27/05/2015

International Higher Education | 79

A emergência global da educação liberal, ou formação geral

Kara A. Godwin
Professora Visitante e consultora no Center for International Higher Education / Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College. E-mail: kara.godwin@gmail.com
Ao longo das últimas duas décadas, a educação liberal — muitas vezes chamada de artes liberais ou educação geral — tem surgido com prevalência surpreendente em locais como Rússia, Índia, Gana, China, Israel, Holanda, Chile, Bangladesh e Brasil — locais onde raramente exista antes. Este não é um fenômeno isolado, mas uma tendência global que apesar de pequena é potencialmente significativa.  
 
Por séculos, o ensino superior na maior parte do mundo tem sido organizado em volta de estudos profissionais e uma filosofia utilitarista. Seu proposito tem sido criar uma força de trabalho capaz de preencher posições necessárias na indústria, saúde, escolas e serviço público. 
 
Estudantes, como resultado, participam em um currículo focado em seus campos de estudos para se tornarem advogados, engenheiros, médicos, contadores e professores, etc.
 
Por outro lado, a educação liberal, apesar de suas raízes gregas, há muito tempo tem sido considerada uma tradição americana, sendo comumente associada com as faculdades de artes liberais nos Estados Unidos, apesar de também estar disponível em algumas universidades americanas de pesquisa. Desenvolvimento de programas contemporâneos e reformas em contextos que não são dos Estados Unidos são um fenômeno por duas razões. O número e evolução geográfica de programas em anos recentes são inesperados, e a filosofia da educação liberal forma um contraste acentuado com relação ao currículo pós-secundário fora dos Estados Unidos.  
 
Entretanto, o surgimento global da educação liberal aconteceu relativamente desapercebido. Com alguns resultados surpreendentes, um novo estudo fornece um perfil inaugural sobre onde, quando e em que formato a educação liberal está emergindo em todo mundo. Com base na análise do Global Liberal Education Inventory (GLEI), sigla em inglês para Inventário da Educação Liberal Global, um novo catálogo de 183 programas de educação liberal não americanos, o estudo levanta questões criticas sobre a presença da educação liberal em novo meio cultural.
 
Uma breve definição
A definição de “educação liberal, juntamente com “artes liberais” e “educação geral,” tem sido associado e contestado por séculos”. Explicado apenas brevemente aqui, três critérios foram usados para qualificar programas para inclusão no GLEI. Contrário ao currículo especializado focado em carreira que tem sido a norma pós-secundária padrão na maior parte do mundo, a educação liberal é (1) interdisciplinar, fornecendo ampla base de conhecimento da ciência social, humanidades e ciências naturais / física; (2) inclui um protocolo de “educação geral,” cursos ou currículos necessários para todos os estudantes em um programa; e (3) enfatiza pelo menos dois dos que se seguem: qualificações transferíveis — comunicação oral e escrita, análise e síntese, soluções de problemas, informação e literácia quantitativa, raciocínio ou lógica, pensamento crítico, criatividade, etc., cidadania / responsabilidade social / ética, competência global, e /ou, centralização no estudante e desenvolvimento holístico do estudante.
 
“A educação geral” pode ser um termo confuso em um contexto internacional, onde é às vezes usado no lugar do termo descritor mais polemico, “educação liberal.” É possível para um programa oferecer educação geral sem ser liberal. Também é possível para um programa ser rotulado como “educação geral,” quando na verdade o currículo inclui todos os três elementos da educação liberal mencionados acima, e o qualifica para inclusão no CLEI. Hong Kong é um exemplo primário.
 
Onde a educação liberal tem surgido globalmente?
A educação liberal agora existe em pelo menos 58 países e em cada continente com instituições pós-secundárias, uma declaração que não poderia ser feita há apenas algumas décadas. De maneira surpreendente, a Ásia — não a Europa tem a presença mais forte da educação liberal que qualquer região acima da América do Norte. Com base no GLEI, a Ásia responde por 37 por cento dos programas de educação liberal fora dos Estados Unidos. Três quartos dos programas de educação liberal asiáticos estão localizados na China, Índia e Japão, enquanto que algumas, porem importantes iniciativas estão nos menos desenvolvidos Butão, Afeganistão e Bangladesh. O governo central, interessado em melhorar o pensamento critico e a criatividade na China está impulsionando a reforma da educação liberal, que contrasta o currículo tradicional do país. Também na região, uma ordem sem precedente por todo o sistema pela educação liberal está acontecendo em todo o sistema de ensino superior público de Hong Kong. Iniciativas de educação liberal e geral, juntamente com mudanças nos ciclos de estudo estão sendo implementados em todas as instituições públicas.
 
Na Europa, que responde por 32 por cento dos programas fora dos Estados Unidos, a educação liberal pode ser livremente diferenciada entre os desenvolvimentos nas sub-regiões ocidental e oriental. No oeste, as reformas da educação liberal estão muitas vezes afiliadas com o processo de Bolonha e a necessidade de melhor definir o conteúdo do primeiro ciclo do ensino superior. Novos programas como os da Holanda, por exemplo, foram criados para diversificar o ensino superior e incentivar um escalão de excelência em um sistema de outro modo igualitário. Inversamente, a educação liberal está mais intimamente relacionada com transferências de poder politico e com as democracias emergentes do Pós-guerra Fria em estados orientais onde experiências com novas filosofias educacionais estão conquistando aceitação.
 
No Oriente Médio e países árabes, a educação liberal é comumente denominada de educação no “Estilo Americano” e do ponto de vista público, muitas vezes sinônimo de boa qualidade. Seu sucesso de mercado como convenção de nomes, contudo, não reflete os frequentes desafios culturais apresentados pela segregação de gênero e proeminência da lei religiosa. A região responde apenas por 9 por cento das iniciativas do GLEI, porem atrai muita atenção como um destino incomum para a educação que incentiva o pensamento critico. 
 
Com base no GLEI, a educação liberal é comparavelmente menos prevalente na América Latina (7 programas ou 4% daqueles fora dos Estados Unidos), Africa, (4 programas ou 2%) e Oceania (7 programas ou 4%). As iniciativas de educação liberal da América Latina estão muitas vezes afiliadas com a Igreja Católica e diferente de muitos programas do inventário, nenhum deles usa o inglês como idioma de instrução. Os programas africanos, embora pequenos em seus números, oferecem oportunidades pós-secundárias únicas, onde o ensino superior é prejudicado pela demanda e onde os fundadores esperam que a filosofia impacte o desenvolvimento social e econômico em Gana, Quénia, Marrocos e Nigéria. Na Oceania, a Austrália é o único país com iniciativas de educação liberal. Diferente da maioria das regiões onde a educação liberal representa um papel menos que proeminente nos sistema de ensino superior, a Universidade de Melbourne, de melhor classificação no ranking desenvolveu um currículo de graduação liberal, agora adotado por outras instituições de renome internacional. 
 
Finalmente, pelo fato dos Estados Unidos terem sido excluídos deste estudo, o Canadá foi o único representante da região da América do Norte. O Canadá tem 21 programas, mais que qualquer outro único país. Como um todo, no entanto, parece ter pouca influência no diálogo e atividade em torno do desenvolvimento recente da educação liberal global. O Canadá tem uma história mais longa de educação liberal que a maioria dos países; apenas 3 iniciativas emergiram desde 1990. Duas destas, a U4 League, um consorcio de quatro instituições consagradas de educação liberal, e a Quest University, que fornece um currículo único em uma cultura acadêmica diversa, têm o potencial de estabelecer novos precedentes para educação liberal no Canadá e Educação liberal de forma mais ampla. 
 
Quando e como a educação liberal surgiu globalmente?
A análise do GLEI ilustra que a evolução cronológica da educação liberal no mundo é surpreendente. Embora vestígios da filosofia da educação tenham existido nas universidades desde a fundação de Oxford e Cambridge, 59 por cento dos 183 programas do GLEI começaram desde 1990. O extraordinário percentual de 44 por cento de todos os programas de educação liberal fora dos Estados Unidos foram iniciados desde 2000. 
 
Globalmente, os programas de educação liberal estão divididos quase equitativamente entre as iniciativas privadas e públicas, embora diferenças significativas existam no número de programas públicos / privados quando analisados por região.
 
Dado o rápido crescimento da educação privada, é surpreendente que desde 2000 tenha surgido 20 por cento mais programas de educação liberal pública que privado—devendo-se parcialmente a iniciativas na China e Hong Kong.
 
O inglês é usado por 81 por cento dos programas globalmente e por 46 por cento dos programas em países onde não é a língua oficial. Embora muitos programas tenham afiliação institucional ou parcerias formais, 57 por cento dos programas de educação liberal operam de maneira independente. Daqueles com afiliação, o número de parcerias nacionais (entre dois programas no mesmo país) excede as relações transfronteiras. Imprevistamente, apenas um terço de todas as afiliações institucionais da educação liberal está com os programas nos Estados Unidos. 
 
A educação liberal em nível mundial: filtrar, não proliferar
O crescente interesse na educação liberal globalmente não é meramente uma coincidência; é uma tendência, porém aquela cujo significado permanece difícil de ser discernido neste momento. Com algumas exceções — como a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong e a Universidade de Melbourne na Austrália — o desenvolvimento da educação liberal permanece um fenômeno que ocorre na área periférica sem influenciar fortemente a educação convencional de renome mundial onde a atenção, os recursos e o conhecimento da pesquisa estão concentrados. 
 
O número de programas e o número de estudantes matriculados na educação liberal são pequenos quando comparados à educação superior pós-secundária profissional. Apenas 2 por cento dos países (5 no total, incluindo os Estados Unidos) têm mais de 10 programas de educação liberal. A vasta maioria dos países do GLEI, quase 80 por cento, tem apenas de uma a três iniciativas em seus sistemas de ensino superior. “A aglomeração na parte inferior” da distribuição global dilui o potencial para a educação liberal de influenciar sua própria legitimidade percebida ou o setor de educação convencional de renome mundial em termos mais gerais.
 
Esta é uma observação, não uma prescrição para desenvolver mais os programas de educação liberal. O estudo do GLEI deu origem a várias perguntas que desafiam hipóteses positivas, muitas vezes proclamadas por entusiastas das artes liberais. Incluídas entre elas estão às dificuldades de conceber currículo culturalmente relevante; mudanças necessárias nas abordagens ao aprendizado e ao ensino; falta de condições e de acesso à educação liberal que perpetua o elitismo e a falta de equidade; e questões de neoliberalismo e hegemonia cultural que podem resultar da influência ocidental na educação em outras partes do mundo.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
Diretor da San Ives International Language Center
Rua Roberto Simonsen, 421
Parque Taquaral
13076-416 Campinas SP
(19) 3365 -1035

Ordem de Fornecimento 116799-14/1 emitida em 15 de outubro de 2014 pela Funcamp,
após indicação do Gabinete da Reitoria