29/07/2013

revista Ensino Superior nº 10 (julho-setembro)

Universidades moçambicanas e o futuro de Moçambique

De 1997 até 2010, foram 13 anos de expansão contínua e sem critério, que fez passar de 10 mil estudantes para cerca de 120 mil, e de três instituições de ensino superior públicas e duas privadas para 44 instituições de ensino superior

Por Lourenço Joaquim da Costa Rosário
Reitor da Universidade Politécnica de Moçambique, presidente da Fundação Universitária para o Desenvolvimento da Educação (FUNDE), presidente do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa (FBLP). Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra. Professor convidado de universidades no Brasil, Portugal, Alemanha, Itália e Espanha. Autor de obras sobre tradição oral africana, literatura, história, cultura e sociedade africana
Introdução
O início da década de 1960 viveu vários acontecimentos que iriam marcar definitivamente a viragem do rescaldo das consequências do fim da Segunda Grande Guerra. O sistema colonial implantado na África começou a sentir os primeiros abalos, pondo em alvoroço as potências europeias que tinham possessões no continente, olhando, com algum pânico, o desmoronar do império que lhes dava acesso às inúmeras riquezas africanas. Por outro lado, e simultaneamente, a década de 1960 era também a fase da consolidação da consciência nacionalista que, de uma forma mais clara, contestava os processos de integração e assimilacionismo – que apareceram como recurso dos sistemas coloniais que procuravam apressadamente encontrar, entre os povos das colônias, quem pudesse continuar o sistema sem a presença dos próprios colonos na administração. O início dessa década é, igualmente, o despontar dos grandes conflitos regionais, nomeadamente no Vietnã, e dos golpes militares na América Latina, o que fazia prever um período de grandes mudanças que marcariam definitivamente o virar do século.
 
Pressionado pelos países colonialistas com regimes democráticos, como a França e o Reino Unido, que procuravam cooptar os nacionalistas para o neocolonialismo, Salazar empurrava os nacionalistas das suas colônias para a luta armada O regime colonial português era um parente pobre nessa movimentação planetária. Por isso, não entendeu logo o movimento nacionalista numa perspectiva global e tentou encontrar a sua própria leitura, misturando a visão demonizada das consequências da Guerra Fria e a percepção de que o seu sistema colonial era diferente – mais doce e aceitável perante os povos africanos. Apostou na assimilação e assunção da "portugalidade ultramarina". É desse modo que o regime colonial português passou ao largo da grande visão de mudanças que a década de 60 prometia ao país.
 
Em 1961, pressionado pela chamada década da África, em que os países colonialistas com regimes democráticos, nomeadamente a França, o Reino Unido e a Bélgica, procuravam manobrar os nacionalistas africanos para enveredar pelos caminhos do neocolonialismo, Salazar empurrava os nacionalistas das suas colônias para a única alternativa que lhes sobrava — a luta armada. Não se pode considerar pura coincidência o início da luta armada de libertação das colônias portuguesas e o fato de o regime colonial ter estabelecido, em Luanda e em Lourenço Marques, as primeiras escolas de educação superior, conhecidas por "Estudos Gerais". Acompanhado de um processo de crescimento do ensino secundário, , supunha-se que a criação de Estudos Gerais constituísse de uma elite negra que continuasse a administrar o sistema colonial na África. Contudo, não foi isso que aconteceu. O ensino superior criado em Angola e em Moçambique na década de 1960 não absorveu a elite negra, de tal forma que, quando uma década depois colapsou o regime colonial, a elite negra não estava nas universidades de Angola e de Moçambique. Estava sim, sobretudo, nas matas combatendo o regime colonial, ou exilada no estrangeiro.
 
O ensino superior criado em Angola e Moçambique na década de 1960 não absorveu a elite negra; quando o regime colonial entrou em colapso, uma década depois, a elite negra não estava nas universidades, estava nas matas, combatendo o regime colonial, ou exilada Desenvolvimento
Com esta introdução, pretende-se demonstrar que a construção do ensino superior em Moçambique é, sobretudo, obra estabelecida e construída a partir da chegada da luta nacionalista pela independência. E cresceu com o próprio processo e vicissitudes que a independência trouxe.
 
No regime de partido único estabelecido pela Frelimo em 1975, o papel da universidade estava claramente definido em função das opções ideológicas, políticas e estratégicas que o Estado moçambicano popular adotou.
 
A função da Universidade de Lourenço de Marques, transformada mais tarde em Universidade Eduardo Mondlane (UEM), era essencialmente a de produzir quadros que pudessem servir à Revolução Moçambicana – técnica, científica e ideologicamente preparados. Por isso, o corpo universitário, seus dirigentes, docentes, quadros técnico-administrativos e estudantes eram considerados quadros da revolução e, portanto, também a cada um cabia uma tarefa concreta nas grandes linhas do processo revolucionário.
 
A construção do ensino superior em Moçambique é, sobretudo, estabelecida a partir da luta nacionalista pela independência A UEM não podia, de forma nenhuma, ter ou pretender ter um papel que é neste momento entendido ser o papel das universidades, nomeadamente, a produção do pensamento, o sentido de autonomia, a defesa do direito à liberdade de opinião e expressão, pois esses valores podiam minar o sentido patriótico definido pela Revolução, desviando as atenções das pessoas para as questões consideradas burguesas. A título de exemplo, podemos enquadrar nesse desiderato o encerramento da Faculdade de Letras no final da década de 70 – e sua substituição pela Faculdade Preparatória e de Educação – e o encerramento da Faculdade de Direito da UEM no início da década de 80.
 
A cooptação da UEM pelo regime de partido único revelou-se de uma utilidade fundamental para moldar a mentalidade do pensamento universitário dos moçambicanos, que, de uma certa forma, ainda hoje perdura. A abertura política, naturalmente, é um processo doloroso, porque confronta esquemas mentais estabelecidos e que de repente são postos em causa por posturas pretensamente exógenas, apesar de conhecidas, mas sempre consideradas distantes. A implantação do regime multipartidário, a partir da década de 1990, não modificou grandemente a mentalidade unitária do pensamento sobre a universidade e a sua subordinação ao poder político.
 
No regime de partido único estabelecido pela Frelimo em 1975, o papel da universidade estava claramente definido em função das opções ideológicas, políticas e estratégicas que o Estado moçambicano popular adotou Joaquim Chissano, vencedor das primeiras eleições multipartidárias, em outubro de 1994, após dar posse ao seu governo democrático em janeiro de 1995, viu-se confrontado com a questão do ensino superior que se perfilava como uma prioridade inadiável. Curiosamente, ela não constava nas prioridades listadas no Plano Quinquenal do Governo. O Plano olhava mais para as questões econômicas como principal panaceia da saída do país da pobreza absoluta para integrar o concerto das nações, depois de dezesseis anos de desestruturação, destruição e inanição provocadas pela guerra civil. Desde logo, o chefe de estado foi sendo questionado pelo imobilismo nas intenções de promover um debate abrangente sobre ensino superior, incluindo a questão da expansão. De lembrar que as duas outras instituições de ensino superior públicas, surgidas de iniciativa de entidades como o Ministério da Educação e Cultura e o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, nomeadamente o Instituto Superior Pedagógico e o Instituto Superior de Relações Internacionais, foram, durante muito tempo, tratadas como parentes menores perante a Universidade Eduardo Mondlane, servindo como alternativa vocacional para os setores que os criaram, embora a própria UEM paralelamente formasse quadros para as mesmas áreas.
 
Esse debate que se impunha alongou-se para a necessidade de se repensar a titularidade das instituições de ensino superior em Moçambique, visto que o Estado reconhecia as suas fragilidades para responder cabalmente às vozes reivindicatórias que marcavam já a conflitualidade sobre a questão premente do acesso ao ensino superior. Acima de tudo, a questão da expansão do ensino superior, para o governo de Joaquim Chissano, era uma questão política, importava essencialmente responder às mudanças operadas em Moçambique, em que a opinião pública procurava fazer-se ouvir (como em todos os inícios de processos, com vozes de volume elevado).
 
A função da Universidade de Lourenço de Marques, transformada mais tarde em Universidade Eduardo Mondlane (UEM), era essencialmente a de produzir quadros que pudessem servir à Revolução Moçambicana – técnica, científica e ideologicamente preparados Como consequência disso, leituras diversas eram colocadas, marcadamente a de assimetrias regionais, a exclusão de partes de Moçambique que vinham a agravar conflitos latentes e reacender algumas vozes que justificavam a guerra civil como resultado de problemas fundamentalmente internos, excluindo a conjuntura de fatores externos que alimentou o conflito. A aprovação da Lei 1/93 – que estabelecia, pela primeira vez, um regime legal em que se abria espaço à entrada de operadores privados no estabelecimento de instituições de ensino superior em Moçambique – e a criação, em fevereiro de 1995, da Comissão Comiche – que tinha como missão refletir, estudar, conceber e propor ao governo uma política coerente sobre a expansão do ensino superior em Moçambique – constituem as duas principais alavancas que tentavam dar uma nova dinâmica à problemática do ensino superior em nosso país.
 
O peso da UEM como universidade nacional sentiu-se grandemente quando se iniciou o debate sobre expansão. Vozes com alguma relevância na direção do partido e do Estado avaliavam que o problema da expansão podia resolver-se através da Eduardo Mondlane, que abriria vários campi seus pelo território nacional afora. Note-se que era uma opinião de peso, que foi debatida durante várias sessões e só foi abandonada de uma forma evidente com a oposição intransigente de seu próprio reitor à época, Narciso Matos, que em contrapartida defendia que o Estado devia criar duas outras universidades, uma no Centro, outra no Norte, com a mesma relevância.
 
Timidamente, a proposta foi sendo seguida por meio da criação não de universidades, mas sim de institutos superiores politécnicos pelo então Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (MESCT). O relatório apresentado ao chefe de Estado em 1997, na cidade de Chimoio, considerava, no fundamental, que a expansão não devia ser feita a qualquer preço. O Estado devia declarar prioridade absoluta à problemática do ensino superior, inspirando-se nos exemplos da região e indo atrás daquilo que se considerava a criação de centros de excelência, de modo a não defraudar as expectativas do povo. Para isso, o Estado devia ter a consciência de que investir na educação é investir muito alto e que os seus frutos só aparecem após algumas gerações.
 
A implantação do regime multipartidário, a partir da década de 1990, não modificou grandemente a mentalidade da subordinação da universidade ao poder político Sendo essas recomendações expurgadas do longo relatório Comiche, era natural que não satisfaziam os objetivos da pressão que Joaquim Chissano recebia de todos os quadrantes do território nacional. É assim que o Estado começa a licenciar instituições de ensino superior privadas e ocorre a abertura de delegações de ensino superior público, de uma forma acriteriosa, violando inclusive a própria Lei 1/93. Essa legislação estabelecia critérios claros para, numa primeira fase, autorizar a criação e, numa segunda etapa, permitir a entrada em funcionamento das instituições de ensino superior. Estão nesse contexto a vista grossa sobre instalações, equipamento, bibliotecas, número mínimo de docentes a tempo integral e respectivos graus, bem como laboratórios.
 
O Estado permitiu que instituições vocacionais públicas alargassem o leque da sua atuação, de modo a intervir nas demais áreas de conhecimento e de formação. É um processo que durou de 1997 até 2010. Foram 13 anos de expansão contínua e sem critério, que fez passar de 10 mil estudantes em 1997 para os atuais cerca de 120 mil estudantes, e de 3 instituições de ensino superior públicas e 2 privadas para 44 instituições de ensino superior. Ao mesmo tempo, um debate novo foi introduzido sobre a questão da duração dos cursos, em que licenciaturas de 5 anos passaram para 4 anos e de 4 se pretendia que passassem para 3 anos, tudo em nome da celeridade na formação. Em nenhum momento se discutiu realmente a inserção da universidade moçambicana no contexto do pensamento universitário mundial, o processo foi sobretudo endógeno, preterindo-se verdadeiramente um debate genuinamente universitário.
 
Por isso é que todos os problemas que são apontados no sistema de ensino superior em Moçambique resultam dessa desordem programada de crescimento, que não cuidou nem sequer em cumprir com o que estava estabelecido na própria lei do ensino superior, quer na sua versão 1/93, quer na versão 5/2003, ou na versão 27/2008, onde estavam plasmados todos os passos processuais para a autorização de criação e financiamento de instituições de ensino superior, para a questão do acesso e da obrigação do estabelecimento de regulamentos claros à luz da lei vigente.
 
A convicção de que no país, ao longo desse período, era mais fácil criar uma instituição de ensino superior do que um supermercado trouxe uma sensação de mal-estar entre os acadêmicos, pois essa afirmação configura a perda do peso simbólico que o sistema do ensino superior tem dentro de uma sociedade.
 
Aquilo que acontece na UEM afeta o sistema no seu todo, e as razões disso assentam exatamente na forma como essa universidade surgiu e as funções que desempenhou no contexto das instituições do Estado moçambicano Alguns conflitos de natureza eminentemente acadêmica que eclodiram sobretudo na UEM –como o que opôs o reitor Brazão Mazula aos quadros mais eminentes da Unidade de Filosofia e Ciências Sociais (UFICS) – acabaram por não permanecer no debate acadêmico, mas sim desembocaram no plano político e administrativo. Bem como toda a problemática da reforma curricular, que tinha como epicentro a adoção ou não do modelo de Bolonha e da sua utilidade para o estágio atual do ensino superior em Moçambique. Também o seu debate fugiu do plano acadêmico, resvalando para argumentações de natureza política e decisões administrativas, em que igualmente na UEM se configurou uma estratégia de colocar no mercado de trabalho o maior número de graduados, sem cuidar dos parâmetros em que um graduado saído de uma universidade, nesse momento, em Moçambique, deve corresponder.
 
O enfoque sobre alguns dos episódios próprios da dinâmica do mundo acadêmico, em que aparece a UEM como epicentro, demonstra que essa universidade tem funcionado como a matriz do ensino superior em Moçambique. Aquilo que acontece na UEM afeta o sistema no seu todo, e as razões disso assentam exatamente na forma como essa universidade surgiu e as funções que desempenhou ao longo dos anos no contexto das instituições do Estado moçambicano. Da mesma forma, esse crescimento que não teve em conta as próprias leis, ignorou igualmente os fatores mínimos que são de senso comum, nomeadamente: infraestrutura, equipamento, corpo docente, bibliotecas, sistemas de comunicação e sistemas de transferência de conhecimento e de informação, de que resulta um reajustamento que permite um funcionamento tido como normal, dentro dessas anormalidades todas.
 
Essas questões foram abordadas na discussão da Comissão Comiche e encontram-se no relatório que foi apresentado ao chefe de Estado no seminário de Chimoio. Foram motivo de debate no efêmero Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (durou apenas um mandato), mas suportam neste momento alguns argumentos sobre a qualidade do ensino em Moçambique.
 
O dilema está em considerar que os fatores que concorrem para uma formação de qualidade no sistema de ensino superior em Moçambique são inexistentes ou de existência deficitária. Concorda-se que o ensino superior em Moçambique carece da qualidade que merece ter, sendo que essa constatação é de caráter distributivo: com uma variação muito pequena, todas as instituições de ensino superior em Moçambique sofrem da mesma síndrome.
 
Apesar da convergência dos fatores negativos, há variáveis que permitem melhorar ou não o funcionamento de algumas instituições, e duas das variáveis serão certamente a organização interna e a cooperação internacional. São poucas as instituições de ensino superior em Moçambique que têm uma política sistematizada de internacionalização, decorrendo disso a existência de escolas superiores que se limitam a viver o seu dia a dia.
 
A tutela despertou, após esse período de expansão rápida, promovendo trabalhos de elaboração e sistematização de regulamentos de natureza universitária e produção de instrumentos regulamentares que permitam a avaliação das instituições de ensino superior e a sua acreditação. Simultaneamente, a tutela adotou também posturas regulamentares que permitem a circulação de docentes e discentes interna e internacionalmente.
 
O peso da UEM como universidade nacional sentiu-se grandemente quando se iniciou o debate sobre expansão; vozes na direção do partido e do Estado avaliavam que o problema da expansão podia resolver-se através da UEM, que abriria vários campi pelo território nacional afora São os sinais de que, após a desordem da expansão, pretende-se perseguir um funcionamento das instituições de ensino superior mais próximo dos padrões internacionalmente aceitáveis. O discurso recorrente que no dia a dia se ouve um pouco por todo o lado, de que o ensino superior em Moçambique não tem qualidade, não leva em conta que, apesar de tudo, em Moçambique existe uma cultura acadêmica – grande parte dos quadros que hoje servem em todos os setores foi aqui formada. Falta de qualidade é um mito que vai buscar o seu fundamento no processo desregrado de expansão. Esse mito tem uma parte de verdade que o sustenta: o número considerável de instituições de ensino superior que apenas se preocuparam com a sala de aula e pouco mais. A prazo, se todos os instrumentos reguladores funcionarem devidamente, muitas instituições terão dificuldade de sobrevivência, pois não terão condições objetivas para se ajustar às exigências que vêm sendo alinhadas.
 
Nessas condições, o que se nos apresenta avaliar é que na realidade haverá um grande número da geração que nos últimos quinze anos passou pelas instituições de ensino superior em Moçambique, que frequentou instituições pouco adequadas. Assim, naturalmente que a posse de um diploma obtido em Moçambique possa transportar consigo o vírus da suspeição, sobretudo no confronto com os diplomados estrangeirados que alimentam também esse outro mito de que lá fora é que é bom e melhor.
 
Autorregulação
O surgimento do Conselho de Reitores de Moçambique (CRM) foi um dos primeiros passos de autorregulação da vida das instituições de ensino superior de Moçambique. Com uma agenda bem concreta, visando criar o espírito corporativo, o Conselho de Reitores debateu o déficit e a mobilidade excessiva dos docentes entre as diversas instituições (vulgo "turbo-professor"), debateu na sua agenda a questão da corrupção nas suas diversas e variadas vertentes e teve voz ativa perante o Parlamento, quando se quis, como atrás foi referido, adotar sem debate o processo de Bolonha mal digerido. O CRM tem sido nas instâncias oficiais, especialmente no Conselho Nacional do Ensino Superior, uma voz a ter em consideração, embora se reconheça que o espírito de boa vizinhança não permite atacar de uma forma mais profunda e frontal algumas questões evidentes que mereceriam ser abordadas nesse fórum.
 
A proposta foi seguida por meio da criação não de universidades, mas sim de institutos superiores politécnicos Tem sido também voz corrente que as instituições de ensino superior estão a passar ao largo do processo de desenvolvimento de Moçambique e que, no momento atual, em que surgem grandes desafios, quer na área da indústria, da mineração, dos transportes, dos serviços diversos e do comércio, as instituições de ensino superior não têm sabido adaptar-se a esses mesmos desafios. Porém, apesar de termos clara noção de que é na área técnica que deve centrar-se a produção de quadros para as necessidades do país, é sabido que essa situação não se limita ao caso moçambicano. A Unesco, em trabalho aprofundado de avaliação vocacional dos africanos apresentado na Conferência de Dacar, em 2000, concluiu que os cidadãos africanos, em cerca de 60%, preferem as ciências sociais e humanas. Por isso, importa salientar que a defasagem entre aquilo de que o país necessita e aquilo que as instituições de ensino superior formam e colocam no mercado deve ser equacionada como uma situação de mentalidade.
 
Relatório apresentado ao chefe de Estado em 1997 considerava que a expansão não devia ser feita a qualquer preço, mas suas recomendações não satisfaziam os objetivos da pressão que Joaquim Chissano recebia de todo o território nacional Por um lado, no que toca a instituições públicas, o Estado não tem a noção ou então ainda não vislumbrou que a educação superior é cara e que é necessário investir, sobretudo para se mudar a tendência e responder às necessidades de desenvolvimento que ora despontam. As universidades públicas lutam, neste momento, com a escassez de orçamento, atroz para o seu próprio funcionamento, para não falar em infraestrutura, equipamento e bibliotecas adequadas. No que toca ao setor privado, não há muita experiência de gestão universitária, nem os seus criadores tiveram alguma experiência de gestão privada de instituições de ensino superior, aliando a necessidade de sobrevivência empresarial com o investimento no conhecimento através de programas verdadeiramente universitários. Numa primeira análise, verifica-se que grande parte das instituições privadas de ensino superior luta com o problema de matrículas para poderem sobreviver financeiramente, o que significa a derrogação para prazos dilatados daquilo que é obrigatório fazer, nomeadamente formação do corpo docente, programas de extensão universitária, carreiras de investigação, laboratórios, bibliotecas e infraestrutura própria e adequada. A maioria tem vindo a funcionar em instalações alugadas, sem perspectivas de até quando poderão vir a modificar tal situação. Não é por acaso que a tutela, nos últimos tempos, tem estado a acossar algumas instituições que, aproveitando-se do discurso de que o Distrito é polo de desenvolvimento, se apressaram a instalar-se nesses espaços da administração territorial, alugando instalações de escolas primárias para levar a efeito o seu trabalho.
 
É dentro dessa promiscuidade entre bons projetos públicos ou privados e um número considerável de trabalho de má qualidade que surge a avaliação do senso comum de que tudo está mal.
 
É assim que o Estado começa a licenciar instituições de ensino superior privadas e ocorre a abertura de delegações de ensino superior público, de uma forma acriteriosa, violando a própria lei Portanto, a questão do ensino superior e das universidades em Moçambique não é meramente uma questão estrutural, é também uma questão de mentalidades. Se tomarmos as conclusões do Relatório Comiche, o paradigma que se pretendia era que com o tempo a universidade moçambicana estivesse pelo menos a par das suas congêneres da África do Sul, de Botswana, da Namíbia e do Zimbábue. Para isso, era preciso que o Estado, tratando-se de universidades públicas, investisse seriamente na formação do corpo docente no exterior e no país – e "seriamente" significa um número considerável e que viesse a servir no país, suprindo as carências.
 
Temos de ter em conta que o Relatório Comiche foi produzido entre 1995 e 1997, o país acabava de sair da guerra civil e vivia os seus primeiros momentos de democracia multipartidária. Pela primeira vez, fazia-se uma reflexão em que se confrontava o Estado com a necessidade de investir num setor prioritário como o ensino superior. A Comissão indicava metas, termos de comparação e custos. O governo assobiou para o lado e forçou a expansão, aparentemente sem ter em conta balizas acadêmicas, impulsionado apenas por critérios políticos. As consequências não podiam ser outras senão essas que neste momento estamos a tentar ultrapassar.
 
Estão nesse contexto a vista grossa sobre instalações, equipamento, bibliotecas, laboratórios, número mínimo de docentes a tempo integral e respectivos graus Felizmente, hoje as universidades já têm alguma voz interventiva no contexto moçambicano sobre diversos aspectos da vida nacional, apesar desse anátema da falta de qualidade. Assim, a questão de financiamento para melhorar a tomada de consciência de que não estamos no melhor lugar deve ser reforçada. Não há financiamento, não há qualidade. Na falta de qualidade, falta financiamento. A conjugação desses dois fatores promove um país com cidadãos pouco atentos à própria realidade. É uma questão de soberania.
 
Por outro lado, o setor privado de ensino superior não pode sobreviver num país pobre onde não haja quem pague. Se formos a verificar que o custo de um estudante no ensino público é três vezes maior que o custo de um estudante no ensino privado, podemos concluir que, do ponto de vista do desenvolvimento estratégico do ensino superior, o setor privado vive descapitalizado e não pode verdadeiramente desenvolver atividades acadêmicas de produção de conhecimentos, formação sólida e programas de formação de professores e investigação científica.
 
O ensino público é estruturante, o caráter supletivo do setor privado deve funcionar como otimizador do sistema. Ora, se o sistema em si não demonstrar vitalidade e saúde financeira, pouco se pode esperar ou exigir dele?
 
A Comissão indicava metas, termos de comparação e custos; o governo assobiou para o lado e forçou a expansão, aparentemente sem ter em conta balizas acadêmicas, impulsionado apenas por critérios políticos Conclusão
Analisando o percurso das estratégias que desde 1995 foram sendo adotadas para a evolução, expansão e consolidação do ensino superior, podemos concluir o seguinte:
 
Em primeiro lugar, as reflexões, conclusões e recomendações da Comissão Comiche não foram devidamente levadas em conta pelas políticas adotadas subsequentemente. Assim, à recomendação para que se criasse uma tutela unificada para o ensino superior, ciência e tecnologia que pudesse operacionalizar essas mesmas recomendações, Joaquim Chissano, no seu segundo mandato, criou um Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, contudo o plano estratégico desse ministério secundarizou completamente, para não dizer que ignorou, as referidas recomendações. Embora esse ministério tenha introduzido uma rede de institutos superiores politécnicos no lugar da expansão ou criação de universidades alternativas à Eduardo Mondlane, no Centro e no Norte do país, verificou-se que a estratégia não era acompanhada de uma política de desenvolvimento de condições adequadas para esse subsistema de ensino superior. Por outro lado, a questão do financiamento e da política de formação do corpo docente ficou derrogada.
 
Licenciaturas de 5 anos passaram para 4 anos e de 4 se pretendia que passassem para 3 anos, tudo em nome da celeridade na formação; igualmente na UEM se configurou uma estratégia de colocar no mercado de trabalho o maior número de graduados No que toca à ciência e à tecnologia, foi tratada como um capítulo à parte, sendo que as universidades apareciam como parceiras das entidades dedicadas à investigação científica dos diversos setores da administração pública. O sistema privado que apareceu em 1995 debatia-se ainda com uma presunção oriunda da mentalidade de que do privado nada de bom podia aparecer para a sociedade, pelo que as primeiras instituições privadas de ensino superior não mereceram atenção adequada por parte do ministério, mesmo quando se tratasse de programas de incentivo, que, à partida, são a título devolutivo.
 
São poucas as instituições de ensino superior em Moçambique que têm uma política sistematizada de internacionalização, decorrendo disso a existência de escolas superiores que se limitam a viver o seu dia a dia Com o primeiro mandato de Armando Guebuza, porque efetivamente o MESCT não soube cumprir cabalmente o propósito para o qual foi criado, o ministério teve uma morte natural, regressando a tutela para o Ministério da Educação. Nesse mandato ainda, o discurso político enfatizou a questão do desenvolvimento dos Distritos como pólos de desenvolvimento, virando as atenções para a descentralização e desconcentração do poder. A questão da expansão do ensino superior foi, com toda naturalidade, atingida por essa nova postura. Desse modo, vamos assistir a uma aceleração no processo da expansão do ensino superior, através da rede pública, com a criação de mais institutos superiores politécnicos e de duas universidades: a Unizambeze e a Unilúrio, bem como através da Universidade Pedagógica, o abandono do seu carácter vocacional para o de universidade generalista.
 
Naturalmente que a posse de um diploma obtido em Moçambique possa transportar consigo o vírus da suspeição, sobretudo no confronto com os diplomados estrangeirados que alimentam também esse outro mito, de que lá fora é que é bom e melhor Por outro lado, as autoridades, como se disse atrás, tornaram-se completamente permissivas para o licenciamento de novas instituições privadas de ensino superior, que muitas vezes foram encorajadas a se instalar também nos Distritos. Para além disso, verificamos que a UEM, que é a matriz das instituições de ensino superior em Moçambique, quis forçar a formação acelerada de quadros por meio da redução do tempo de permanência dos estudantes no ensino superior, tentando impôr, sem discussões prévias, o modelo de Bolonha, mal assimilado.
 
Em última análise, podemos afirmar que as estratégias seguidas relativas à expansão do ensino superior em Moçambique, e as medidas tomadas para a sua efetivação, não levaram em conta a defesa dos padrões que, em princípio, deviam ser considerados como fundamentais para que a educação superior se mantenha nos parâmetros adequados. Neste momento não é possível estabelecer de uma forma objetiva qualquer avaliação comparativa com os centros universitários mais avançados da região e até internacionais.
 
Grande parte das instituições privadas de ensino superior luta com o problema de matrículas para poderem sobreviver financeiramente, o que significa o adiamento da formação do corpo docente ou de programas de extensão universitária; a maioria funciona em instalações alugadas Em Moçambique há um pouco de tudo: bons programas de formação graduada e pós-graduada, bons docentes universitários de renome internacional, bons centros para investigação e produção de conhecimento, mas também existem instituições que desmerecem completamente o epíteto de instituições de ensino superior, não se preocupam com o que se dá na sala de aula, nem se preocupam em ter equipamento condigno. Também não se preocupam senão com os números de graduados a quem conferem diploma. Perante tal cenário, é natural que a balança penda para o que é mau, por isso surgem afirmações de que o ensino superior em Moçambique não tem qualidade. Por outro lado, os próprios dirigentes da República são citados a lamentar frequentemente a insensibilidade das autoridades governamentais no que toca à questão do financiamento e essas questões dificultam um dos segredos fundamentais do êxito e visibilidade das instituições de ensino superior, as parcerias internacionais. Se o ditado popular "Diz-me com quem tu andas e eu dir-te-ei quem tu és" for aplicado a essa situação, veremos com certeza que pouquíssimas universidades moçambicanas têm um programa sistematizado, coerente e dinâmico com instituições estrangeiras da região e internacionais.
 
Na era da globalização, quando verificamos que os grandes centros universitários procuram fundir-se, procuram federar-se ou procuram colaborar para se transformar em centros de excelência nos seus programas, bom seria que neste movimento centrípeto dos centros universitários pudéssemos ser parte, atraindo e sendo atraídos por centros de excelência lá de fora.
 
O futuro de Moçambique não depende apenas do investimento estrangeiro, nem do recrutamento de mão-de-obra estrangeira qualificada para estar garantida a prosperidade da sua população. Efetivamente temos vindo a sentir cada vez mais certa ansiedade dos governantes porque são pressionados pelo povo para que as riquezas que jazem um pouco por todo o território moçambicano possam contribuir para o real desenvolvimento do país e para que o povo moçambicano viva com esperança de poder usufruir dos seus próprios recursos. Mas esse objetivo só será exequível se a universidade moçambicana conseguir vencer os grandes obstáculos que se lhe coloquem ao longo desses últimos dez anos.
 
 
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