26/06/2015

Cotas raciais

Para promover inserção racial efetiva, estabelecer cotas só na universidade é tarde demais

Toda escola privada, do maternal ao ensino médio, deveria ter pelo menos 20% de alunos negros e pardos, com bolsa da própria escola

Osvaldo Novais de Oliveira Jr. (chu@ifsc.usp.br)
Vice-diretor do Instituto de Física (USP-São Carlos) e membro da Academia Paulista de Ciências.
 
Por mais difícil que seja reconhecer, acho simplesmente indecente a “cor” de nossas universidades, restaurantes, teatros, clubes sociais, ou qualquer ambiente frequentado por estratos de maior poder econômico no Brasil. Praticamente não há negros ou mulatos. É como se vivêssemos num outro país.
 
Não desconheço ou desprezo as consequências da minha proposta. A começar pelo ônus para as escolas privadas e para os pais dos alunos não negros ou pardos. Mas se queremos realmente diminuir as desigualdades, precisamos estar preparados para contribuir. O racismo continua firmemente arraigado entre nós, apesar da legislação específica para combatê-lo e das iniciativas para compensar a desigualdade histórica da qual negros e pardos são vítimas. Dessas medidas, destacam-se as cotas raciais, objeto de grande debate. Um argumento consistente de oposição às cotas é o de que criar mecanismos de compensação significa que há raças diferentes, umas superiores às outras. Em outras palavras, criar cotas incentivaria – e não combateria – o racismo.
 
Eu não concordo com as cotas como têm sido implementadas, mais por motivos práticos, pois acredito que os resultados não serão os esperados. Entretanto, a sociedade brasileira não pode mais conviver com essa desigualdade e injustiça. Algo precisa ser feito, independentemente de nossas preocupações com princípios filosóficos sobre raças, ou de possíveis custos na implantação de programas de inserção racial.
 
Também imagino o choque cultural com a presença dos alunos negros, principalmente em escolas de elite. Pode haver tensão e discriminação indesejadas. Crianças podem ser cruéis no tratamento com os colegas, e manifestações racistas seriam nefastas para todos. Minha proposta é garantir a presença de negros e pardos nas melhores escolas do país, do maternal até o ensino médio. Ela se baseia na constatação de que a única forma eficaz para promover indivíduos para os estratos mais privilegiados é prover formação profissional de qualidade. Tentar fazer isso já no nível da universidade, como tem sido feito nas universidades federais, é tarde demais. A educação pré-escolar e nos primeiros anos de escola é determinante para as habilidades que um jovem pode adquirir.
 
Note que para atingir o objetivo da proposta, não basta ter uma escola pública com qualidade. Décadas atrás o ensino público no Brasil era excelente, e ainda assim não foi diminuída a diferença entre os negros e o restante da população. Isso ocorria porque não eram oferecidas outras condições importantes para o bom desempenho escolar, notadamente instrumentos de permanência na escola. No cenário atual acho inviável resgatar a qualidade do ensino público, meta que ademais deve ser perseguida incansavelmente, ao mesmo tempo em que se implementam medidas para garantir permanência na escola.
 
Mas também me delicio a sonhar com situações hipotéticas. Como as mocinhas se derretendo pelo garotinho negro que é o mais inteligente da sala. Ou o menino inconformado com o aperto no Porsche dirigido por seu motorista carrancudo, enquanto seus amigos chegam à escola na maior farra no ônibus. Acho mais fácil contar com o apoio de toda a sociedade, que por diversos motivos se organizou para dar ensino de melhor qualidade aos filhos em escolas de ensino fundamental e médio privadas. Na minha proposta, toda escola privada deveria ter pelo menos 20% (ou outro número a ser definido) de alunos negros e pardos. Os pais destes alunos provavelmente não teriam como custear as mensalidades e mesmo os custos acessórios para frequentar escolas caras. Teriam, portanto, que receber bolsa da própria escola, o que implica que sua educação seria financiada pelos pais dos demais alunos.
 
As bolsas não resolvem o problema da permanência. Alunos negros e pardos poderão eventualmente morar longe das boas escolas, ou terão dificuldade de alimentação para frequentarem as aulas. Esses desafios teriam que ser enfrentados pelas escolas, inclusive com aporte de recursos para transporte e manutenção dos alunos. Seria uma redistribuição de riquezas sem precedentes no Brasil, com a vantagem de ser eficaz, pois forneceria aos alunos negros e pardos uma educação de qualidade – pelo menos equivalente à que é recebida pelos outros alunos.
 
Os pais dos alunos das escolas privadas poderiam ser recompensados com desconto no Imposto de Renda do valor real despendido na educação dos filhos, ao contrário do que hoje ocorre em que o desconto corresponde a uma pequena fração dos valores efetivamente gastos. 
 
Não desconheço ou desprezo as consequências da minha proposta. A começar pelo ônus para as escolas privadas e para os pais dos alunos não negros ou pardos. Mas se queremos realmente diminuir as desigualdades, precisamos estar preparados para contribuir. Também imagino o choque cultural com a presença dos alunos negros, principalmente em escolas de elite. Pode haver tensão e discriminação indesejadas. Crianças podem ser cruéis no tratamento com os colegas, e manifestações racistas seriam nefastas para todos.
 
Mas também me delicio a sonhar com situações hipotéticas, mas prováveis. Como as mocinhas mais lindas se derretendo pelo garotinho negro que é o mais inteligente da sala. Ou o menino inconformado com o aperto no Porsche esportivo dirigido por seu motorista carrancudo, enquanto seus amigos chegam à escola na maior farra naquele imenso ônibus.
 
Os conceitos de liberdade e riqueza podem mudar para sempre no Brasil. Sem cor!