30/03/2015

Formação geral nos EUA

“No Yale College, forçamos o estudante a expandir suas atividades e interesses”

A jornalista Rachel Bueno entrevista com exclusividade para a Ensino Superior o historiador Jonathan Holloway, diretor do Yale College

Rachel Bueno
Michael Marsland
Jonathan Holloway não cursou a graduação em Yale – ele obteve seu diploma em estudos americanos por Stanford –, mas teve a chance de conviver diária e intensamente com centenas de alunos do Yale College. Entre 2005 e 2014, Holloway dirigiu o Calhoun College – e, como cabia ao “mestre” de um dos 12 colégios residenciais de Yale, morou lá com sua família durante todo esse período. A experiência proporcionou-lhe um entendimento profundo de quem são os frequentadores da escola de graduação de Yale e por que eles, em sua maioria, se orgulham tanto da universidade em que estudam. O segredo, na opinião do hoje diretor do Yale College, está na singularidade de Yale: um lugar em que os alunos podem usufruir, ao mesmo tempo, os recursos de uma grande universidade de pesquisa e a intimidade dos colégios residenciais. Segundo ele, não há nada parecido em nenhuma outra universidade dos Estados Unidos – nem mesmo na prestigiosa Harvard, que figura à frente de Yale nos principais rankings internacionais e é a sua maior rival nas competições esportivas universitárias.
 
Amo a ideia de que durante quatro anos o jovem vá viver em um mundo completamente novo para ele, longe de casa. É a oportunidade perfeita para que ele pressione todos os limites com os quais cresceu; explore novos territórios; curse disciplinas que jamais imaginou que cursaria um dia. Doutor em história por Yale e membro do corpo docente da universidade desde 1999, Holloway assumiu a direção do Yale College em julho de 2014. Seu nome já havia sido cogitado para o cargo em 2008, quando o atual reitor de Yale, Peter Salovey, deixou-o para ocupar o posto de diretor acadêmico (provost) da universidade. Em setembro daquele ano, o jornal estudantil Yale Daily News, produzido pelos alunos de graduação e considerado o mais antigo do gênero nos Estados Unidos – sua criação remonta a 1878 –, publicou uma reportagem sobre o assunto em que enumerou os motivos pelos quais Holloway poderia ou não ser escolhido para suceder a Salovey. Segundo o jornal, o professor de história, estudos afro-americanos e estudos americanos destacava-se principalmente por seu carisma, além do fato de conhecer muito bem os alunos de graduação de Yale, de ter boa reputação em sua área de especialização e de ser negro, o que ia ao encontro dos planos do então reitor Richard Levin de aumentar a diversidade nos altos escalões da universidade. Contra ele pesavam, de acordo com o Yale Daily News, a pouca idade – Holloway tinha 41 anos – e a existência de um único livro de sua autoria em seu currículo.
 
Não se trata do aprendizado de habilidades profissionais, embora queiramos garantir que os alunos se tornem melhores escritores ou aperfeiçoem suas habilidades linguísticas e quantitativas. Trata-se, mais amplamente, de adquirir amor por aprender. A direção do Yale College acabou sendo entregue em 2008 a Mary Miller, a primeira mulher a chegar ao degrau mais alto na hierarquia administrativa da escola. Foi a ela que Holloway sucedeu em 2014. Seis anos mais velho, ele trazia no currículo, além de um segundo livro escrito, o prêmio William Clyde DeVane do Yale College, que lhe foi outorgado em 2009 por sua distinção no ensino de graduação; a experiência de ter presidido o Conselho de Mestres dos colégios residenciais de Yale de 2009 a 2013; e a chefia do Departamento de Estudos Afro-Americanos, assumida em 2013 e interrompida precocemente por força do novo cargo.
 
Claro que esperamos que eles saiam daqui mais inteligentes e com mais habilidades. Mas eu, pessoalmente, estou mais interessado em que se tornem uma pessoa melhor. Na entrevista abaixo, concedida em setembro de 2014, em seu gabinete, à jornalista Rachel Bueno, que viajou a New Haven com recursos do Programa Mobilidade de Funcionários Técnico-Administrativos da Unicamp, Holloway falou de suas atribuições à frente do Yale College, das características da educação em artes liberais oferecida pela escola e dos efeitos dessa educação sobre os jovens que a recebem. “Se tivermos feito nosso trabalho corretamente”, afirma Holloway, “os alunos mal se reconhecerão ao sair daqui”.
 
O senhor poderia descrever seu papel como diretor do Yale College?
Quando as pessoas pensam em Yale, a maior parte delas está pensando, na verdade, no Yale College, na experiência da graduação. O diretor do Yale College é o diretor-executivo dessa experiência. Sou responsável por tudo que se relaciona a ela, acadêmica e extracurricularmente. É um trabalho considerável, e tenho uma grande equipe. O que considero particularmente especial no Yale College – em termos de como ele é administrado, e não da experiência da graduação – é que os aspectos curricular e extracurricular estão entrelaçados. Tanto os assuntos acadêmicos como a vida estudantil estão sob minha responsabilidade. Isso não se vê com frequência nas universidades. Em geral, há uma estrutura administrava completa para o componente da vida estudantil, separada da dos assuntos acadêmicos. Uma das razões pelas quais acredito que aqui seja diferente é porque nossos colégios residenciais não são autônomos como, vamos dizer, os de Oxford ou Cambridge. Todos os mestres dos colégios se reportam a mim – no fim, ao reitor, mas, mais efetivamente, ao diretor do Yale College. Como diretor no topo de toda essa experiência, o que a faz ser não sei se única, mas pelo menos incomum, é o fato de que me encontro diariamente com pessoas encarregadas de administrar o currículo e com pessoas encarregadas dos centros culturais do campus ou dos grandes eventos realizados aqui. Essa é minha vida diária. Meu gabinete de liderança é formado pelos chefes das unidades de assuntos acadêmicos, de vida estudantil, de assuntos internacionais, de admissões... Nesse sentido, cada um desses assuntos pode, a cada dia, ser o mais importante do dia.
 
Com relação especificamente aos assuntos acadêmicos, o senhor poderia explicar em que consiste a educação em artes liberais oferecida pelo Yale College?
O que mais gosto no sistema de artes liberais é que o aluno chega aqui como calouro, no primeiro ano, e colocamos diante dele uma lista de exigências/opções. Exigimos que ele, no decorrer dos quatro anos que passará aqui, curse disciplinas relacionadas a diversas áreas e habilidades. Tentamos forçá-lo, ou melhor, nós o forçamos a expandir suas atividades e interesses. Um aluno pode vir para Yale realmente convencido de que quer tornar-se médico. Ele certamente vai pegar muitas disciplinas na área de biologia, na área de química. No entanto, nós acreditamos – e o modelo de artes liberais sugere isto – que, se cursar apenas essas disciplinas, ele perderá uma oportunidade enorme não só de aprender com grandes estudiosos, mas de obrigar-se a seguir disciplinas que tenham componentes de escrita ou estejam relacionadas às humanidades, às ciências sociais. Estamos ensinando esse jovem cientista a ter um entendimento mais amplo do mundo e um entendimento mais amplo do contexto. É disto que tratam as artes liberais: de tentar criar um sopro de conhecimento para que os alunos tenham melhores condições de entender o mundo e toda a sua complexidade. O desafio da educação em artes liberais é que não conseguimos alcançar o tipo de profundidade que se consegue no modelo inglês, no modelo brasileiro, em que um aluno de biologia, por exemplo, já é um biólogo no momento em que sai da universidade. Aqui, ele ainda não é um profissional – é para isso que servem as escolas de pós-graduação. Sou uma parte do sistema; é o sistema que conheço. Mas amo a ideia de que durante quatro anos – em geral, entre os 17 e os 21 anos – o jovem vá viver em um mundo completamente novo para ele, longe de casa. É a oportunidade perfeita para que ele pressione todos os limites com os quais cresceu; explore novos territórios; curse disciplinas que jamais imaginou que cursaria um dia. Não se trata do aprendizado de habilidades profissionais, embora queiramos garantir que os alunos se tornem melhores escritores ou aperfeiçoem suas habilidades linguísticas e quantitativas. Trata-se, mais amplamente, de adquirir amor por aprender. É como vejo as artes liberais. E, apenas para ficar claro: as artes liberais não se resumem a disciplinas de filosofia, de história. Elas também compreendem disciplinas de química, por exemplo. Elas são tudo isso – tudo isso junto.
 
Como as experiências internacionais se encaixam na vida dos alunos do Yale College?
Quando se trata de experiência internacional, Yale é um lugar interessante. A experiência nos colégios residenciais é tão distinta em Yale que as pessoas não querem passar um semestre fora deles. Por isso, nosso programa de estudos no exterior não é tão robusto como os de outras escolas. Ou melhor, não era tão robusto. Nos últimos cinco anos houve um aumento do programa de estudos no exterior durante o verão, com oportunidades de financiamento. Não havia isso antes. Há uns três, quatro anos, deixamos de só mandar nossos alunos para o exterior e também passamos a receber alunos internacionais no campus por meio do Yale Visiting International Student Program (Y-VISP – Programa de Alunos Internacionais Visitantes), o que é ótimo. No começo, os mestres dos colégios residenciais estavam um pouco hesitantes com relação a isso, pois teriam de ceder algumas vagas, que são muito disputadas, para alunos que não faziam parte de Yale e só ficariam aqui por um ano. Devo dizer que fui um dos mestres que hesitaram. Não estava convencido sobre o programa. Como nós estávamos errados! Os alunos do Y-VISP são incríveis. Eles vêm para cá e procuram descobrir tudo que faz da experiência de Yale a experiência de Yale. Depois da Freshmen Assembly, o grande evento de abertura do ano, o reitor e eu estávamos na linha de recepção, cumprimentando as pessoas, e havia grupos de alunos do Y-VISP. Eles vinham, apresentavam-se, diziam de que país eram, de que instituição, e asseguravam-se de que o reitor e o diretor do Yale College os reconhecessem por estar aqui, por serem os embaixadores de suas universidades em Yale. Aquilo me impressionou muito.
 
Também impressiona o orgulho com que os alunos falam de Yale, a identificação que eles têm com a universidade. A que o senhor atribui isso?
Eu não fui aluno de graduação em Yale. Fiz pós-graduação aqui. Quando voltei para cá, depois da pós-graduação, para ser professor, passei a conviver com os alunos de graduação em sala de aula e achava que os conhecia muito bem. Depois de um tempo, fui convidado a ser mestre de um colégio residencial e comecei a viver com os alunos. Foi então que comecei a entender quem eram eles e fiquei completamente impressionado. Eles não são apenas tecnicamente inteligentes; são realmente talentosos de muitas outras formas. Isso acontecia na minha instituição de graduação, onde meus irmãos também estudaram, e eu achava que não dava para ser melhor do que aquilo. Achei isso durante 20 anos. Mas, em três meses morando no colégio residencial, eu já estava pensando: “Nossa, aqui é muito melhor do que em outros lugares”.
 
O aluno vem para Yale e tem acesso a todos os recursos existentes nas principais universidades de pesquisa do país, e isso é ótimo. Mas Yale é mais do que isso. No dia da mudança para o campus, por exemplo, em que os alunos veteranos levam todos os pertences dos calouros para os quartos e ajudam-nos a instalar-se, eu posso, no momento em que os carros chegam e as portas se abrem, olhar para dentro de um carro e dizer: “Olá, Verônica”. A aluna fica completamente tomada de emoção, a mãe começa a chorar e o pai começa a se dar conta de que há um adulto ali que sabe quem é a sua filha – não só um adulto, mas vários, porque pegamos as fichas e estudamos os nomes e os rostos dos calouros. Ou seja, aqui o aluno tem acesso aos recursos maciços de uma grande universidade de pesquisa e, ao mesmo tempo, à intimidade de uma faculdade de artes liberais – e ambas as coisas são reais.
 
Não conheço nenhum outro lugar que faça isso. Harvard tem um sistema residencial, de colégios, mas a estrutura é diferente. O aluno não se afilia a um colégio residencial até que esteja no segundo ano. Em Yale, por outro lado, ele entra pela porta e já é parte da comunidade. Nós realmente nos preocupamos muito com os alunos de graduação – não só nas salas de aula ou nos laboratórios, mas também no que se refere a sua qualidade de vida. Sentimo-nos responsáveis por eles. Yale não é uma grande universidade em termos de números, mas é espalhada; seria fácil alguém desaparecer aqui. Somos muito empenhados em torná-la segura para os alunos, e nesse sentido Yale pode parecer realmente pequena. Posso pegar o telefone e ligar para três ou quatro pessoas diferentes para falar sobre um determinado aluno que me chamou a atenção, e elas vão saber de quem estou falando. Em parte porque esse aluno deve ter algum problema especial, mas o fato de que o diretor da escola sabe quem ele é, da mesma forma que o mestre de seu colégio residencial ou alguém da área de assuntos estudantis, indica que ele não é um anônimo aqui.
 
Ao graduar-se pelo Yale College, quão diferentes estão os alunos em relação ao dia em que chegaram ao campus com seus pais pela primeira vez?
Esta é uma bonita pergunta. Depende do aluno. Se tivermos feito nosso trabalho corretamente, eles mal se reconhecerão. É engraçado... Em Calhoun, quando eu era o mestre do colégio, fazíamos uma apresentação com fotos dos alunos ao longo dos quatro anos da graduação. A aparência deles realmente mudava. Sabíamos que era a mesma pessoa, mas a aparência era diferente. Enfim, se tivermos feito nosso trabalho corretamente, eles terão uma visão muito mais ampla do mundo, um senso elevado de ética e um senso de lar e comunidade. Recentemente, em um jantar com alunos judeus, uma aluna do segundo ano que havia acabado de mudar-se do Old Campus, onde vivem os calouros, para seu colégio residencial, disse, no momento das apresentações, que a lembrança mais forte que ela guardaria de Yale seria a do dia em que retornou ao campus depois das férias de verão e, ao entrar em Berkeley como residente do colégio pela primeira vez, sentiu-se como se estivesse chegando em casa. É isso que torna Yale especial. Ela sabe onde é a casa dela de verdade, mas Yale está se tornando sua casa também, e isso significa que se está criando um espaço onde os alunos podem crescer. E claro que esperamos que eles saiam daqui mais inteligentes e com mais habilidades. Mas eu, pessoalmente, estou mais interessado – e presumo que seja isto o que aconteça – em que eles se tornem uma pessoa melhor, que sejam uma pessoa melhor ao se graduar pelo Yale College.