01/05/2010

A educação superior no EUA

Uma visão da estrutura do ensino superior dos Estados Unidos, passada e futura

Em busca de um crescimento inteligente no ensino superior

John Aubrey Douglass | Public Policy and Higher Education Center for Studies in Higher Education, University of California – Berkeley

Um dos principais pontos fortes do vasto sistema de ensino superior dos estados unidos é a variedade e o número de colleges e universidades. em um grau que não se encontra em nenhum outro lugar do mundo, os estados unidos perseguiram um modelo de diferentes tipos de instituições respondendo a diferentes necessidades do país. a extensão do ensino superior além do modelo único da universidade foi um conceito chave que deu aos eua o pioneirismo na ideia de educação superior de massa. públicas e privadas, escolas de artes e community colleges, universidades intensivas em pesquisa, além de instituições regionais, todas criaram caminhos nos quais os estudantes podiam entrar e voltar a entrar na educação superior.  

Em 1900 havia 977 instituições de ensino superior nos eua; em 1950, seu número aumentara para 1.851. desde então houve uma explosão de instituições. hoje existem cerca de 4.350 instituições que concedem diplomas e certificados, em que está matriculado um total de quase 18 milhões de alunos.
 

O método pelo qual o sistema de ensino superior dos eua se desenvolveu não é, no entanto, o resultado final de um esforço deliberado ou centralizado de dar poder ao indivíduo, de criar talentos para mercados carentes de mão de obra, nem de busca e criação de novos conhecimentos essenciais para a ciência e o desenvolvimento econômico. podese dizer que os eua obtiveram esses benefícios ao longo do tempo, e colheram mais de seus investimentos de longo prazo em ensino superior que qualquer outro país do mundo. Foi o resultado de um caminho indireto de políticas que refletiram a cultura e a política norteamericanas nos últimos dois séculos, marcados por momentos importantes de investimentos e de previdência do governo.  

Como os eua expandiram seu sistema de ensino superior? Quais são a atual estrutura e o caráter desse sistema? Quais as metas da administração obama para o futuro desse sistema? o que se segue é minha tentativa de responder com brevidade a essas perguntas e capturar alguns dos triunfos e desafios da educação superior dos eua. como em outros países com população em crescimento, a expansão inteligente da capacidade de ingresso, ou a implantação do que pode ser chamado de programa de “crescimento inteligente”, é uma questão política e de políticas – tornada ainda mais complicada pela atual crise econômica global, de proporções épicas.  

Políticas para a época certa

Todas as nações hoje se dão conta, e o Brasil não é exceção, de que é preciso tempo, investimentos consistentes e políticas inovadoras para se construir um sistema de ensino superior que sirva tanto aos objetivos de educação superior de massa como para gerar programas e instituições acadêmicas de alta qualidade. Nos eua, uma conjunção crítica nessa história ocorreu em meados do século xix. até então, colleges privados e um punhado de instituições que se autointitulavam “universidades” dominavam a paisagem do ensino superior.  

A origem de quase todos eram os colleges ligados a grupos religiosos, que atendiam a diferentes comunidades e tinham por objetivo formar religiosos e diplomar alunos em profissões aceitas, como direito e medicina. todos eram relativamente pequenos. poucos aceitavam mulheres, e a maioria tinha currículos clássicos, que evitavam a exploração e o treinamento científicos que ajudariam a apoiar as economias locais, dependentes basicamente da agricultura. eram adequados para perpetuar as divisões de classe, mas não para se construir uma nação.  

É possível imaginar que os eua poderiam ter mantido esse modelo de universidades e colleges privados voltados para as necessidades de educação superior dos estados unidos, na esperança de que evoluiriam na direção de se tornarem instituições socialmente mais relevantes. Mas isso parecia improvável.

Ao mesmo tempo em que preservavam a importância das instituições privadas, os governos estaduais desencadearam um movimento de universidades públicas com o ideal de atender a uma porção maior da sociedade norteamericana – formada em grande parte por filhos de agricultores e de uma nova classe profissional em ascensão –, promover a pesquisa e criar programas acadêmicos que se adequassem às necessidades de uma sociedade em rápida industrialização. esse movimento recebeu um forte impulso nos anos 1860, quando o governo federal buscou encorajar os estados a assumir a liderança no desenvolvimento de instituições de ensino superior (iess).  

O Land Grant act de 1862 [lei que concedeu terras federais aos estados desde que nelas fossem implantadas escolas dedicadas ao ensino de agricultura, ciência e engenharia. os landgrant colleges (escolas superiores de agricultura, em tradução livre) são tidos como precursores dos community colleges e de várias universidades estaduais de hoje. também denominados landgrant universities e landgrant institutions, esses estabelecimentos foram fundados para tirar proveito da lei Morrill (nome do seu autor, o à época deputado, e depois senador, Justin smith Morrill). n. do t.] ofereceu o que o governo federal tinha em abundância, terra, aos estados, para que vendessem ou gerissem lucrativamente e criassem uma ou mais universidades estaduais. a maioria dos estados usou o dinheiro para financiar universidades estaduais nascentes, como a universidade de Michigan e a universidade de Wisconsin, ou para criar novas, como a universidade da califórnia.  

O governo federal agiu como catalisador, mas a construção das instituições ocorreu no nível estadual.
os governos estaduais nos eua têm a autoridade e a responsabilidade final de mapear, organizar e financiar o ensino superior.
 

O Land Grant act colocou os eua na rota para criar uma vasta rede pública de colleges e universidades e plantou as sementes da ideia de que diferentes modalidades institucionais poderiam atender a diferentes públicos e necessidades da sociedade. além disso, o rápido sucesso de um número crescente de universidades criou desde logo a expectativa de que novas instituições públicas poderiam ser inventadas para a causa da construção do primeiro sistema de ensino superior de massa do mundo.  

Em 1907, a califórnia, por exemplo, foi o primeiro estado a criar community colleges, com a intenção de expandir em muito as oportunidades educacionais no estado, enquanto preservava a universidade da califórnia como universidade de pesquisa altamente seletiva. de mais ou menos 1910 até os anos 1960, a califórnia implementou dois novos community colleges por ano. uma função deles era oferecer programas vocacionais. outra, criar um novo caminho para a universidade ou para outras instituições que oferecessem formação de quatro anos. os formados por esses colleges locais receberiam um diploma denominado associate of art, equivalente aos dois primeiros anos em Berkeley. o diploma aa permitia ao aluno se transferir para o campus da universidade da califórnia em Berkeley.  

Dos anos 1920 até os 1950, quase metade dos alunos de graduação de Berkeley era de estudantes transferidos. ao mesmo tempo, na década de 1920, com a criação da ucLa [Universidade da Califórnia – los angeles], a universidade da califórnia tornouse o primeiro sistema multicampi do país, e o estado passou a converter uma série de colleges locais independentes dirigidos a um público de professores em universidades regionais e de ensino intensivo.  

De muitas maneiras, a califórnia foi um estado pioneiro no desenvolvimento de um sistema tripartite – uma universidade intensiva em pesquisa, um conjunto de universidades regionais e uma vasta rede de community colleges. hoje essas missões permanecem intactas, com cada instituição servindo uma missão diferente dentro do sistema de ensino superior do estado como um todo. Mas existem casos parecidos em outros estados e fatos em comum com eles, definidos por suas histórias, suas culturas políticas, a adoção por parte deles das melhores práticas de outros estados, e por suas necessidades sociais e econômicas próprias.  

O modelo do community college transformouse em um componente importante na maioria dos sistemas estaduais de ensino superior – um exemplo de uma boa prática relativamente barata para o contribuinte, mas que também ajudou a justificar o investimento público em universidades públicas mais seletivas e mais intensivas em pesquisa. com efeito, os estudantes talentosos teriam múltiplas chances de serem admitidos nessas instituições, ou no primeiro ano, ou por intermédio de uma transferência.  

Essa é, em essência, parte da beleza do sistema de ensino superior dos estados unidos. Não se trata apenas da variedade de tipos de instituição e de diferentes missões; é também o fato de que os estudantes têm múltiplas oportunidades de entrar e voltar a entrar em instituições de boa ou relativamente boa qualidade cumprindo os créditos dos cursos, e de passar de uma instituição para outra. Na trajetória rumo à graduação, cerca de 35% de todos os estudantes frequentam mais de uma instituição.  

Onde os alunos estão – ou não

Imediatamente antes da 2a Guerra Mundial, mais ou menos 15% dos jovens com idades entre 18 e 24 anos ingressavam no ensino superior nos estados unidos. a maior parte dos estudantes que chegava à faculdade frequentava instituições privadas. depois da guerra, o setor público emergiu como o maior provedor, parte de um esforço deliberado de iniciativa do governo.  

O investimento rápido e em grande escala do governo no ensino público solidificou a posição dos eua de líder mundial no acesso e no número de cidadãos com diploma de nível terciário. o número de instituições públicas cresceu vigorosamente, com o maior aumento de ingressos ocorrendo na rede de colleges comunitários e vocacionais em expansão.  

Atualmente quase 40% de todos os estudantes da coorte da faixa etária jovem frequentam a educação superior.  

entre os observadores internacionais é frequente haver uma visão distorcida da natureza e da estrutura do ensino superior dos eua. o fascínio por um núcleo de universidades privadas de elite e de perfil alto – harvard, stanford – encobre o fato de que nessas instituições matriculase um número muito reduzido de alunos. Mas onde os estudantes verdadeiramente se matriculam e o amplo leque de tipos de instituição se perdem nessa narrativa.  

Das 4.356 iess existentes nos eua, 2.777, ou 55%, são community colleges e instituições vocacionais de dois anos. em geral, são instituições relativamente pequenas – a maior parte dos community colleges tem entre 4 mil e 6 mil alunos. Juntos, os colleges de dois anos e as instituições vocacionais concentram quase metade dos estudantes de ensino superior norteamericanos.  

Como se vê na Figura 1, as universidades de pesquisa representam um número relativamente pequeno no mercado. somente 258, ou 5%, das iess norteamericanas são universidades de pesquisa, e apenas 151 são classificadas como intensivas em pesquisa (o que significa que têm orçamentos para pesquisa bastante grandes, principalmente por meio de verbas do governo, e concedem no mínimo 50 doutorados por ano).  

No entanto, também é importante observar que as universidades de pesquisa são instituições relativamente grandes em termos de quantidade de estudantes: os campi têm em média 23 mil estudantes. assim, embora sejam apenas 5% das iess, essas instituições frequentemente têm grandes populações de alunos de graduação, somando 26% de todos os estudantes e englobando a maior parte dos alunos de pósgraduação do país (ver Figura 2).  

Essencialmente, ainda que os colleges de artes [chamados de liberal arts colleges] constituam um tipo deinstituição único e valioso, na paisagem do ensino superior norteamericano há forte predomínio, em termos de números brutos de matrículas, dos colleges de dois anos, de um lado, e das universidades de pesquisa de outro. somados, 70% de todos os estudantes frequentam esses dois tipos de ies.  

Outro aspecto importante é a imensa dependência da educação superior pública – assunto ao qual vou voltar ao olhar para o futuro do ensino superior norteamericano. No total, 75% de todos os estudantes frequentam instituições públicas, 20% estão em privadas ou “independentes” (sem fins lucrativos), e o restante estuda em empreendimentos que visam ao lucro (ver Figura 3).  

O mercado destes últimos está em crescimento, impulsionado pelo fato de que a demanda por educação superior, em especial pelos programas vocacionais e profissionalizantes, aumenta nas crises econômicas. Mesmo assim, eles ainda são basicamente players secundários, de qualidade variável e com foco em programas para diplomas ou certificados que os alunos percebem como conduzindo diretamente para o mercado de trabalho.  

A visão de Obama
historicamente, o sistema de ensino superior norteamericano é um tremendo sucesso... Foi uma fonte de mobilidade socioeconômica e uma força na criação de uma sociedade mais igualitária; criou novas descobertas e tecnologias, promoveu e atraiu talentos do mundo todo e fundamentalmente fez da economia dos eua a maior e mais inovadora do mundo.  

Mas há também grandes problemas diante desse sistema pioneiro, marcados por custos crescentes, pelo subfinanciamento crônico de universidades e colleges públicos, e pela corrida mundial pela produção de talentos. em resumo, o mundo está alcançando, e em alguns casos já alcançou, os eua na busca pela criação de colleges e universidades amplamente acessíveis e de alta qualidade.  

Ao longo de sua campanha para a presidência, Barack obama delineou várias grandes iniciativas relacionadas ao ensino superior que pretendia implementar. Queria aumentar o auxílio financeiro. para isso, propôs a extinção do sistema exclusivamente norteamericano de concessão de subsídios federais a bancos privados, que a seguir concediam empréstimos a estudantes, e o uso dos aproximadamente us$ 80 bilhões economizados para aumentar os grants para alunos de baixa renda e financiar uma iniciativa que dirigiria cerca de us$ 12 bilhões para community colleges. propôs uma lei de estímulo aos governos estaduais para aumentar verbas, de uma só vez em grandes proporções, e reduzir em parte os cortes projetados nos orçamentos de universidades e colleges públicos.  

Mas havia uma outra coisa relacionada ao ensino superior que ele queria buscar. influenciados por metas de conquistas educacionais semelhantes de líderes políticos da europa e de outros lugares, obama e sua equipe estudaram dados da ocde [organização para o Desenvolvimento e a Cooperação econômica] e outras estatísticas que mostram o declínio ou a estagnação relativos das taxas de conquistas educacionais dos eua. há cerca de três décadas os eua estavam em primeiro lugar no mundo em acesso ao ensino superior tanto entre estudantes jovens como entre os mais velhos; era também o primeiro colocado em número de estudantes que ingressavam em instituições de ensino póssecundário e se formavam.  

Por diversas razões, no entanto, tudo isso mudou. concorrentes econômicos expandiram e melhoraram a qualidade de seus sistemas de ensino superior. dos 31 países da ocde, os eua não estão entre os dez primeiros nem no acesso à educação de terceiro grau nem nas taxas de obtenção de diplomas. essencialmente, se antigamente a educação superior nos eua oferecia amplo acesso e alta qualidade de modo geral em sua vasta rede de instituições públicas e privadas, hoje ela se caracteriza mais por picos e vales.  

O ritmo da concorrência mundial e o alto valor que muitos governos nacionais atribuem a suas universidades e seus colleges como condutores de desenvolvimento econômico é extraordinário. ao mesmo tempo, os eua não promoveram nenhuma grande reforma em sua vasta rede de instituições de terceiro grau, e seus líderes políticos deram como certa a continuidade da supremacia do ensino superior de massa do país.  

Ainda restam nos eua universidades de pesquisa de alta qualidade e de classe mundial, assim como uma casta de colleges de artes com frequência muito ricos. ao mesmo tempo, há um número crescente de universidades e community colleges públicos subfinanciados – as iess nas quais estuda a maioria dos universitários. houve também uma quebra no conduto que liga as escolas secundárias à educação superior: hoje os eua têm uma taxa de término do ensino secundário relativamente baixa em comparação à de outras economias desenvolvidas, e índices extremamente baixos de graduação em muitos distritos escolares urbanos pobres. outro caso de picos e vales, reflexo de tendências mais amplas de disparidade de renda e da erosão da antes vibrante classe média norteamericana.  

Compreendendo essas macrotendências e fissuras na sociedade norteamericana, o presidente obama propôs uma nova meta em seu primeiro discurso para o congresso, em fevereiro de 2009. até 2020, anunciou, “os estados unidos vão voltar a ter a maior proporção do mundo de formados no ensino superior”. também pediu que cada norteamericano dedique no mínimo um ano à educação superior ou ao treinamento profissional. “pode ser num community college ou numa escola de quatro anos; treinamento vocacional ou de aprendizagem. seja qual for o treinamento, todo norteamericano precisará de mais que um diploma de curso secundário.”1 Mas como os eua chegarão a isso em apenas dez anos?  

A realidade limita recuperar a vantagem histórica de sua educação superior não vai ser fácil. No curto prazo, há na verdade a possibilidade de piora das taxas de obtenção de diploma. isso se deve à gravidade da chamada “Grande recessão” da economia dos eua, e, especificamente, à queda acentuada da arrecadação dos estados. em 2009, os governos estaduais começaram a promover cortes em grande escala nos serviços públicos e na educação, e estão lançando uma nova rodada para o próximo ano fiscal. o resultado disso são cortes drásticos nos orçamentos das universidades e dos colleges públicos do país.

1 discurso de Barack obama ao congresso, 24 de fevereiro de 2009, em
http://www.whitehouse.gov/the_press_office/remarksofpresidentbarackobamaaddresstojointsessionofcongress/


O pacote de estímulos do governo obama mitigou enormes cortes no orçamento dos estados para os serviços públicos em 200910 e deu apoio à expansão das matrículas, principalmente nos community colleges. Mas essa infusão de financiamento não bastou para impedir universidades e colleges de demitir professores e funcionários, reduzir salários e benefícios, muitas vezes eliminando ofertas de cursos e tornando mais vagaroso  

O progresso do aluno em rumo ao diploma, ou limitar consideravelmente o acesso em estados como a califórnia. os estados têm capacidade limitada de tomar empréstimos para cobrir custos de operação, o que faz do governo federal o último recurso de alívio financeiro em potencial2.  

Um axioma que convém recordar ao se olhar para os eua: para onde forem os orçamentos estaduais, para lá irá a educação superior norteamericana. É assim porque os estados continuam a ser a principal fonte de verbas das universidades e dos colleges públicos, ao passo que a maior parte do financiamento do ensino superior dos países está vinculada a orçamentos nacionais com capacidade de tomar empréstimos. efetivamente, a maioria dos países da ocde adiou os cortes de orçamento do ensino superior; em certos casos, chegaram a aumentar suas taxas de investimento e de matrícula.  

Mesmo que a economia dos eua melhore muito, a meta de obama é um enorme desafio. um estudo estima que entre 2009 e 2020 os estados unidos precisariam produzir 37% mais diplomas de associate of arts (de dois anos) e de graduação para alcançar os países de melhor desempenho. como mostra a Figura 4, esse seria um salto imenso para um 2 para uma análise do impacto nos orçamento para o ensino superior nos eua e em outros lugares, ver John aubrey douglass, “higher education Budgets and the Global recession: tracking varied National responses and their consequences”, center for studies in higher education, research and occasional paper series. cshe 4.10. (fevereiro de 2010): http://cshe.berkeley.edu/ publications/publications.php?id=354 sistema que, podese dizer, já sofreu sob um modelo de financiamento insustentável para muitas de suas instituições. e se a natureza não agregada do ensino superior norteamericano proporciona muitos benefícios, havia um consenso em relação à capacidade dos estados de financiar e facilitar um crescimento vertiginoso da capacidade de matrículas. essa combinação de capacidade de financiar e de vontade de ampliar os serviços públicos se dissipou.  

Neste momento, e entre lideranças políticas e a comunidade acadêmica, não se tem uma ideia realmente clara do como atingir a meta de obama. a continuarem as tendências de hoje, e levando em conta o crescimento populacional e as atuais taxas de graduação de estudantes que se formam na escola secundária e entram a seguir no ensino superior, o departamento de educação dos eua projeta que o país vai produzir anualmente mais 186 mil diplomas de aa e de graduação em 2020. isso representaria um aumento de somente 7,3% em relação à taxa de produção de 2010. a Figura 4 mostra também uma projeção mais “moderada”, um aumento de 27%, uma vez que a meta de obama é muito provavelmente inalcançável, ou quase isso.  

Até agora não existem metas ou projeções sobre quais diplomas profissionais ou de doutorado são necessários para acompanhar o ritmo dos concorrentes econômicos e apoiar a empreitada de expandir as matrículas de graduação. virtualmente todas as universidades têm necessidade de alunos de pósgraduação para ajudar no ensino de graduação. presumese que os programas de pósgraduação teriam de se expandir no mesmo ritmo que as matrículas na graduação.  

O que seria preciso que aconteça para dar impulso à produção de diplomas nos eua?  

O governo obama identificou algumas peças do quebracabeças. estas incluem:
 

• Melhorar os programas de ensino secundário para melhor preparar os alunos para a faculdade e aumentar as taxas de graduação das escolas secundárias. essas são metas difíceis de serem alcançadas porque a jurisdição sobre as escolas pertence aos níveis estadual e local, atualmente sujeitos a cortes orçamentários severos. demissões de professores e cortes salariais de funcionários de escolas são comuns hoje em dia.  

Aumentar as verbas para ajuda financeira e os grants para estudantes de baixa renda e os créditos de impostos para as famílias de classe média. houve progressos nessa área, mas a escala das necessidades é enorme, e cresce à medida que mais e mais alunos nos eua estudam em tempo parcial e o valor da tuition [anuidade] cobrada pelas instituições públicas e privadas continua a aumentar.  

• Expandir o financiamento federal para os
community colleges, por meio da chamada american Graduation initiative [iniciativa de graduação norteamericana], um plano de us$ 12 bilhões a ser implementado em dez anos.

Todas são boas iniciativas, e algumas aguardam uma ação do congresso. Mas elas devem ser vistas somente como um primeiro passo naquilo que é, até agora, um pensamento incompleto. diversas pessoas e organizações começaram a contemplar quais outras opções estão disponíveis. Num dos esforços mais consistentes, a Fundação Lumina vê um caminho para o alcance da meta de obama por meio de melhoras na produtividade e eficiência. os estados precisam melhorar os programas preparatórios para a faculdade nas escolas secundárias, buscar e compartilhar as melhores práticas para reduzir os índices de abandono de cursos universitários e melhorar as taxas de graduação em parte oferecendo incentivos de financiamento. a Lumina, e muitos outros apoiadores da meta de obama, também quer uma rápida “expansão de sistemas de formação alternativos para o ensino superior, que incorporem novas tecnologias, abordagens baseadas em competência e outras inovações”.
de novo, essas são ideias valiosas, mas provavelmente apenas marginais em relação à estratégia de aumentar rapidamente os índices de produção de diplomas. a visão desses apoiadores permanece confinada por uma sensação de que não haverá mais recursos públicos e que ganhos em eficiência podem redirecionar dólares para a atual estrutura de iess norteamericana para que a meta seja alcançada.  

No entanto, o desafio que está à frente vai exigir uma visão muito mais ampla sobre como fazer o ensino superior crescer em 1/3 ou mais, e talvez possa ser exemplificado da melhor forma pela pergunta: quais vão ser os provedores institucionais do futuro nos eua, a que preço e com qual nível de qualidade? em resumo, isso não pode ser alcançado sem que haja uma reorganização dos recursos de financiamento e um esforço conjunto numa escala semelhante ao do período do pósguerra.

Como no passado, o que acontecer no nível estadual vai conduzir à solução. Mas os estados não podem fazer tudo sozinhos. há grande necessidade de uma parceria redesenhada entre os legisladores estaduais e os líderes políticos em Washington. parceria semelhante existiu dos anos 1950 até os 1960, período em que o governo federal deu apoio aos esforços dos governos estaduais de expansão do ensino superior, até isso se dissipar, nos anos 1970. o tema do “preparo” dos graduados da escola secundária para a faculdade e o aumento da porcentagem dos que efetivamente se formam é uma variável importante; outra é a capacidade das universidades e dos colleges públicos de aumentar estrategicamente sua capacidade de matrículas. tomando emprestada a linguagem dos planejadores urbanos, precisamos de “crescimento inteligente” no ensino superior norteamericano.

A realidade é que há décadas não há uma articulação clara nos eua sobre como fazer seu ensino superior crescer. certamente esse é um desafio familiar ao Brasil, e certamente tratase de uma questão em discussão em diferentes partes do mundo. aqui nos estados unidos, no entanto, a simples escala do desafio de obama ainda foi minimamente digerida, em parte porque a comunidade do ensino superior, e os governos estaduais em geral, simplesmente tentam atravessar cada ano de orçamentos ruins.

As universidades e os colleges públicos são as únicas instituições capazes de crescer e manter a qualidade e o foco no bem público a um preço razoável para contribuintes e estudantes. o setor privado sem fins lucrativos não vai crescer muito, pois as instituições existentes estão satisfeitas em serem pequenas e não têm incentivo para aumentar o número de alunos nem desejam aumentálo. e nenhum mecenas moderno, como Leland stanford, está abrindo novos colleges ou universidades. essa era acabou antes da 2ª Guerra Mundial.

O crescimento do setor público exigiria um reequilíbrio do modelo de financiamento dessas instituições, o que inclui um papel muito maior para o governo federal, e um movimento ainda maior em direção ao que chamo de “Modelo de tuition progressiva” – essencialmente, valores diferenciados para famílias de baixa renda, de classe média e de alta renda. como os governos estaduais provavelmente não vão estar em posição de financiar adequadamente o ensino superior público, essas instituições precisam, essencialmente, replicar em sua estrutura de tuition e fees [taxas] um sistema progressivo com base na renda.

Aqui reside o problema. No plano imediato, os governos estaduais estão fracos demais economicamente para Considerar a expansão de seus sistemas de educação superior no longo prazo, ou para fazer escolhas difíceis de em quais instituições o aumento do acesso seria mais eficaz e quais são as mais produtivas como instituições intensivas em pesquisa. Na melhor das hipóteses, a corrida pelo diploma vai se atrasar nos eua, ficando à espera de uma recuperação econômica, da aceitação de um papel maior do governo federal, e do tempo necessário para discutir com seriedade no que consistiria um crescimento inteligente no ensino superior público e privado.

No momento está muito pouco claro se os eua, e estados como a califórnia, são de fato capazes de dobrar a esquina rápido o suficiente para financiar e, fisicamente ou por outros meios, aumentar substancialmente a capacidade de matrícula das iess públicas. se for esse o caso, talvez vejamos um fenômeno familiar: um rápido crescimento do setor com fins lucrativos com qualidade e eficácia variáveis. com aumentos contínuos e frequentemente rápidos da demanda por educação superior, e com a incapacidade do governo de ajudar a satisfazer essa necessidade, o mercado vai ficar mais maduro para instituições que visam ao lucro. o presidente obama apontou o progresso dos concorrentes e reenquadrou o desafio que tem por diante: como os eua podem incrementar a produção de diplomas. a meta em si pode ser inatingível, o número a ser alcançado pode ser arbitrário, ou, pelo menos, não ter base em nenhum estudo cuidadoso das necessidades sociais ou de trabalho do país. Mas é um começo de um debate extremamente necessário e bemvindo.