12/11/2013

revista Ensino Superior nº 11 (outubro-dezembro)

Uso de drogas por universitários

48,7% dos estudantes já experimentaram drogas ilícitas, o dobro da taxa da população brasileira

Por Renata Cruz Soares de Azevedo
Psiquiatra, professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM), coordenadora do Ambulatório de Substâncias Psicoativas do HC e do programa de prevenção ao uso de substâncias psicoativas da Unicamp. Email: reazeved@fcm.unicamp.br
O uso de substâncias psicoativas (SPA) lícitas (bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos com potencial de abuso) e ilícitas (cocaína, maconha, ecstasy, entre outras) é um dos temas que figuram entre as principais preocupações da sociedade atualmente.
 
As possibilidades de recorte do assunto são muitas e incluem: a compreensão antropológica sobre a antiga relação do homem com substâncias com potencial hedônico; aspectos sociais que tentam situar o uso de drogas na contemporaneidade; análise epidemiológica que aponta o crescimento do uso de várias SPA, além da experimentação em idades mais precoces; aspectos jurídicos que alimentam o intenso debate sobre legislações mais proibicionistas ou mais liberalizantes; vertente psicológica, que discute o tema a partir de aspectos emocionais e de personalidade; e recorte clínico, que aponta repercussões na saúde física e mental para usuários que desenvolvem com as SPA uma relação problemática. Isto para citar apenas alguns possíveis enfoques.
 
Toda esta gama de aspectos mantém-se quando discutimos o uso de drogas em um contexto particular que é o uso entre universitários e o papel da Universidade na abordagem do tema.
 
Dados nacionais recentes registram que 19% dos universitários fazem uso frequente de bebidas alcoólicas, 44% informaram ter bebido em binge (porre) no último mês, 48,7% já experimentaram drogas ilícitas, o dobro da taxa da população brasileira, e 26% informaram o uso de mais de uma droga no último ano. Não é possível observar tais cifras sem questionarmos o que significam, compreender as pessoas atrás dos números e discutir o papel do ambiente universitário como pano de fundo.
 
O uso de drogas entre universitários está relacionado a uma série de consequências, entre elas má qualidade do sono, falta de atenção, atrasos, faltas, saídas mais cedo das aulas, gerando prejuízo nas atividades acadêmicas, além de acidentes automobilísticos, violência e atividade sexual de risco.
 
Existem hoje acaloradas discussões relacionadas ao campo do uso de drogas, que frequentemente pecam por não fazer distinção entre medidas de abordagem preventiva e estratégias dirigidas a indivíduos que apresentam um uso de risco ou que já tenham danos instalados Outro fenômeno apontado por diferentes pesquisas nacionais e internacionais no tema é a modificação da distribuição por gênero, com uma significativa redução da proporção homem/mulher. O que este dado indica? Por um lado uma mudança no papel social das mulheres, que tem apresentado com maior frequência comportamentos historicamente tidos com mais “masculinos” tais com o uso de drogas. Embora tal dado indique uma “igualdade” entre homens e mulheres, também traz em si riscos particulares, considerando que de forma geral as mulheres apresentam maior vulnerabilidade de danos físicos e psíquicos relacionados ao uso de SPA, que se potencializam quando o uso é feito durante a gestação e amamentação.
 
Estudos indicam que em torno de dois terços das vezes o uso de SPA se inicia antes do ingresso na Universidade, todavia, no ambiente universitário ele é intensificado e iniciado para uma parcela significativa de jovens.
 
Torna-se pertinente discutir o que há de particular neste contexto, uma vez que a entrada na Universidade representa uma diferenciação nas oportunidades não apenas profissionais, mas também (e talvez principalmente) vivencias e relacionais. É importante apontar alguns elementos que permeiam esta etapa da vida: a transição da adolescência para a idade adulta, com decorrente modificação dos papéis vivenciados até então; adaptação à vida acadêmica, incluindo novas formas de aprendizado e avaliação; distanciamento da família, por muitos vivenciado com intenso sofrimento; necessidade de ingresso em nova rede social, com códigos próprios, nem sempre claros, além de se constituir na faixa etária de eclosão de vários transtornos mentais, com destaque para quadros ansiosos, depressivos e psicóticos.
 
Considerando isso, pergunta-se como a Universidade e seus constituintes (estudantes, professores e demais funcionários) lidam com as questões relacionadas ao uso de drogas lícitas e ilícitas.
 
A Universidade deve promover iniciativas preventivas, tornando-a um espaço protetivo no que tange à ampliação da rede social, dos horizontes culturais, das alternativas de prazer e lazer e da divulgação de informação sobre riscos associados ao uso de SPA, permitindo reflexão sobre escolhas Existem hoje acaloradas discussões relacionadas ao campo do uso de drogas, que frequentemente pecam por não fazer distinção entre medidas de abordagem preventiva, destinadas aqueles que não usam SPA ou que o fazem de forma não problemática e estratégias dirigidas a indivíduos que apresentam um uso de risco ou que já tenham danos instalados, destinatários de abordagens terapêuticas propriamente ditas. Penso que este é um dos principias desafios, a explicitação da política institucional no tema e estratégias de ampliação da participação da comunidade universitária na construção de formas mais criativas e eficazes de enfrentamento da questão.
 
Cabe assim sugerir potenciais espaços de atuação da Universidade, que deve ter como foco a criação de um ambiente propício ao debate sobre o tema, norteando-se por dados científicos que auxiliem na escolha de estratégias de abordagem; que seja capaz de promover iniciativas preventivas que desequilibrem a balança entre fatores de risco e proteção, tornando a Universidade um espaço protetivo no que tange à ampliação da rede social, do sentimento de pertencimento, da qualidade de vida, dos horizontes culturais, das alternativas de prazer e lazer e da divulgação de informação sobre riscos associados ao uso de SPA, permitindo uma reflexão sobre as escolhas.
 
Acrescido a isso, é importante haver iniciativas contínuas e periodicamente reavaliadas que abarquem estratégias preventivas e abordagens ágeis e acolhedoras por meio dos equipamentos de auxílio dentro e fora da Universidade quando da instalação de problemas relacionados ao uso de drogas.
 
Este conjunto de dados pode embasar uma agenda que tenha por meio uma discussão ampla e democrática com os diversos setores da Universidade e como fim a consolidação de uma política institucinal sobre as questões associadas ao uso de drogas entre universitários.
 
Referências:
 
Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento nacional sobre o uso de álcool, tabaco e outras drogas entre universitários das 27 capitais brasileiras. Brasília: Secretaria Nacional de políticas sobre Drogas; 2010.
 
Oliveira LG, Alberghini DG, Santos BD, Andrade AG. Polydrug use among college students in Brazil: a nationwide survey. Rev. Bras. Psiquiatr., 2013 jul-sep, 35(3), 221-30.
 
Pillon SC, Webster CMC. Teste de identificação de problemas relacionados ao uso de álcool entre estudantes universitários. Rev Enferm UERJ. 2006;14(3):325-32.
 
Kerr-Corrêa F, Andrade AG, Bassit AZ, Boccuto NMVF. Possíveis fatores de risco para o uso de álcool e drogas em estudantes universitários e colegiais da UNESP. J Bras Dep Quim. 2002;3(1):32-41.
 
Silva LVER, Malbergier A, Stempliuk VA, Andrade AG.  Fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 2, abr. p280-288 2006.
 
Carlini EA et al. VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras; 2010
 
II Levantamento domiciliar sobre uso de drogas psicotrópicas no Brasil: Estudo envolvendo 108 maiores cidades do país. Carlini EA, Galduróz JC et al. 2006