26/03/2014

International Higher Education

25 anos de internacionalização na Europa: a AEEI num mundo em transformação

Hans de Wit e Fiona Hunter
Hans de Wit é diretor do Centro para a Internacionalização do Ensino Superior na Università Cattolica Sacro Cuore em Milão, Itália, e professor de internacionalização do ensino superior na Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã, Holanda. É membro fundador da Associação Europeia para o Ensino Internacional, da qual foi presidente. E-mail: j.w.n.de.wit@hva.nl. Fiona Hunter é consultora em ensino superior e pesquisadora associada no Centro para a Internacionalização do Ensino Superior. Também é ex-presidente da Associação Europeia para o Ensino Internacional. E-mail: fionajanehunter@gmail.com.
Com o grande programa ERASMUS da União Europeia criado em 1987 e a Associação Europeia para o Ensino Internacional (AEEI) fundada em 1989 em Amsterdã, a Europa respondeu a numerosos desafios. A promoção da mobilidade dos estudantes era considerada parte da política externa. Laços históricos com antigas colônias, políticas econômicas e medidas públicas, e a mobilidade tradicional das elites (tanto das ex-colônias para a Europa quanto da Europa para a América do Norte) dominaram o cenário do ensino internacional. O comércio no ensino, a prestação transfronteiras e as franquias universitárias estavam presentes nos anos 1980, mas ficavam à margem dos discursos e políticas do ensino superior. Não havia classificação internacional de universidades. Bolonha era apenas uma cidade, e também a mais antiga universidade italiana. A cooperação prevalecia com a comercialização, e a concorrência envolvia obscuros fenômenos anglo-saxônicos que jamais chegariam ao continente.
 
Anteriormente, políticas nacionais e institucionais eram inexistentes, assim como uma política europeia para a internacionalização; mas, 25 anos mais tarde, a Comissão Europeia acaba de publicar sua primeira estratégia abrangente de internacionalização: Ensino Superior Europeu no Mundo. Além disso, a AEEI realizou sua 25.a conferência - a maior até hoje - em Istambul, com 4.800 participantes de todo o mundo.
 
AEEI: necessidades e realidades em transformação
A AEEI respondeu às necessidades atuais e às realidades em transformação no ensino superior europeu: nos anos iniciais, o Programa Erasmus e logo outras iniciativas da Comissão Europeia para a cooperação no ensino, pesquisa e desenvolvimento tanto dentro da Europa quanto fora do continente; a inclusão do ensino no Tratado de Maastricht de 1992; e a subsequente atenção maior por parte dos governos nacionais e instituições do ensino superior no sentido da internacionalização.
 
Embora o foco principal tenha sido a mobilidade, a AEEI sempre levou em consideração a questão dos outros 90% dos estudantes sem mobilidade e, em 1999, a Associação lançou o movimento “Internacionalização em Casa”. Cada vez mais ele é considerado um elemento central das estratégias de internacionalização, sendo hoje um dos pilares fundamentais da nova estratégia de internacionalização da Comissão Europeia, ao lado da mobilidade e das parcerias.
 
A AEEI, antes do tamanho de uma startup, cresceu até assumir a realidade de uma associação viva e operante numa época em que o ritmo da integração política e econômica na Europa e no seu sistema de ensino superior se acelerou em meio a grande animação, inovação, cooperação e expansão. Tanto as políticas da AEEI quanto da Comissão Europeia foram impulsionadas por uma visão poderosa e fortes ideais de uma Europa unida, de acesso igualitário ao ensino superior, e do ensino internacional como atividade chave no currículo, não apenas para o desenvolvimento pessoal, mas como maneira de construir um mundo melhor. Houve anos de otimismo e fé no futuro europeu, e foi nesse contexto que a Declaração de Bolonha foi assinada em 1999.
 
Ensino superior europeu para outras regiões
O processo de Bolonha foi concebido e desenvolvido em boa medida por causa da experiência extremamente positiva e da influência da cooperação dentro do Erasmus, anunciado como uma das iniciativas europeias mais bem sucedidas. Inicialmente, o foco principal estava na dimensão interna de direcionar o Parlamento Europeu para o propósito de mais pontos em comum na estrutura de diplomas, no sistema de créditos e no controle de qualidade; mas isso logo adquiriu uma dimensão externa. Além de criar uma identidade externa para as instituições europeias do ensino superior, o surgimento da Área Europeia de Ensino Superior também gerou grande interesse pelos novos instrumentos e modelos em outras regiões do mundo, ainda que nem sempre tenham sido plenamente implementados em toda a Europa.
 
No mesmo período, a União Europeia ampliou o número de seus membros de 15 para 27 países, e o euro foi introduzido como moeda única. Entretanto, a sensação de integração e a segurança econômica e política de um espaço europeu único logo se viram ameaçadas, primeiro pelo trágico ataque contra as Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, e depois pela rejeição da Constituição Europeia pelos eleitores holandeses e franceses em 2005 e, mais recentemente, pelos problemas econômicos globais e europeus que tiveram início com a crise financeira mundial de 2008.
 
Ao mesmo tempo, o Ensino Superior Europeu enfrentava as poderosas pressões da globalização e o surgimento da economia do conhecimento, mudanças nos equilíbrios econômicos e na demografia, e uma revolução cada vez mais acelerada da tecnologia da informação. A Estratégia do Conselho Europeu estabelecida em Lisboa em 2000 buscou tornar a União Europeia a economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo - talvez algo demasiadamente ambicioso. As classificações globais começaram a ter impacto nas universidades conforme estas pensavam a respeito de si mesmas e de como seu papel era visto pela sociedade e pela indústria em geral, exigindo delas que mudassem num ritmo sem precedentes.
 
O empreendimento emergente do ensino superior
A conferência da AEEI cresceu rapidamente porque novas profissões internacionais do ensino estavam surgindo naquilo que é cada vez mais descrito como o “empreendimento do ensino superior”. Ao contrário, esta se tornou a principal vantagem competitiva da Europa. Parcerias estratégicas, programas conjuntos, diplomas duplos e outros projetos de colaboração ganharam importância na programação da conferência. Conforme a conferência da AEEI se torna cada vez mais forte, a Europa vive uma incerteza cada vez maior em meio à crise econômica global. O sonho europeu, que tanto influenciou a criação da AEEI 25 anos atrás, enfrenta um grave desafio. A criação da cidadania europeia, um dos principais objetivos dos programas europeus, parece estar cada vez mais distante.
 
No ensino superior, novos provedores surgem para questionar os modelos universitários tradicionais. A rápida ascensão do ensino superior privado - tanto nas instituições sem fins lucrativos quantos nas que buscam o lucro - se tornou um fenômeno global, atendendo a 30% da população de estudantes. Surgem novas formas de ensino superior, com os grandes cursos abertos oferecidos online sendo celebrados como a grande novidade capaz de mudar o quadro atual.
 
Novas oportunidades
Espera-se que as universidades se tornem participantes chave na economia global do conhecimento, e a internacionalização é identificada como resposta chave para a globalização. Isto alterou radicalmente o entendimento da internacionalização nas universidades, conforme esta deixa de ser uma atividade marginal para figurar entre as atividades principais, não mais localizada exclusivamente nos escritórios internacionais, e sim incluída entre as partes centrais da estratégia universitária.
 
Isto exige um significativo esforço de reelaboração, e cada universidade deve deve interpretar a internacionalização no contexto específico de sua missão. O foco mais intenso nas competências interculturais, internacionais e globais e nos resultados de aprendizado dos formandos e funcionários, o elo entre internacionalização, empregabilidade e cidadania ainda exigem novas abordagens e estratégias, bem como novos métodos para os resultados e seu impacto. Será que a internacionalização ainda é inquestionável? Ou será que as ditas facetas sombrias da internacionalização geram tensões que vão prejudicar as razões que tornam o ensino internacional benéfico? Na próxima década, veremos mais “Europa" ou menos? Além disso, como as relações com outras regiões do mundo serão afetadas?
 
Inevitavelmente, há pela frente mais mudanças conforme fazemos perguntas fundamentais a respeito dos papeis e responsabilidades do ensino superior e, consequentemente, do propósito e do alcance da internacionalização. Nos próximos 25 anos, a nova política da Comissão Europeia e a continuidade da força da AEEI enquanto nódulo de conhecimento no ensino superior europeu e internacional vão proporcionar uma nova plataforma para que tais questões sejam feitas - e, espera-se, respondidas.
 
Esta é uma versão resumida e atualizada do primeiro capítulo do livro Possible Futures, The Next 25 Years of the Internationalization of Higher Education, publicado pela AEEI por ocasião do seu 25.o aniversário, 2013/2014 (www.eaie.org)