01/11/2010

Artigo

Igualdade e Acesso no Ensino Superior

Este artigo é o Capítulo 11 do livro Leardership for World-Class Universities: Challenges for Developing Countries. Philip Altbach (ed.), Chestnut Hill: Boston College.

Liz Reisberg | Boston College
David Watson | London University

Introdução

Abordamos aqui a questão do acesso e da igualdade no ensino superior. Nas esferas política e acadêmica, o acesso é entendido como o ingresso de maiores porcentuais da população que deseja ter uma educação superior; a igualdade requer que essas oportunidades estejam igualmente disponíveis a todos os cidadãos.

A maioria das nações teve sucesso no ingresso de porcentuais maiores do grupo de idade tradicional, mas é cada vez mais evidente que esse aumento não inclui necessariamente todos os segmentos da população. Em outras palavras, igualdade não decorre naturalmente de maior acesso; novos tipos de intervenção são necessários para abordar os fatores subjacentes que determinam quem ingressa e quem permanece até a formatura. Governos e instituições de ensino superior (IES) começam a enfrentarem os desafios advindos do recrutamento, da seleção e da ajuda a estudantes de um espectro mais amplo de grupos de idade, dedicando atenção especial aos de grupos sub-representados. A diversidade crescente obriga as universidades a enfrentar novos desafios para garantir que a maior parte (se não todos) desses novos alunos permaneça até completar seu programa de estudos. A preocupação pública com a igualdade reflete a expectativa crescente de que as universidades devem assumir um papel maior na sociedade, papel este que vai além da instituição propriamente dita.

Quase todas as sociedades enfrentam desigualdades, mas as desigualdades existentes na educação têm base em diferentes fatores históricos, sociais e econômicos, por exemplo, em Botsuana e na Suíça, nos Estados Unidos e na Índia, na Malásia e na Austrália. Para avaliar as limitações e as oportunidades da ampliação do acesso e garantir a igualdade em cada ambiente deve-se compreender a cultura e a demografia tanto da sociedade como do sistema de ensino. Neste caso não existem soluções universais.

O tema da igualdade levanta questões maiores sobre a interação da instituição com a sociedade em torno dela. Qual é a responsabilidade da universidade na solução de problemas complexos, muitas vezes enraizados na história e na cultura? Em que medida as comunidades universitárias devem refletir os traços da sociedade em que estão inseridas? Como uma instituição equilibra obrigações sociais com outros compromissos? Quem define as obrigações da universidade e quando elas são cumpridas?

Escolhas difíceis, contudo, não são um fardo apenas das instituições individuais, mas de todos os interessados: alunos, pais, patrocinadores e autoridades. Não se chega facilmente a um consenso sobre o problema, nem sobre suas soluções. Além disso, cada escolha traz consequências, e muitas vezes exige que, para que os benefícios sejam estendidos em novas direções, alguém tenha de perdê-los.

A participação inclusiva maior e mais abrangente no ensino superior vai muito além da questão da justiça social. Em um mundo globalizado, em que o sucesso econômico depende da capacidade de gerenciamento de grande quantidade de conhecimento e tecnologia, o desenvolvimento do capital humano é fundamental. A prosperidade econômica da maioria dos países depende de haver mão de obra cada vez mais instruída e, portanto, o acesso ao ensino superior deve ser uma prioridade nacional.

Benefícios de cunho não financeiro para a educação também têm de ser levados em conta. O Grupo Maiores Benefícios da Aprendizagem (Wider Benefits of Learning Group), do Instituto de Educação do Reino Unido, demonstrou (para nascidos em 1958, 1970 e, agora, 2000) que os alunos das IES no Reino Unido hoje são mais propensos a ser mais felizes, mais saudáveis e mais democraticamente tolerantes (Schuller et al. 2004).

Um estudo recente publicado no estado de Washington, nos EUA, mostrou o mesmo. Comparadas às famílias cujos pais têm um primeiro curso universitário, as famílias em que os pais possuem somente diplomas do ensino médio são três vezes mais propensas a viver abaixo da linha da pobreza e a necessitar de serviços subsidiados pelo governo. O nível maior de instrução não só promove a independência financeira, e (consequentemente) menor dependência de programas subsidiados, como também está relacionado diretamente a indivíduos que apresentam saúde excelente, menor probabilidade de atividade criminosa, níveis mais elevados de participação em eleições e maior inclinação para realizar trabalho voluntário (HECB, 2009-2010).

Dados de muitos outros países reafirmam essas descobertas. Em longo prazo, nenhuma sociedade pode se beneficiar de negligenciar a educação da população como um todo, o que inclui todos os subsetores. O ensino superior tem um papel importante a desempenhar aqui e, por isso, vem recebendo maior atenção das autoridades e dos doadores internacionais.

O escopo do problema

Acesso não garante igualdade

É certo que a participação na educação superior se expandiu nas últimas décadas. A maior parte dos países conseguiu o ingresso de maiores porcentagens de sua população no ensino primário e secundário. A urgência de se elevar ainda mais o nível médio da educação contribuiu para impulsionar a “massificação” do ensino superior. Dados da Unesco confirmam os progressos obtidos no sentido de incentivar jovens que abandonam a escola secundária a buscar estudos adicionais. Mundialmente, a taxa de matrícula aumentou de 19% para 26% (2000 a 2007, respectivamente). Em países de renda maior, nesse período a participação passou de 57% para 67% do grupo de idade [adequado]. Em muitos países o crescimento do ingresso nas escolas foi especialmente impressionante. No Brasil as matrículas aumentaram de 16% para 30%; na China, de 8% para 23%; na República Checa, de 29% para 55% (dados do Unesco Institute of Statistics em Altbach et al. 2009). Mas as taxas de matrícula refletem as médias nacionais e não transmitem dados importantes sobre o perfil interno de ingresso na escola.

O crescimento das matrículas não incluiu de modo igual todos os setores da população. Por isso, muitos países introduziram programas para incentivar os grupos sub-representados a se inscreverem, por vezes dando a esses alunos prioridade por meio de programas de ação afirmativa, programas de reserva ou de cotas e programas especiais de financiamento. Mas o problema não se resolve facilmente, levando autoridades e estudiosos a analisar mais detidamente os fatores que influenciam a participação. Uma avaliação mais aprofundada mostrou a complexidade do tema igualdade. Os fatores subjacentes são diversificados e perniciosos e envolvem circunstâncias que as universidades por si só não estão em posição de resolver, como preparação de má qualidade no ensino fundamental e médio, renda familiar e nível de educação dos pais. Muitos desses desafios são abordados neste artigo.

Como mencionado acima, o progresso global no aumento da taxa de atendimento escolar conta apenas parte da história. Os sistemas de ensino superior vêm se expandindo e se diversificando em resposta ao aumento da demanda por acesso mais amplo. É importante examinar onde a expansão de matrículas acontece. Todos os que se graduam se beneficiam de seu diploma universitário, mas o dos formados em instituições de elite, que desfrutam de benefícios e vantagens adicionais, têm mais valor. Embora as instituições de elite tenham feito muito para diversificar suas matrículas, a maior parte da expansão ocorreu em universidades menos prestigiadas, em instituições politécnicas e de orientação vocacional, em universidades privadas novas, community colleges e em escolas que oferecem cursos on-line.

Arum, Gamoran e Shavit (2007) destacam o debate sobre o significado social de pessoas de camadas mais desfavorecidas ingressarem em instituições de “segunda linha” e menos seletivas e questionam se esse modelo não continua a privilegiar determinados setores da população.

Alguns estudiosos sugerem que a expansão do ensino superior, especialmente quando ocorre por meio da diferenciação hierárquica, é um processo de desvio, por meio do qual membros da classe trabalhadora são desviados das oportunidades para a elite e encaminhados para posições de menor status (Brint e Karabel, 1989). Outros notaram, porém, que mesmo estudos pós-secundários de qualidade inferior representam maior oportunidade, de tal forma que o efeito importante da expansão pode ser a inclusão (Dougherty, 1994) (p. 2).

Investimentos com foco em instituições-chave contribuíram para que o sistema de ensino fosse cada vez mais estratificado na China e demonstram como a diferenciação pode influenciar oportunidades futuras e canalizar privilégios. Alunos, pais e funcionários observaram atentamente a hierarquia emergente. Uma pesquisa nacional mostrou que mais de 67% das unidades empregadoras entrevistadas indicaram que dão muita ou razoável importância para o prestígio do diploma ao analisar quem vão contratar. Menos de 5% dos participantes da pesquisa afirmaram não ser influenciados pela instituição em que o candidato à vaga estudou. As instituições chinesas de elite em geral permanecem fora do alcance dos pobres das áreas rurais (Hong 2004).

A discussão sobre se o aumento da diversidade dos alunos e das instituições gera oportunidades ou protege privilégios permeia a literatura (Morley et al. 2009; David 2007). O que é indiscutível é que o espaço nas universidades de elite com foco em pesquisa é limitado e há necessidade de alternativas de alta qualidade para os indivíduos que não se qualificam para instituições de alto nível. Até onde a diferenciação entre instituições leva à diferenciação das oportunidades subsequentes na vida é assunto que merece mais pesquisa.

O que quer dizer igualdade?

A desigualdade tende a se sustentar se não houver algum tipo de intervenção. Golden (2006) nos lembra que formas perversas de ação afirmativa há tempos são praticadas em escolas de elite, tais como dar prioridade a filhos de ex-alunos e de doadores em potencial ricos. Dito isso, muitas sociedades agora lançam mão de ações afirmativas, cotas ou programas de reserva para corrigir a distribuição desigual de oportunidades no passado.

Estudos recentes chamaram a atenção para as conquistas restritas daqueles que se beneficiaram do maior acesso e de programas específicos de admissão (Bowen et al. 2009, Rose 2005). Isso ressalta o fato de que igualdade quer dizer mais do que abrir a porta.

A definição de igualdade é ampla e enfatiza tanto a igualdade de oportunidades como a igualdade do resultado da educação. A igualdade na educação é, portanto, não apenas uma questão de oportunidades oferecidas no sistema de ensino, mas tem a ver com os resultados reais das diversas opções educativas e do desempenho de diferentes grupos de alunos por intermédio do sistema de ensino (OECD, 2007).

Um dos muitos problemas é que a desigualdade de oportunidades com frequência começa muito antes do ensino superior. Estudantes em desvantagem por alguma razão (contexto econômico, preconceito racial, localização geográfica, deficiência física) são muitas vezes preparados de forma inadequada para o estudo de nível superior. A diferença de preparação é agravada pelo fato de que alunos das classes média e média alta frequentemente têm a vantagem não só de estudar em melhores escolas, mas também de ter preparo adicional antes de entrar no estudo superior. Mais tarde as instituições enfrentam o desafio não apenas de ampliar o acesso, mas também de lidar com as deficiências e desvantagens acumuladas ao longo de anos de escolaridade para que essa população específica consiga se integrar no nível universitário.

Em suma, a verdadeira igualdade significa tornar o acesso disponível com os recursos e o apoio necessários para as pessoas obterem sucesso e tirarem proveito de novas oportunidades. São necessários novos serviços, que proporcionem acompanhamento acadêmico, apoio e orientação para auxiliar no que se refere à cultura social e acadêmica em nível universitário e apoio financeiro para amenizar as dificuldades econômicas. Os estudantes provenientes de grupos desfavorecidos são menos propensos a ter pais com formação universitária, capazes de apoiá-los e influenciá-los no sentido da persistência e do sucesso. As universidades têm de preencher muitas lacunas para que haja progresso.

Quem é sub-representado?

A questão da igualdade desloca a discussão sobre o acesso para além de cifras e porcentuais. Igualdade implica acesso justo para todos, mas em quase todos os países há padrões de sub-representação. Quem se qualifica como membro de um grupo desfavorecido é definido por uma ampla gama de características, como mencionado anteriormente.

Desigualdades na participação no ensino superior são evidentes ao longo da vida e incluem diferenças em termos de tempo (e idade), lugar, sexo, etnia, idioma, classe social da família, escolaridade dos pais, tipo de escola, habitação, saúde/deficiência, atividade criminosa, dificuldades de aprendizagem, origem familiar e religiosa. Muitas desvantagens sociais têm efeito na educação inicial e, posteriormente, na participação em outras formas de aprendizagem. Renda e educação dos pais são, particularmente, fatores de influência. Posição profissional e tamanho da família também são relevantes. [...] A qualidade das condições de vida (tais como a saúde infantil) é importante para compreender o porquê do desinteresse pela educação em contraposição à participação ativa do estudante. [...] A questão é saber se as autoridades devem buscar reduzir, de forma direta, as desigualdades na educação ou buscar reduzir as desigualdades mais amplas que se refletem na educação (Gorard et al., 2006).

As causas subjacentes que favorecem alguns grupos e discriminam outros variam muito; às vezes são um reflexo de políticas, às vezes de circunstâncias. O nível de escolaridade dos pais e a riqueza da família parecem especialmente influentes.

Alguns indivíduos enfrentam desde muito cedo obstáculos que os deixam em desvantagem. Um exemplo no Reino Unido é o grupo hoje chamado de “crianças ‘cuidadas’” [“cared-for” children], crianças nascidas sem perspectiva de ter uma família estável ou saudável e que ficam sob responsabilidade do Estado. Elas tendem a crescer ou em lares adotivos ou em abrigos e são uma “perfeita tempestade”, no sentido de que têm pouco apoio para seu desenvolvimento acadêmico, ambiente familiar imprevisível, meios financeiros limitados e outras condições que as colocam à margem da sociedade. Embora não façam parte de um subsetor-alvo, elas aparecem com regularidade na parte inferior de quase todos os testes de progressão escolar e, mais tarde, estão em desvantagem no momento da entrada no ensino superior (Jackson et al. 2005).

No mundo todo, diferentes fatores criam oportunidades desiguais e produzem resultados desiguais. A minoria chinesa na Malásia não teve acesso ao ensino superior no passado em virtude do direito preferencial legal da maioria malaia – muito embora seus níveis de educação e renda sejam elevados –; nas provas de admissão, os árabes israelenses são prejudicados; comunidades étnicas da Europa do Leste e Central sofreram com políticas de apoio à limpeza étnica; não falantes do idioma africâner na África do Sul eram excluídos, perpetuando os padrões de participação baseados na raça (Watson, 2005). Da mesma forma, os Estados Unidos restringiram, aberta ou indiretamente, o acesso de diferentes grupos minoritários em diferentes momentos da história. Apesar das intervenções dos tribunais em favor das minorias, negros e hispânicos ainda representam uma pequena porcentagem do total de matrículas nas instituições de ensino superior dos EUA, assim como levam mais tempo para completar o curso que seus colegas brancos (Bowen et al. 2009).

A dinâmica social é fluida; em uma sociedade, o tempo pode mudar quem está em desvantagem. Houve uma época em que mal havia mulheres no ensino superior. Hoje em muitos países há mais mulheres que homens na universidade. Em um artigo com foco especial, a University World News (25 de outubro de 2009) observou que, com exceção de alguns campos (engenharia, ciência e tecnologia da informação), as mulheres são maioria na Europa, na América do Norte, na América Latina e no Caribe, e nos países árabes não estão muito atrás. Atualmente, no grupo de referência da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), apenas alguns países ainda têm maioria de matrículas do sexo masculino (Japão, Turquia e Coreia). Na Suécia, para aumentar o número de matrículas de homens na universidade houve até ação afirmativa, recentemente contestada na Justiça por um grupo de mulheres. O sexo feminino representa 60% das matrículas nas universidades suecas (The Chronicle of Higher Education, 13 de janeiro de 2010). No mundo todo as mulheres são mais propensas a completar seus estudos, segundo dados de países da OCDE – uma mudança interessante em relação ao passado (OCDE 2009).

Neste caso, novamente, os dados quantitativos precisam de mais análise. Embora a paridade de gêneros entre os alunos matriculados no ensino superior possa parecer visível na maioria dos países, as desigualdades persistem. Globalmente, as mulheres estão concentradas em áreas disciplinares associadas a menores salários depois da graduação, tais como educação, assistência social e saúde, levantando questões sobre os fatores que influenciam a seleção dos cursos (Morley et al. 2009).

Ironicamente, no passado as cotas foram utilizadas tanto para exclusão quanto para inclusão. Nos EUA, as matrículas de judeus chegaram a ser limitadas por cotas, particularmente em instituições de elite, para impedir uma representação desproporcional à presença judaica na sociedade em geral (Golden 2006). Atualmente, sem cotas, os judeus representam 25% das matrículas de graduação em Harvard (Harvard Hillel, 2010), embora sejam menos de 2% da população norte-americana. Há uma questão similar com estudantes asiático-americanos, que representam mais de 40% dos estudantes da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Berkeley, San Diego e Irvine, embora sejam 12% da população do estado (Chea 2009). Aqui, novamente, a questão é mais complicada do que pode parecer à primeira vista, já que nem os judeus americanos nem os asiático-americanos são grupos homogêneos. A alta taxa de matrícula desses dois grupos levanta outra questão: se o objetivo das políticas de igualdade é que a participação reflita o porcentual de um grupo minoritário na população como um todo e se as universidades devem manter esses porcentuais e restringir a participação de certos grupos minoritários adequadamente.

Os fatores que determinam quem tem acesso ao ensino superior e quem será bem-sucedido mudaram em muitos países. Hoje é tão provável que seja o status econômico quanto a raça, o gênero ou a etnia que determina quem tem acesso às melhores oportunidades de ensino pós-secundário e quem é mais propenso a terminar os estudos. Na verdade, os alunos são muitas vezes prejudicados por uma “variedade de marcadores de identidade” (Morley et al. 2009), em vez de uma única característica (Schwartzman 2006). Distribuir oportunidades igualitárias, determinar se um determinado grupo deve receber atenção especial na admissão e se a participação de outro grupo deve ser restringida, tudo isso contribui para os dilemas da responsabilidade social que o ensino superior está sendo chamado a enfrentar. Se o objetivo de maior igualdade é de modo geral compartilhado, determinar quem e como é mais difícil de resolver, e diferentes países adotaram diferentes estratégias na busca de uma sociedade mais igualitária.

Olhar comparativo sobre
desafios e soluções

Ações afirmativas, sob a forma de programas de cotas e de reserva, são utilizadas em muitos países para lidar com a participação desigual de grupos minoritários e em desvantagem em cada sociedade. Na superfície, pode parecer que esses programas dão espaço para que grupos sub-representados “alcancem” os demais, mas eles geralmente são controversos e há poucas pesquisas sobre seu impacto.

No Brasil, há quatro vezes mais cidadãos brancos com 15 anos de ensino ou mais do que cidadãos negros ou de raça mista (Schwartzman 2006). Curiosamente, houve muito progresso na melhora do acesso ao ensino médio, em que as diferenças de participação por raça são menos significativas. O progresso no nível de ensino superior continuou a se desviar em favor dos alunos brancos. Os vestibulares competitivos para as universidades públicas mais prestigiadas dão vantagem a uma população predominantemente branca, com recursos para frequentar melhores escolas de ensino fundamental e médio.

Há vagas suficientes nas universidades para acomodar todos os graduados do ensino médio, mas os estudante de baixa renda e de minorias raciais (quando se matriculam) não estão bem distribuídos pelo sistema de ensino superior (Schwartzman 2006). A ironia de as famílias de baixa renda terem maior acesso a instituições pagas ao passo que estudantes mais ricos se matriculam gratuitamente em universidades públicas é claramente compreendida pelas autoridades. Em resposta, o governo introduziu cotas para reservar espaço no setor público para mais estudantes não brancos. Atualmente muitas universidades públicas acrescem pontos à nota do vestibular de alunos de escolas públicas que matriculam estudantes oriundos de grupos desfavorecidos. Na superfície parece ser um mecanismo para “zerar o jogo”, mas Schwartzman assinala que isso coloca em desvantagem os estudantes de famílias de baixa renda que conseguem se matricular em escolas privadas. Ele também observa que os alunos que receberam o benefício de pontos adicionais ingressam em desvantagem acadêmica, o que irá aumentar a probabilidade de que desistam do curso ou (pelo menos) se isolem em cursos de recuperação.

No Brasil, como em outros lugares, é mais fácil identificar as desigualdades que resolvê-las. O sistema de cotas causou controvérsia considerável. Uma resposta digna de nota foram as mais de 300 ações ajuizadas contra a Universidade Federal do Rio de Janeiro por candidatos que se sentiram prejudicados pelo sistema de cotas. Há preocupações sobre se o sistema de cotas não vai agravar a tensão racial no Brasil, e ainda é difícil determinar como definir raça (numa sociedade predominantemente mestiça) (Tavolaro 2008).

Na Índia o acesso à educação superior expandiu-se rapidamente, com a criação de muitas instituições públicas e privadas. Ainda assim, não só a taxa de frequência escolar é relativamente baixa – inferior a 15% – como também as taxas de participação caem para menos de 6% na maioria dos estados mais rurais, em que o acesso às instituições de ensino superior é escasso (Jayaram 2008, Altbach et al. 2009).

A população da Índia é extremamente diversificada, e, no passado, uma hierarquia rígida determinou a alocação de oportunidades educacionais e econômicas. O governo da Índia, como o do Brasil, introduziu uma ação afirmativa sob a forma de cotas ou reservas, com o objetivo de distribuir benefícios sociais de forma mais equitativa para “classes mais pobres e determinadas tribos”. Desde 1961 a Constituição determina que 22,5% das vagas no ensino superior devem ser reservadas para essas classes e tribos. Em alguns estados é reservado 50% do espaço. O programa resultou em muito mais diversidade no ensino superior, mas, como o Brasil, a Índia tem certa dificuldade para definir com clareza exatamente quem faz parte dos grupos-alvo. Em consequência, um efeito algo perverso do programa é que, embora a classificação pareça degradante, muitas pessoas assumiram essas identidades para tirar vantagem das vagas no serviço público e nas universidades reservadas aos membros desses grupos (de Zwart 2000).

O programa de reserva também provocou protestos de estudantes e profissionais, que advertiram que essa estratégia serviria apenas para substituir candidatos qualificados por indivíduos incompetentes e despreparados (Neelakantan 2006). Mas a questão é como e se as desigualdades seriam enfrentadas sem algum tipo de intervenção proposital, levando um observador a ponderar que “as reservas são necessárias por causa da incapacidade inata da sociedade indiana de ser justa e correta com todos os seus componentes” (Punwani em Gupta 2006, p. 2).

Apesar de suas complicações, os sistemas de cotas continuam a ter um grande apelo internacionalmente, em lugares onde há grandes desigualdades e não se vê alternativa melhor. Um palestrante na Universidade do Malauí observou:

...Eu era parte do grupo que administrava os vestibulares da Unima em Mzuzu. Se tivesse o espírito de Deus vivo em você, não conseguiria impedir uma lágrima de simpatia em seus olhos ao ver o abismo entre os candidatos de famílias ricas e os de famílias pobres, de zonas rurais versus áreas urbanas e de escolas privadas versus escolas públicas. Estas e outras preocupações com os pobres em áreas rurais são a razão pela qual precisamos de um sistema de cotas como política de igualdade que beneficie os pobres rurais e não uma região ou uma tribo (University World News, 13 de dezembro de 2009).

Por toda a África a participação no ensino superior permanece baixa em todos os grupos da população. O progresso visando à melhoria das taxas de atendimento escolar continua, mas nessa região as mulheres não acompanham o mesmo ritmo que os homens. Na Tanzânia e em Gana, por exemplo, a despeito de programas de ação afirmativa e de cotas, o grupo social com maior probabilidade de se matricular no ensino superior é o de homens oriundos das classes econômicas altas. Em Gana, onde as mulheres progridem lentamente, elas também estão mais propensas a vir da classe mais rica (Morley et al. 2009). Morley et al. nos lembram que o gênero tem associações culturais que as cotas não dissiparão, e em muitas sociedades africanas se espera que as mulheres se conformem aos papéis femininos tradicionais, não compatíveis com níveis mais elevados de educação. Os “sistemas de mensagens dos pais” [“parental message systems”] (p. 61), mais do que ações afirmativas, parecem ajudar as mulheres a romper as restrições da cultura tradicional; o incentivo dos pais é particularmente influente.

Não há dúvida de que os programas de cotas, de reserva e de ação afirmativa abriram mais as portas, mas eles são limitados em relação às mudanças que podem fazer nas condições sociais. Esses programas também tendem a basear a qualificação numa única característica, que nem sempre é fácil atribuir; além disso, em geral as desvantagens dos indivíduos dos grupos-alvo são resultado de múltiplos fatores. Sem compreensão e atenção aos desafios mais profundos, iniciativas que visem a simplesmente estender as oportunidades de ingresso com base numa só característica são uma estratégia que provavelmente terá impacto limitado.

Rumo a uma distribuição
justa de oportunidades

A distribuição injusta da riqueza e da pobreza e as circunstâncias subsequentes que podem ser atribuídas a elas são um problema mundial. A maioria dos indivíduos nasce com vantagens ou desvantagens sem ter agido para isso. O desafio é encontrar uma solução que distribua benefícios sociais onde eles são escassos sem privar deles quem já os desfruta.

Enfrentar déficits do passado

Um dos dilemas dos programas para estender o acesso equitativo a todo o espectro de instituições de ensino superior é preencher as lacunas de preparo. O problema de despertar aspirações por um acesso justo às instituições de prestígio por parte de estudantes bem qualificados, mas fora dos padrões, é que esse esforço é prejudicado pelo desafio de se conseguir que alunos mais preparados se matriculem. Em março de 2008, durante um debate público sobre as lacunas de desempenho no Reino Unido, foi dito que:

Só 176, ou pouco mais de 0,5%, dos quase 30 mil alunos que receberam três notas A no A-level no ano passado se qualificavam para receber refeições gratuitas, de acordo com dados que mostram que a renda familiar é o melhor indicador individual do sucesso escolar da criança.
Elas [as novas estatísticas] foram divulgadas pelos ministros em resposta a perguntas do secretário “paralelo” da Infância, Michael Gove, que disse que elas ilustram a luta das universidades do topo para recrutar candidatos de alto nível entre as famílias mais pobres (Curtis, 2008).

É importante não subestimar o efeito de decisões tomadas por e para os estudantes durante o ensino fundamental e médio que atrapalham sua preparação para o ensino superior. O fosso aumenta porque estudantes de famílias mais ricas são mais propensos a reforçar seu aprendizado em sala de aula com aulas extras para melhorar seu desempenho nos vestibulares, prática evidente em países como o Brasil e o Japão.

Quando universidades de elite buscam diversidade em seu corpo discente, os resultados revelam um padrão desconcertante de vantagens e desvantagens. Espenshade, Radford e Chung (2009), em seu estudo sobre admissão nas instituições de elite dos EUA, constataram que eram oferecidas mais vagas a brancos do que a estudantes de origem asiática; as vagas para hispânicos eram desproporcionais em relação às dos brancos; afro-americanos tinham no mínimo cinco vezes mais chance de ser admitidos que brancos; atletas duas vezes mais que não atletas; alunos de escolas privadas duas vezes mais que os de escolas públicas, e assim por diante (Clark 2009). Em outras palavras, na busca por diversidade, as escolas de elite determinam as preferências com base numa série estonteante de variáveis. Embora os alunos de minorias tendam a ter mais sucesso em instituições mais seletivas que em menos seletivas, Bowen, Chingos e McPherson (2009) advertem que a seleção de estudantes mal preparados para atender às expectativas acadêmicas de instituições de elite coloca-os sob risco maior de não completarem a graduação que seus pares mais privilegiados.

Alunos que não são suficientemente competitivos para atrair as escolas de elite – grupos difíceis de serem atingidos – tendem a permanecer concentrados em instituições menos exigentes (geralmente escolas politécnicas, community colleges, grandes faculdades sob administração local). Além disso, esses estudantes tendem a ficar mais perto de casa por razões econômicas, familiares e culturais. Isso é especialmente verdade no que tange a crianças de comunidades indígenas, que muitas vezes são isoladas. Assim, a qualidade da educação que estudantes de grupos sub-representados podem seguir talvez esteja ligada à geografia (Gibbons & Vignoles 2009; Piquet 2006).

O impacto das mensalidades

A massificação do ensino superior, aliada ao aumento da tendência de se considerar a educação um “bem privado”, incentiva os governos a, cada vez mais, adotar uma divisão de custos e sistemas de recuperação de gastos para o financiamento do ensino superior.

Antes da tendência de introduzir fees (taxas) já havia uma carga desigual de custos para se frequentar uma universidade. Estudantes de baixas condições socioeconômicas são mais propensos a batalhar para financiar os gastos de subsistência e as despesas acessórias de estudo (livros, materiais etc.) e menos propensos a estar em posição de abrir mão de receitas imediatas do que seus pares de classe média e classe alta que recebem ajuda da família. Só alguns países dão subsídios para cobrir de forma adequada o custo total do ensino superior, e neles a massificação colocou pressão sobre esses subsídios.

A imposição de taxas em jurisdições nas quais o ensino superior inicial de tempo integral era gratuito é um fenômeno que se espalhou pela Europa e pela Australásia na última década. Para assegurar que as taxas não se tornem uma barreira à participação, alternativas complexas de ajuda a estudantes (auxílio financeiro, empréstimos, subsídios) e de ressarcimento de fees de pós-graduação por meio de impostos surgiram até em sistemas tradicionalmente “estatistas”, como o da Alemanha. Para dirigentes e autoridades, os sistemas de recuperação de custos apresentam um terrível dilema. O compromisso com o ensino superior gratuito (assim como o acesso aos serviços nacionais de saúde) tem forte apelo popular, principalmente junto a estudantes e seus pais. Ainda assim, no passado os benefícios dos subsídios para o ensino superior não foram distribuídos igualmente entre todos os setores da população. Ao mesmo tempo, as instituições precisam de receita adicional num contexto de declínio do subsídio público. O dilema requer compromissos pouco atraentes, que tenham impacto desigual sobre diferentes segmentos da população.

Os dados que medem o impacto de novos sistemas de divisão de custos ainda são restritos e confusos. Na China, por exemplo, o rápido aumento das fees não leva em conta as disparidades de renda entre a população urbana e a rural. Além disso, as melhores e mais prestigiadas instituições tendem a se concentrar nas grandes áreas urbanas, o que impossibilita sua frequência por estudantes rurais, cuja renda familiar é insuficiente para cobrir as mensalidades e o custo de vida nas caras cidades chinesas (Hong, 2004).

A disposição para assumir dívidas parece variar conforme a cultura, mas na maioria dos casos os alunos de famílias de baixa renda são mais avessos a riscos e menos propensos a tirar proveito de empréstimos a juros baixos para estudantes. É frequente haver menor disponibilidade de empréstimos para estudantes de baixa renda onde se exigem devedores solidários ou fiadores. A oferta de crédito para estudantes de baixa renda teve efeito positivo na frequência (Johnstone & Marucci 2003; Canton e Blom 2004). Alguns países recompensam mérito com bolsas de estudo, produzindo o efeito perverso (mas não surpreendente) de oferecer subsídios adicionais a estudantes mais ricos (Usher 2009). Como sempre, há a questão de se as políticas alcançam os objetivos buscados ou algo mais. Na Inglaterra, foi introduzido em 2006 um sistema de fees variáveis para estudantes, com uma cláusula determinando que o governo cobrisse a diferença para as instituições e posteriormente a buscaria de volta dos graduados pelo sistema de Imposto de Renda. Enquanto isso, sob a supervisão de um órgão recém-criado, o Offa (Office for Fair Access, ou Departamento para Acesso Justo), as instituições são obrigadas a encaminhar uma parte das receitas oriundas das fees para bolsas de estudo e trabalhos de “extensão”. Claire Callender reflete:

Em vez de eliminar o preço como fator na escolha da universidade, que foi fundamental tanto para a lógica subjacente à introdução de bolsas de estudo como para a retórica política em torno de sua criação, as IES estão usando o preço líquido a seu favor na briga por alunos. (Callender, a ser publicado)

É consenso geral que o ensino gratuito, e mesmo o ensino superior de baixo custo, não é sustentável na era da massificação e da crescente tendência à classificação do ensino superior como “bem privado”. O desafio atual é garantir que o acesso e a igualdade sejam protegidos num ambiente fiscal cada vez mais difícil para o ensino superior.

Retenção e persistência na graduação

À medida que a questão do acesso recebe mais atenção de pesquisadores e autoridades, torna-se mais evidente que o acesso maior tem menos impacto social se os programas de estudo não forem concluídos. Os desafios para se reter alunos de graduação são muitos, e são ainda maiores se o aluno for o primeiro de sua família a se inscrever no ensino superior, se for menos preparado que os demais estudantes ou se lutar contra as desvantagens geralmente associadas a raça, etnia ou deficiências. Algumas evidências indicam que os alunos com histórico de desfavorecimento são mais propensos a abandonar os estudos, mesmo que sejam qualificados ao entrar no ensino superior (Chowdry et al. 2008). Embora haja evidência de que cada ano de estudo no nível superior aumenta o potencial de renda, o salário de quem se forma é significativamente maior (Bowen et al. 2009).

Dados do National Center for Educational Statistics (Centro Nacional para Estatísticas Educacionais), dos EUA, mostram que o índice de graduação em seis anos de estudantes negros é inferior a 50%, 20 pontos porcentuais abaixo do dos brancos (Carey 2008). Programas inovadores demonstram que, a despeito de déficits acadêmicos pré-universitários e de desafios sociais, novos alunos do ensino superior podem ser bem-sucedidos se houver intervenção adequada. O Care (Center for Academic Retention and Enhancement, Centro para Retenção e Aprimoramento Acadêmico), da Florida State University, oferece uma abordagem ampla e multifacetada para o ingresso e a graduação de estudantes “difíceis de serem alcançados”. O Care trabalha com escolas de ensino fundamental para identificar os estudantes talentosos a partir da 6ª série e oferece programas de verão e pós-escolares para incentivá-los e orientá-los. Um programa-ponte fornece orientação acadêmica e social no verão entre a conclusão do ensino médio e a matrícula na universidade. Orientação e consultoria estão disponíveis após a matrícula. O resultado foi que os estudantes do Care tiveram quase o mesmo índice de graduação que seus pares não alunos do Care (Carey 2008).

Há motivos para se duvidar da afirmação feita anteriormente de que algum ensino superior é melhor que nenhum; persistir até a graduação está se tornando tão importante para oportunidades futuras quanto o acesso à universidade. Comparados aos que nunca fizeram um curso de graduação, parece que aqueles que começam o estudo de nível superior e o abandonam ficam para trás em termos econômicos. À medida que o acesso ao ensino superior se expande, retenção e conclusão tornam-se tão importantes para o sucesso (medido como participação econômica e social após a graduação) quanto aumentar o ingresso de alunos.

A capacidade de persistir está relacionada muito diretamente ao sucesso escolar anterior, e representa outra maneira pela qual as instituições de ensino superior devem ter uma motivação forte para contribuir para a melhoria do desempenho do ensino fundamental e médio. Elas também exercem influência muito maior (por meio da pesquisa e de seu papel na formação de profissionais competentes) do que frequentemente pensam exercer. Também têm a opção de parcerias inovadoras com os níveis anteriores de ensino, como demonstra o exemplo da Florida State University.

Desafios para liderança

Mais igualdade compromete a qualidade?

Outro dilema é se o aumento da participação pode ser alcançado sem comprometer a qualidade do que é oferecido. Isso certamente preocupa políticos e autoridades. Eis uma reflexão de um dos Comitês de Seleção da Câmara dos Comuns do Reino Unido sobre acesso e igualdade.

Nossos valores e compromissos democráticos nos pressionam para responder à velha questão “Podemos ser iguais e também excelentes?” com um retumbante “sim”.
(Majority Report of the House of Commons Education and Employment Committee Fourth Report, Higher Education: Access, fevereiro de 2001, parágrafo 116)
Excelência é uma palavra usada frequentemente na retórica política, mas sem muita utilidade na prática. Quando maiores porcentagens de grupos etários se matriculam no ensino superior, haverá necessidade de definições novas e mais práticas de excelência.

Por definição, à medida que se passa de 50%, continuar o aumento da participação significa envolver pessoas que estão abaixo da média em termos de desempenho acadêmico, e essas pessoas tendem a vir de grupos mais desfavorecidos da sociedade, que sempre foram menos propensos a frequentar o ensino superior (Usher, 2009).

As instituições de elite vão conseguir, com pouco efeito, aumentar a diversidade; essas instituições sempre estarão em posição de selecionar estudantes com alto potencial de sucesso e (muitas vezes) proporcionar o ambiente e os serviços necessários para que o índice de conclusão se mantenha alto. Em outras instituições, a diversidade vai introduzir alunos com níveis de ensino pré-universitário e talentos variados, que vão exigir mais acomodação e flexibilidade em sala de aula.

O relatório de 2000 da Task Force on Higher Education and Society (Força-Tarefa sobre Educação Superior e Sociedade), dos EUA, sugere que o ensino superior deve “combinar tolerância nos pontos de entrada com rigor no ponto de saída” (p. 41). O desafio será colocar essa meta em prática, dada a realidade das circunstâncias e dos recursos locais.

Novas pressões sobre o ensino superior vão provavelmente competir com o progresso continuado rumo a mais igualdade. A definição de excelência passou a estar ligada à noção de “nível mundial”. Nesse contexto, dá-se ênfase à produtividade de pesquisa, ao interesse da mídia, aos destinos dos graduados, à infraestrutura e ao recrutamento internacional. Essas são características improváveis para a maioria das instituições “absorvedoras da demanda”. Muitos dos elementos de desempenho de senso comum – tais como a qualidade do ensino, a ampliação da participação e da mobilidade social, os serviços para empresas e para a comunidade, o apoio a comunidades rurais, além de a comunidades metropolitanas, assim como contribuições para outros serviços públicos –, estão visivelmente ausentes nessa nova visão da excelência (Watson, 2007: 34-46). Nível mundial e melhor acesso e igualdade podem sentar juntos na teoria e na retórica, mas requerem tipos diferentes de políticas e de apoio. À medida que mais governos se preocupam com o desenvolvimento de mais universidades de “nível mundial”, pode acontecer de o esforço desviar recursos necessários para acomodar a participação de novas populações no ensino superior. Os exemplos a seguir, referentes ao Reino Unido, delineiam a distribuição desproporcional do financiamento do ponto de vista da justiça social. Em maio de 2004 o Funding Council (Conselho de Financiamento), da Inglaterra, relatou os gastos da seguinte forma:

• £ 40 milhões para o acesso de estudantes de graduação em tempo integral (com base em desvantagem educacional em diferentes distritos censitários)

• £ 54 milhões para o acesso de estudantes de graduação em tempo parcial

• £ 187 milhões para a retenção de estudantes de graduação em tempo integral

• £ 56 milhões para a retenção de estudantes de graduação em tempo parcial

• £ 13 milhões para ajuda e instalações para alunos com deficiência

Um total de £ 354 milhões foi gasto no apoio a maior acesso e retenção. Em contraste, £ 1,4 bilhão foram empregados no financiamento à pesquisa. O investimento em acesso mais amplo representa cerca de 25% do financiamento relacionado à pesquisa (Higher Education Funding Council for England, HEFCE, 2007).

Pedagogia e engajamento estudantil

Os novos ingressantes no ensino superior oriundos de grupos historicamente sub-representados não só refletem experiências pré-universitárias diversificadas como provavelmente também estarão propensos a demonstrar diferentes inclinações e necessidades. Como já mencionado, haverá maior necessidade de orientação e de outros tipos de apoio acadêmico, uma vez que estudantes de escolas pobres de ensino fundamental e médio tendem a estar despreparados para as exigências do estudo universitário. É também provável que haja um crescente “distanciamento” entre o ensino tradicional e a cultura e as expectativas dos alunos de faculdades de primeira geração e de outros alunos de grupos historicamente sub-representados. É mais provável que isso seja visto pelo corpo docente mais como um problema do aluno do que como um incentivo para o desenvolvimento de novas pedagogias (Gorard et al. 2006). A ampliação da diversidade vai obrigar as instituições a reavaliarem o modo pelo qual oferecem educação superior.

À medida que a universalização avança, a maioria dos novos alunos simplesmente está menos interessada no tipo de ensino ministrado pelas instituições de ensino superior existentes ou simplesmente tem menos talento acadêmico. Novas táticas terão de ser introduzidas para atrair esses alunos (Usher 2009, p. 9).

Pode haver oferta de cursos percebidos como mais atraentes (especialmente aqueles que dizem respeito à saúde, a serviços e a profissões culturais) e os estilos de ensino podem ser considerados mais adequados às chamadas “novas” universidades. O Higher Education Policy Institute (Instituto de Política do Ensino Superior), da Grã-Bretanha, detectou nessas instituições um contato mais frequente com a equipe acadêmica tradicional (o que exclui assistentes de pesquisa e monitores), e há evidências de maior atenção à prática pedagógica (Bekhradnia et al. 2007).

Alguns países tentam novas abordagens pedagógicas em instituições que atendem populações indígenas. As “universidades interculturais” do Novo México estão desenvolvendo abordagens de ensino e aprendizagem congruentes com valores culturais, idioma e história (Brunner et al. 2006).

A pedagogia e a organização dos programas de graduação precisarão ser reconsideradas, juntamente com medidas de desempenho e critérios para resultados e excelência, à medida que o ensino superior se torna cada vez mais diversificado.

Conclusão

É consenso geral a existência de uma necessidade mundial de redistribuição de privilégios. Já não é admissível a concentração de benefícios sociais num pequeno segmento da sociedade. A manutenção dos antigos padrões de desigualdade vai impedir a expansão da prosperidade econômica e da democracia. O acesso ao ensino superior tornou-se um componente importante na criação de sociedades modernas, estáveis e prósperas.

O acesso ao ensino superior foi privilégio de pequenos segmentos da sociedade até a última metade do século XX. A massificação da maioria dos sistemas de ensino superior expandiu as oportunidades no mundo todo, mas não de forma igual para todos os setores da sociedade. Hoje os países tentam enfrentar essas desigualdades por meio de uma série de estratégias.

Não existem soluções perfeitas. Os recursos públicos são limitados e necessários para se lidar com um amplo espectro de problemas sociais, e nem todas as necessidades serão atendidas. Algumas pessoas provavelmente vão perder oportunidades, mesmo que não tenham sido diretamente responsáveis por padrões de discriminação do passado. Os sacrifícios que elas talvez tenham de fazer podem contribuir para ampliar a divisão, assim como continuar a impedir setores da população de ter acesso a oportunidades. A situação não pode permanecer estática e as universidades têm um papel importante a desempenhar.

Apesar de muita retórica, a partir das evidências sabemos o seguinte sobre a ampliação da participação: ela não depende só das decisões dos departamentos de admissão das instituições de ensino superior. Os ingressos na universidade melhoraram a distribuição equitativa, ao invés de miná-la ainda mais (Gorard et al. 2006).

O aumento da participação está ligado à melhoria da qualidade da experiência escolar de todos os alunos, em especial daqueles de grupos sub-representados. Melhorar o sucesso no ensino obrigatório é vital. A lacuna de participação no ensino superior entre estudantes ricos e pobres é explicada em grande parte pelo desempenho acadêmico fraco das crianças desfavorecidas no ensino médio (Chowdry et al. 2008). A eliminação definitiva dos obstáculos à participação bem-sucedida requer intervenções muito anteriores ao ponto de entrada no ensino superior e um aumento das conquistas por parte das crianças oriundas de meios pobres em idades ainda mais precoces.

No interior da universidade, há uma obrigação de se compreender o padrão atual de recrutamento, orientação e integração de populações diversificadas. São necessárias novas iniciativas para assegurar a retenção (ou persistência) e o sucesso final de todos os grupos (tanto no emprego como na graduação). Isso envolve a manutenção de um diálogo profissional sobre uma série de questões, incluindo quaisquer ajustes culturais, curriculares ou pedagógicos porventura necessários nas instituições, assim como na arena das políticas. Há em todo o setor a obrigação de colaborar e cooperar para melhorar a progressão. Mais pesquisas relevantes são extremamente necessárias.

No âmbito das políticas públicas e do debate, as lideranças da universidade devem trabalhar em parceria com as escolas na fase da educação obrigatória, com outros tipos de instituições sociais e com empregadores públicos e privados.

Acima de tudo, as universidades devem se esforçar para conseguir o equilíbrio certo entre a autorreflexão (por meio de pesquisa institucional) e a crítica construtiva dos demais empreendimentos sociais e políticos que figuram nessa equação. O envolvimento positivo com o acesso e a igualdade é uma jornada longa; e, no entanto, vale imensamente a pena, à luz do compromisso das universidades com a justiça social.

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