05/08/2015

Cinema

Instituto de Artes da Unicamp lança neste semestre sua primeira experiência educomunicativa de produção audiovisual

Filme-Escola “O Crime da Cabra” reuniu funcionários que nunca haviam desenvolvido projeto artístico com profissionais consagrados como Lima Duarte, Arlete Salles e Laura Cardoso.

Profª Drª Ariane Porto Costa Rimoli
Departamento de Artes Cênicas
Instituto de Artes
Unicamp

Tiago José Gonçalves Silva
Mestrando em Artes da Cena
Instituto de Artes
O Produtor Cultural na cena contemporânea brasileira ainda não ganhou sua história - uma história que revele e reflita as transformações no sentido e significado que a atividade vem sofrendo no decorrer das últimas décadas. Esta “história” do produtor cultural brasileiro se justifica pela importância crescente que a atividade vem adotando nos últimos tempos, especialmente se avaliarmos a atividade sob a ótica da Economia Criativa, setor que gera mais de 900 mil empregos e mais de R$ 126 bilhões por ano em riquezas no Brasil.
 
As grandes discussões hoje que envolvem os produtores culturais e artistas é a obtenção de recursos. O que fazer com esses recursos, ou seja, a obra de arte, passa a um segundo plano. A Região Metropolitana de Campinasé uma das mais dinâmicas no cenário econômico brasileiro (1,8% do PIB nacional e 7,81% do PIB paulista), abriga pólos industrial e de pesquisa consideráveis, além de ter implementado, nos últimos anos, um pólo fomentador da cultura com ênfase no cinema, na cidade de Paulínia, o que justificaria um investimento na recuperação de espaços culturais, capacitação de profissionais da área artística e implementação de políticas culturais consistentes.
 
A região possui uma grande de quantidade grupos produtores de cultura nas diversas áreas: dança, teatro, música, artes plásticas, audiovisual, literatura e cultura popular. Contudo, esses grupos – profissionais e amadores – possuem poucos espaços para a integração.
 
A liberdade criativa cede lugar à adequação ao mercado, já que são os departamentos de marketing que decidem os projetos que serão executados. Apesar da carência de formação e reciclagem de profissionais em todas as áreas técnicas e artísticas da produção artística – cenógrafos, maquiadores, eletricistas, figurinistas, iluminadores, continuístas, fotógrafos, entre outros – cremos que maior a carência é a implementação de um programa de formação do Produtor Cultural. Isto porque seu perfil e área de atuação são alvos de simplificações. Até pouco tempo, o produtor era visto como uma espécie de “faz-tudo” da cultura, aquele indivíduo sem condições de atuar ou dirigir, que se incumbia das tarefas braçais e pouco criativas da produção.
 
Com o fortalecimento dos mecanismos de captação – leis de incentivo e editais – a existência do Produtor Cultural como um profissional necessário para estabelecer elos entre público e arte passa a ser percebida. As novas leis do mercado da cultura aumentaram a demanda pelos serviços desse profissional, explicitando a fragilidade de sua formação.
 
A maioria dos cursos livres e oficinas voltados para o setor ainda têm foco específico na instrumentalização para o enfrentamento de questões práticas – como montar, como vender, como produzir um projeto. Nos anos 90, surgem os primeiros cursos de graduação, sistematizando os conhecimentos inerentes ao setor, na Federal Fluminense (UFF-RJ), em 1995 e na Federal da Bahia (UFBA), em 1996. Atualmente, o setor é formado por profissionais de várias faixas etárias, graduados e empíricos, que trafegam pelas áreas da cultura enfrentando grandes desafios.
 
Porém, a maioria dos cursos livres e das oficinas voltados para o setor ainda têm foco específico na instrumentalização para o enfrentamento de questões práticas – como montar, como vender, como produzir um projeto. Sendo assim, o foco principal é a adequação ao mercado, sem uma preocupação, por exemplo, em questionar até que ponto o mercado vem abafando as capacidades criativas, contentando e contendo os realizadores e artistas por meio de concessão de recursos financeiros por editais ou leis de incentivo.
 
O foco principal é a adequação ao mercado, sem uma preocupação, por exemplo, em questionar até que ponto o mercado vem abafando as capacidades criativas, contentando e contendo os realizadores e artistas por meio de concessão de recursos financeiros por editais ou leis de incentivo. As grandes discussões hoje que envolvem os produtores culturais e artistas é a obtenção de recursos. O que fazer com esses recursos, ou seja, a obra de arte, passa a um segundo plano. A liberdade criativa cede lugar à adequação ao mercado, já que são os departamentos de marketing que decidem os projetos que serão executados. A cultura transforma e é, por natureza, libertária, transgressora, inconformada. Não pode ser contida. Mais do que instrumentos para captar e produzir para o mercado, a formação do produtor e do gestor cultural deveria contemplar noções fundamentais das ciências humanas e sociais, por meio de temas como os Sentidos da Arte; Cultura, Indivíduo e Sociedade; Comunicação Transformadora, entre outros. Oferecer cursos e atividades de extensão e estabelecer diálogos entre produtores culturais da região e comunidade acadêmica vêm ao encontro de uma das missões da Universidade – a integração com a sociedade e a produção e a difusão do conhecimento. E foi dentro desta perspectiva, a partir da disciplina Arte e Produção, que ministro desde 2012 no Instituto de Artes da Unicamp, que desenvolvemos o projeto de filme-escola batizado de “O Crime da Cabra”.
                              
Arte e Integração no espaço formal e não formal
O objetivo geral da proposta – a produção de um longa-metragem de ficção, formato digital, por intermédio da integração do Instituto de Artes com empresas e profissionais do mercado audiovisual nacional – contém vários outros objetivos:
 
                •             integrar comunidade artística e produtores culturais da região à comunidade acadêmica;

                •             possibilitar aos alunos da graduação e pós-graduação o estabelecimento de interfaces com produtores locais e nacionais e intercâmbio por meio de atividades práticas;

                •             coletar dados para nortear uma proposta de formação e capacitação de produtores e gestores culturais;

                •             produzir uma obra artística que integre todos os departamentos e institutos da Unicamp, incorporando docentes, alunos e funcionários.
 
Partindo da criação de um espaço acadêmico para o desenvolvimento participativo da proposta, oferecemos, em 2013, a disciplina Tópicos especiais em artes – filme-escola O Crime da Cabra, pela qual os alunos puderam conhecer as etapas de produção de um longa-metragem. Por ser uma disciplina eletiva, tivemos a participação de alunos dos diversos departamentos do Instituto de Artes, como também de outros institutos e faculdades.
 
Iniciamos também neste momento, juntamente com o espaço formal, a construção de um espaço de integração dos funcionários da Unicamp ao processo. Convidamos dois profissionais de fora da universidade – Teresa Aguiar e Pedro Molfi – para que ministrassem oficinas de interpretação para os funcionários participarem como atores no longa-metragem. Paralelamente ao desenvolvimento da oficina de atores, os funcionários tiveram contato com outras áreas do audiovisual, como roteiro, produção executiva, produção de locação, formatação de projeto cultural, administração, entre outros pontos. Neste processo, tivemos a parceria do GGBS (Grupo Gestor de Benefícios Sociais), que entendeu a importância do projeto para os funcionários e se tornou o parceiro estratégico para o desenvolvimento integral da proposta.
 
Ao final de 2013, já tínhamos um grupo de alunos, docentes, funcionários e profissionais do mercado interessados no projeto. Este sentimento de pertencimento foi, sem dúvida, o grande responsável pelo êxito do projeto. Contudo, esse sentimento não foi obra do acaso, e sim da metodologia educomunicativa utilizada no desenvolvimento de todas as etapas da proposta.
 
Educomunicação – Construindo diálogos transformadores
O projeto “Filme-Escola O Crime da Cabra” teve como base teórica e metodológica a Educomunicação, área na qual desenvolvi meu pós-doutorado pela ECA/USP, em 2011. Este campo do conhecimento, que une a Educação e a Comunicação, aponta para a emergência de um espaço de intervenção social caracterizado por oferecer um suporte teórico-metodológico que permite aos agentes sociais compreenderem a importância da ação comunicativa para o convívio humano, a produção do conhecimento, bem como para a elaboração e implementação de projetos colaborativos de mudanças sociais.
 
O conceito da educomunicação propõe, na verdade, a construção de ecossistemas comunicativos abertos, dialógicos e criativos nos espaços educativos, quebrando a hierarquia na distribuição do saber, justamente pelo reconhecimento de que todas as pessoas envolvidas no fluxo da informação são produtoras de cultura, independentemente de sua função operacional no ambiente educacional – formal ou informal.
 
Assim sendo, o projeto Filme-Escola foi concebido a partir dos parâmetros da Educomunicação, que favoreceram o diálogo transdisciplinar e a integração de uma equipe heterogênea.
 
Tais parâmetros revelaram aos participantes que é possível a construção coletiva, participativa e dialógica, independentemente da formação e dos conhecimentos prévios individuais, desde que o respeito à diversidade seja preservado e encarado como elemento constitutivo do projeto. Assim, funcionários da Unicamp que nunca haviam desenvolvido nenhum projeto artístico puderam atuar ao lado de profissionais consagrados nacionalmente, como Lima Duarte, Arlete Salles e Laura Cardoso.
 
“O Crime da Cabra” e o Circo Teatro de Mazzaropi
“O Crime da Cabra” é uma obra teatral de Renata Pallottini, vencedora de vários prêmios nacionais e internacionais. A obra é uma comédia de costumes, que se passa no interior de São Paulo e que ressalta aspectos importantes da cultura caipira, imortalizada nas telas por meio de personagens e situações criados pelo multiartista Amácio Mazzaropi (1912-1981). A escolha de tal obra para a realização do filme escola foi uma grande homenagem à riqueza do interior paulista e aos artistas que tiveram no circo e no teatro popular suas grandes escolas de arte e de vida; mas também, do ponto de vista da produção, mostrava-se uma obra adequada pela sua simplicidade e pela possibilidade de se tornar factível dentro do período de um ano letivo.
 
Outro motivo para a escolha da obra foi o fato de a mesma estar registrada na Ancine (Agência Nacional do Cinema), por intermédio de uma produtora qualificada – a TAO Produções. Sem isso, o filme não estaria apto a ser qualificado como um Produto Audiovisual Brasileiro, apto a ser certificado e exibido em salas de cinema e televisão.
 
Outro ponto que se mostrou importante foi a afinidade entre a proposta e a pesquisa de mestrado do meu orientando, o jornalista cultural Tiago Gonçalves: Mazzaropi em... Lona na Telona: A herança da teatralidade circense na filmografia caipira do comediante. Tal pesquisa integra o programa de pós-graduação Artes da Cena, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp.
 
Durante o processo de preparação do longa-metragem, Tiago Gonçalves participou de reuniões com o elenco e com a equipe técnica do filme, com o objetivo de discutir o conceito da teatralidade circense e a trajetória no picadeiro do comediante Amácio Mazzaropi.
 
Para o desenvolvimento do projeto, foi muito importante o diálogo com Tiago Gonçalves, já que a arte de Mazzaropi brotou sob a intimidade de uma lona circense e sobre o aroma doce-amargo da serragem. Traduzindo: o humor do comediante nasceu no circo. Até porque, apesar das primeiras manifestações artísticas desse humorista de muitos predicados serem abrigadas ainda na infância, durante as festividades estudantis no Grupo Escolar Belenzinho (São Paulo), foi realmente no picadeiro que o apuro cênico de Mazzaropi floresceu em oportunidade, qualidade e notoriedade.
 
Quando conheceu o picadeiro, Mazzaropi saboreava os anos de adolescência. O gosto pela arte da representação o levou rapidamente à beira da lona surrada de um cirquinho mambembe de lona furada e com ribalta improvisada, armado em um terreno de Taubaté. Chamava-se Circo La Paz. No local, o rapaz conheceu Dona Rosa, a valente proprietária. Bastou a velha clamar ao pé do ouvido do rapaz que as coisas iam muito mal, para Mazzaropi oferecer ajuda, mesmo, claro, a contragosto dos pais: Bernado e Clara.
 
“Falou com os pais. Nossa! Prá quê! Quase morreram de indignação. Era só o que faltava: trabalhar no circo. Criaram com tanta dificuldade e tanto mimo o filho e afinal ele queria ser um palhaço qualquer. Antes que Bernardo tomasse outra decisão, antes que o deportasse para outro lugar, Mazaropi resolveu. Bateu o pé, firme em sua resolução e lá se foi para o circo, ajudar dona Rosa. Enquanto ele permaneceu em Taubaté, tudo foi bem. Apesar das caras feias em casa, o jovem tocava a vida para a frente. Os ânimos foram esquentando. Se ele ficasse em casa quando o circo fosse, seria um inferno. Mas continuaria a gostar da arte. Pretendia, com jeito entrar para o teatro. Como sempre opusessem dificuldades, resolveu a situação de uma vez. “Circo mesmo serve”, pensou com seus botões… E lá se foi com a troupe.”
 
Dito e feito: fascínio para o resto da vida. Desde o instante em que colocou os pés na serragem do Circo La Paz, Mazzaropi jamais se distanciou da arte do picadeiro. Após a passagem pelo cirquinho de Dona Rosa, na labuta como “faz-tudo” e um exímio contador de causos e piadas, o humorista integrou grupos mambembes que passaram por Taubaté, foi ajudante de um popular faquir, um tal de Ferri, fundou uma companhia teatral: a Troupe Mazzaropi, excursionou com um pavilhão pelo estado de São Paulo, tornou-se galã de circo-teatro e até fez parceria com o italiano Nino Nello, representante moderno do filodrammatici (movimento artístico-cultural com tendência anarquista) e ilustre proprietário da companhia Pavilhão de Teatro Popular.
 
Engana-se quem deduz que, após o sucesso como campeão de bilheteria do cinema nacional, Mazzaropi deixou de se apresentar em circos. Fez questão, até a morte em 1981, de povoar os picadeiros de circos, entre eles o do Romano e o do Circo Irmãos Almeida, com um show caipira, composto por piadas, canções dos filmes e esquetes humorísticos. Às trupes menos favorecidas, chegou a oferecer o cachê integral das apresentações como forma de amizade, solidariedade e amor à arte do picadeiro. Para Virgílio Roveda, que atou na equipe técnica dos filmes do cineasta, Mazzaropi usava a lona como laboratório. “Ele testava as piadas dos filmes primeiramente nos circos.”
 
Ao longo do bate-papo com o elenco, a fim de identificar a herança da linguagem de picadeiro na filmografia do comediante, foi necessário retomar o conceito de teatralidade circense desenvolvido pela circense e historiadora Erminia Silva. No título Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil, a autora traz à tona a temática sob a trajetória artística do palhaço negro Benjamim de Oliveira, pautada entre 1870 e 1910:
 
“... o conceito de teatralidade circense engloba as mais variadas formas de expressão artística constituintes do espetáculo circense. Qualquer apresentação, seja acrobática (solo ou aéreo), entrada ou reprise de palhaço, representação teatral, entre outras, é expressão e constitui a teatralidade circense, pois é composta pelo ato de conjugar: controle de um instrumento, gestos, coreografia, comunicação não verbal (facial e corporal) com o público, roupa, maquiagem, música, iluminação, cenografia e relação com as outras representações no espetáculo.”
 
Ao se debruçar sobre o tema, a pesquisadora observou três características significativas que estruturavam recorrentemente o conjunto da labuta circense, inclusive a da organização do circo-teatro: contemporaneidade da linguagem, multiplicidade da teatralidade e o diálogo e a mútua constitutividade estabelecidos com os movimentos culturais da época. Em uma rápida reflexão sobre a filmografia de Mazzaropi, percebe-se que o comediante apropriou-se com bastante entusiasmo dessa tríade em diversas etapas da concepção cinematográfica: produção, argumento, roteiro, interpretação, direção, montagem, distribuição, entre outras.
 
Após os encontros, foi discutido o quanto da estética cinematográfica e circense mazzaropiana, bem como da trajetória artística do comediante, poderia servir de referência para a construção popular do filme O Crime da Cabra. De início, foram escolhidas algumas passagens da vida do comediante como inspiração para a construção do roteiro, principalmente a vida humilde dos tempos de infância no Interior, o fascínio pelo universo das artes e, claro, a paixão arrebatadora pelo picadeiro.
 
Por exemplo, há uma forte e significativa citação mazzaropiana na cena em que traz um pequeno musical protagonizado por Amácio, o Cego e Comadre Maria. Ao som de um violão e de um acordeom, as personagens entoam a canção humorística Sanfona da Veia (“Nhec, nhec, nhec... A velha é de amargar. Nhec, nhec, nhec... ela não sai desse lugar”), assinada pelo trio de compositores Brinquinho, Brioso e Raul Torres. Compreensível: essa polca fez parte do rol de canções interpretadas por Mazzaropi durante os shows em circo. Aliás, a Sanfona da Veia também está presente em uma das cenas do longa-metragem Betão Ronca Ferro (1970), dirigido pelo cineasta caipira. Nessa mesma levada, o picadeiro também tem espaço cativo em O Crime da Cabra. A cena de abertura da película, que retrata livremente o primeiro contato do pequeno Amácio com uma trupe mambembe, convida o espectador para um cortejo circense. A inspiração para a construção das tomadas vem das memórias de Jaqueline de Souza, artista descendente do Circo Bombril, e de Erminia Silva, referência na pesquisa sobre circo-teatro no Brasil e filha do aclamado multiartista circense Barry Charles; que foram recordadas por meio de depoimentos concedidos ao pesquisador Tiago Gonçalves.    
 
Tal como Mazzaropi – que mantinha o hábito de convidar artistas circenses para o elenco das películas, como Pirolito, Antenor Pimenta, Nena Viana e o Palhaço Xuxu – o elenco de O Crime da Cabra conta com um legítimo palhaço do circo-teatro. Trata-se de Pereira França Neto, o popular Tubinho, proprietário do Circo de Teatro Tubinho. Na trama, o artista dá vida a Manoel, um soldado de polícia um tanto atrapalhado. Em entrevista aos autores deste artigo, Tubinho fez questão de destacar a influência da interpretação de picadeiro durante a construção da personagem:
 
“Além da própria figura do caipira do Mazzaropi, busquei basear a construção do Manoel na tradição do palhaço de picadeiro, seja no modo de andar ou no jeito de enxergar as coisas. Essa vivência do palhaço caipira está muito presente na minha trajetória e no meu subconsciente. Por exemplo, os meus avós usavam de uma dupla de cômicos caipira, Nhô Bento e Nhá Quitéria, para interpretar as comédias de picadeiro. Essa lembrança faz parte do meu repertório como artista e, com toda certeza, esteve presente neste meu personagem de O Crime da Cabra”.  
 
Na mesma sintonia de referências, há ainda cenas rodadas sob a lona do Circo Mágico Nacional, pertencente à tradicional família Bartolo. Quem está à frente do circo é Antonio Bartolo, o Palhaço Banzé, descendente dos proprietários do aclamado Gran Bartolo Circus. Por coincidências ou não, o picadeiro dos Bartolo também recebeu as filmagens de outro longa-metragem, na década de 1980: Saltimbancos Trapalhões, do cineasta J. B. Tanko, protagonizado pela trupe Os Trapalhões (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias).
 
Outra influência bastante perceptível da herança da linguagem de picadeiro na película vem logo nos primeiros minutos do longa-metragem. Após o incidente em que a cabra devora o dinheiro, as personagens envolvidas sobem ao palco do Circo Mágico Nacional para o desenrolar de uma confusão daquelas. A briga espalhafatosa entre as figuras da cidade fictícia de O Crime da Cabra remete o espectador à interpretação hiperbólica, aos quiproquós e às gags clownescas presentes com bastante intensidade nas comédias e chanchadas do circo-teatro.
 
O mesmo pode-se dizer da tipificação das personagens, encontrada com entusiasmo tanto nas películas de Mazzaropi quanto na estrutura dramatúrgica do circo-teatro saboreado por Mazzaropi durante a passagem pelo picadeiro, seja comédia ou drama. Não por acaso, O Crime da Cabra está cheio deles: caipiras, cangaceiros, cego, coronel, delegada, prefeita, cafetina, entre outros. Aliás, tal característica foi apontada pelo dramaturgo Carlos Alberto Soffredini no artigo De um Trabalhador sobre seu Trabalho, que retrata uma faceta da pesquisa sobre circo-teatro da trupe desse autor, a Teatro de Cordel de São Paulo, para a confecção de um espetáculo popular. 
“Os velhos dramas românticos, no seu maniqueísmo desvairado, continham sempre determinados ‘tipos’ de personagem. Os atores, dependendo do seu tipo físico somado à sua personalidade, se especializavam em cada um desses ‘tipos’. A forma de representar esses personagens se tornou tradicional e os atores, especializados, passaram a receber o nome do tipo que representavam. Assim, toda Companhia tinha a sua ‘ingênua’, o seu ‘galã’, a sua ‘dama-galã’, o seu ‘vilão’, a sua ‘sobrete’, o seu ‘cômico’ etc. (Sem dúvida os ancestrais desses ‘tipos’ estão na commedia dell’arte italiana: o Arlequim, a Colombina, o Pantaleão, etc.).”
 
 
Resumindo a ópera
O filme-escola O Crime da Cabra foi integralmente filmado em outubro de 2014 e encontra-se em fase de pós-produção, visando o lançamento no segundo semestre de 2015.
 
O filme pode ser considerado uma experiência pioneira, da qual participaram docentes, alunos e funcionários, além de diversas instâncias da Unicamp – reitoria, pró-reitorias, Institutos, em parceria com a Secretaria de Cultura de Campinas, empresas, artistas e técnicos da região e de renome internacional.
 
A oficina de atores criada para atender aos funcionários se transformou num espaço permanente e hoje o trabalho continua sob o nome de Grupo ARTEÚNICA, em que os funcionários-artistas realizam atividades como “contação de estórias” no Hospital da Unicamp, produzem novos espetáculos e continuam o processo de formação e informação pessoal e profissional por meio da arte.
 
O filme-escola O Crime da Cabra pode ser considerada uma primeira experiência de produção criativa, a partir de parâmetros educomunicativos, que rompeu barreiras e construiu diálogos dentro e fora dos muros da Universidade.
 
 
Bibliografia
SABADIN, CELSO. Mazzaropi. Documentário. 2012.
SILVA, Ermínia. Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil. São Paulo: Editora Altana, 2007. 
SOFFREDINI, Carlos Alberto. “De um Trabalhador sobre seu Trabalho”. Disponível em www.soffredini.com.br
 
Periódicos
Mazaropi, O Caipira Filósofo!: Começando Pelo Circo. A Hora, São Paulo, 6 ago. 1952.