensino se expandem, incluindo a rápida expansão do número de formados pelas universidades na força de trabalho, a recompensa para estes profissionais formados não diminui, chegando até a aumentar em relação à recompensa para os formados no ensino secundário.
 
Por que isto ocorre? Há muitas explicações possíveis. Uma delas diz que uma força de trabalho de escolaridade superior pode ser substituída por uma força de trabalho de escolaridade inferior. Isto leva à tendência de reduzir os salários daqueles que tiveram menos ensino. Mesmo que os salários dos formados no ensino superior se mantenham relativamente constantes - como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos durante os anos 1980 - os salários dos formados no ensino secundário tendem a cair, conforme o mercado se torna cada vez mais "lotados" de trabalhadores menos qualificados. Outra explicação possível está relacionada à crescente intensidade de conhecimento envolvida na produção e nos serviços, cujo efeito é fazer com que a demanda por trabalhadores altamente qualificados pelo ensino superior aumente num ritmo mais acelerado do que o da expansão do sistema de ensino. Uma terceira explicação possível seria a de que os países implementam políticas fiscais que favorecem os indivíduos de renda mais alta, políticas anti-sindicais que pressionam a renda dos trabalhadores de escolaridade mais baixa. Tais políticas levariam a um aumento na desigualdade de renda.
 
Descobertas de nossa pesquisa
Independentemente de qual seja a explicação, mesmo com a rápida expansão do ensino superior nos quatro países estudados, parece que a recompensa proporcional para os formados nas universidades apresentou a tendência de aumentar (e não diminuir) no decorrer da última década, e também a tendência de expandir em relação à recompensa proporcional ao ensino secundário. Isto também aumentou a taxa de dispersão da recompensa entre os níveis do ensino. Juntos, esses "efeitos de recompensa" contribuíram para a crescente desigualdade de renda, em geral anulando os eventuais efeitos equalizadores observados na força de trabalho resultantes do nível mais alto de escolaridade e da redução na diferença entre os anos de escolaridade dos trabalhadores.
 
Assim, tais resultados observados nos BRICs mostram que, na última década, a expansão do ensino superior e a mudança na proporção de retorno relativa ao nível de ensino a ela associada pareceram manter ou ampliar a desigualdade na renda. No Brasil, duas forças opostas no ensino afetaram a distribuição de renda: o aumento na diferença na proporção de retorno em relação ao ensino multiplicado pelo aumento no nível médio da escolaridade contribuíram para aumentar a desigualdade de renda. Entretanto, contrariando essa tendência, a queda na recompensa média pela escolaridade no Brasil, somada a um aumento na diferença no tempo de ensino na força de trabalho, ajudaram a reduzir a desigualdade de renda. Na China, a taxa de retorno relativa à escolaridade e o crescimento do número de anos de escolaridade na força de trabalho contribuíram especialmente para aumentar a desigualdade de renda. Na Índia houve provavelmente um aumento na desigualdade em decorrência de fatores externos ao rápido aumento no nível de escolaridade na força de trabalho. Por fim, na Rússia parece que a expansão no ensino levou a um pequeno aumento na desigualdade de renda, apesar de mudanças menores na taxa de retorno relativa à escolaridade. Assim como ocorreu na Índia, na Rússia a principal mudança na desigualdade de renda decorreu provavelmente de outros fatores não observados.
 
Dois outros fatores podem ser responsáveis pelo aumento na desigualdade observado na China, Rússia e Índia, ou, como ocorre no Brasil, pela permanência da desigualdade num nível mais estável do que o esperado - no contexto de políticas mais gerais de redistribuição de renda. O primeiro desses fatores é a crescente diferenciação do gasto nas instituições de ensino de massas e de elite no Brasil, China e Rússia (algo que não se observa na Índia). No decorrer dos últimos 5-10 anos, o gasto por aluno aumentou nas instituições de elite, ao passo que o gasto por aluno pode ter até diminuído nas instituições de massa. Como os estudantes de classe social mais elevada apresentam maior probabilidade de dominar as instituições de elite, eles são desproporcionalmente beneficiados por esta diferenciação.
 
O segundo fator é a distribuição do gasto público geral com o ensino superior. Este gasto público - mesmo num país como o Brasil, onde 75% dos alunos frequentam universidades privadas sem subsídio do governo - é bastante distorcido no sentido de favorecer os estudantes provenientes das famílias que representam os 20% superiores da pirâmide de renda. Os estudantes de renda mais alta no Brasil, China, Índia e até Rússia, que chegam perto de representar o total dos alunos no ensino pós-secundário, são aqueles que recebem pesados subsídios do estado.
 
A imensa expansão do ensino superior nos BRICs não teve, portanto, o efeito de gerar mais igualdade na distribuição da renda. Tais resultados implicam que, na ausência de poderosas políticas fiscais e sociais voltadas diretamente para a redução da desigualdade de renda, esta permanecerá alta e pode até seguir aumentando.