19/04/2016

Vivâncias e ganhos da internacionalização

Feedback, formação de redes e experiência cultural em uma universidade estrangeira

Gabriela Spagnol, Alice Sarantopoulos e Li Li Min
Programa de Pós Graduação em Fisiopatologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp
Introdução
A internacionalização entre as universidades tem crescido expressivamente nas últimas décadas. Enquanto em 1975 havia 800 mil estudantes em intercâmbio no mundo, em 2011 esse número atingiu 4,5 milhões, segundo dados da Unesco. Esse fenômeno define-se por um processo de integração internacional, intercultural ou global, associado à educação superior, com o objetivo de torná-la mais responsiva aos desafios globais (KNIGHT, 2003; HUISMAN&WENDE, 2004).
 
A globalização facilita a internacionalização por democratizar o acesso ao conhecimento. Contudo, tal fenômeno deve ser tomado como uma ferramenta para a melhoria da qualidade de ensino e para a promoção científica e tecnológica do País, com diretrizes explícitas para sustentar o objetivo central (MARRARA, 2007). Assim, o processo de internacionalização acadêmica contribui para o desenvolvimento da educação e da ciência nacional, através da colaboração e da troca de experiências com agentes estrangeiros, seja pelas atividades de formação, seja pela qualidade e impacto de sua pesquisa.
 
A internacionalização tem interessado de forma crescente às universidades brasileiras e estrangeiras, bem como às agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq). Através da internacionalização, as universidades potencializam sua capacidade de produção científica, um dos critérios mais valorizados nos rankings internacionais para medir a excelência de uma instituição.
 
Nesse contexto, a Vice-Reitoria de Relações Internacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) lançou o edital de Cooperação Mundial com o objetivo de “estimular a internacionalização das unidades de ensino e pesquisa da Unicamp, criando oportunidades para que docentes acompanhados de estudantes de graduação ou pós-graduação realizem estadas de curta duração, por períodos de no máximo 30 dias em universidades estrangeiras”. Nós, como alunas da pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e integrantes do Grupo de Inovação e Gestão na Saúde (GIGS-CNPq), fomos contempladas com a bolsa para realizar as atividades na Foisie School of Business da Worcester Polytechnic Institute (WPI).
 
Assim, esse artigo tem por objetivo retratar nossa experiência de internacionalização acadêmica. As experiências descritas abaixo confirmam ganhos nas atividades de formação docente bem como na qualidade e impacto da pesquisa, com abertura de novas parcerias com diferentes expertises. Separamos o relato de experiência em três tópicos: a percepção do feedback em uma universidade estrangeira, a importância da criação das redes colaborativas e a experiência cultural, seguido pelas considerações finais.
 
A percepção do feedback em uma universidade estrangeira
Durante o período como visiting students na School of Business da WPI, tivemos a oportunidade de assistir à apresentação de projetos de alunos. É importante ressaltar que tais projetos estavam em desenvolvimento, aplicados por alunos de engenharia de produção como parte de estágio em empresas parceiras da universidade. Durante as apresentações, em média 30% do tempo reservado a cada aluno constituía-se de uma avaliação do trabalho por seus pares e pelo professor. Tal avaliação compunha tanto o reforço dos pontos fortes do projeto quanto o feedback de pontos a melhorar, durante a qual os colegas de sala assumiam a postura de conselheiros. Essa abordagem ficou clara em falas como: “I strongly advise you to [...]”, “I would highly recommend [...]”, “I would advise you to take a step back and analyse in another perspective [...]”, as quais revelam maturidade do corpo discente em expressar sua avaliação de forma polida, objetiva e eficaz. Nesse sentido, o professor atuava como mediador, de maneira a estimular a participação dos alunos, sustentar o ritmo da discussão, destacando os pontos chave para cada projeto. Era evidente também o engajamento do professor enquanto supervisor dos projetos, revelando total conhecimento das tomadas de decisão dos alunos, ao passo que manifestava seu apoio e reconhecimento pelos esforços, através do feedback. O ambiente da sala de aula transparecia um clima propício para o emprego de estratégias sistemáticas de ensino e aprendizagem, permeado por um constante suporte motivacional tanto pelo professor quanto entre os alunos.
 
Naquela sala de aula, a estratégia de feedback se tornara natural na relação entre os sujeitos. Segundo Narciss e Huth (2006), o feedback abrange todas as informações fornecidas ao estudante sobre seu estado atual de aprendizado ou de desempenho. Nesse sentido, a avaliação passa a ser vista como ferramenta para a aprendizagem (DOCHY&MCDOWELL, 1997), parte intrínseca do processo de ensino. De acordo com um estudo na Universidade do Minho (RIBEIRO-PEREIRA&ASSUMPÇÃO-FLORES, 2013), a maior parte dos métodos de avaliação atualmente utilizados promove o trabalho em grupo, o trabalho colaborativo e participativo. Esses contextos permitem que o feedback seja realizado de forma efetiva: no ambiente apropriado, com foco no desempenho e não no indivíduo, baseado na observação objetiva, utilizando-se linguagem descritiva, sem julgamentos, de maneira a identificar planos para melhoria. Dessa forma, o feedback foi reconhecido por 94,9% dos 254 participantes do estudo como um elemento importante para sua aprendizagem, essencial para melhorar o desempenho. Por outro lado, o feedback negativo pode criar uma resposta emocional no estudante, o qual pode interferir na sua eficácia, devido à dissonância entre autoavaliação e retorno externo.
 
Assim, a capacidade de realizar e receber feedback deve ser desenvolvida, e constitui parte integral da formação de líderes e gestores. Nesse sentido, a estratégia do feedback deve estar associada a uma formação com foco no desenvolvimento da competência e excelência, não na desempenho pontual por projeto (DWECK, 1986). Os alunos que desejam construir o conhecimento e desenvolver suas habilidades para atingir o nível de experts na sua área serão capazes de receber o feedback sobre seus déficits, pois tem facilidade de vê-lo como uma oportunidade de melhoria. Em contraste, aqueles cujo foco está no desempenho como produto final de seu trabalho costumam comparar seu resultado com o dos outros, com o foco em ser o melhor. Dessa forma, entendem o fracasso como a falta de habilidades e, tão logo, o feedback se torna uma ameaça (SQUIRES&ADLER, 1998). Assim, os alunos devem ser instigados a auto avaliar e refletir sobre sua postura, formalmente capacitados para receber o feedback de forma eficaz, potencializando a capacidade de melhoria contínua de seu próprio desempenho até atingir a expertise em suas áreas de interesse.
 
Além da participação nas aulas, tivemos a oportunidade de apresentar nossos próprios projetos de pesquisa em desenvolvimento a alunos e docentes da WPI, cujo feedback permitiu melhorias significativas tanto na pesquisa quanto na apresentação em inglês. É importante destacar que, nesse momento, tornou-se nítida a capacidade dos alunos e docentes em realizar o feedback, o qual desenvolveram na School of Business da WPI. No caso da formação dos profissionais em saúde, essa habilidade torna-se essencial para construir o raciocínio clínico e a competência profissional. Desse modo, estimular o aluno em sala de aula a apresentar seu trabalho ou caso clínico tem grande potencial para desenvolver a habilidade do raciocínio clínico, utilizando o feedback de forma eficiente. Nesse sentido, o feedback ressalta as dissonâncias entre o resultado pretendido e o real, incentivando a mudança, da mesma forma que valoriza os comportamentos assertivos, motivando o aluno. Assim, confere-se uma dinamicidade no processo de ensino aprendizagem, ao passo que horizontaliza as relações entre professor e aluno na construção do conhecimento e de suas habilidades profissionais (FREIRE, 1987). Através dessa vivência na WPI, pudemos refletir sobre o potencial dessa estratégia pedagógica para a formação dos profissionais da saúde. É essencial atentar que o uso dessa estratégia constitui um desafio para nós, docentes em formação, e aqueles que já atuam na docência.
 
A importância da criação das redes colaborativas
A criação de redes colaborativas configura-se como uma estratégia utilizada por serviços de saúde e por universidades no mundo todo. Tal como descrito por Clancy et al (2013), essas redes permitem (a) o estabelecimento de guidelines com o foco em resultados centrados no paciente, (b) o engajamento multidisciplinar para transformar pesquisa em prática, (c) maiores níveis de eficiência e segurança nas intervenções terapêuticas, (d) novos conhecimentos quase em tempo real. Essa estratégia permite o acesso a amostras de estudo para apoiar a investigação e melhorar a confiabilidade na tomada de decisões. Além disso, este sistema integrado permite melhorias na análise em diferentes configurações e combinações, fornecendo dados confiáveis sobre cada intervenção. De acordo com Raja et al (2011), uma rede colaborativa também pode ser implementada em diferentes realidades, as quais se tornam capazes de superar desafios globais e promover oportunidades neste contexto. Os avanços na tecnologia da comunicação permitem um relacionamento mais próximo e a troca de informações entre os centros de classe mundial para resolver questões globais de saúde.
 
Através da colaboração em pesquisa, instituições podem aproveitar interesses que convergem para a produção de conhecimento multidisciplinar (MARRARA, 2011). Por exemplo, em nossa experiência, um dos trabalhos do grupo encontrou a oportunidade de parceria com o laboratório especializado na tecnologia de rastreamento ocular para a aplicação no campo da saúde, atendendo a necessidade do grupo da WPI em inovar os campos de trabalho, satisfazendo os interesses de ambas as partes.
 
Além das vivências acadêmicas, o grupo pode realizar visitas técnicas em três hospitais que utilizam a metodologia de gestão Lean Healthcare, foco de estudo do GIGS. As visitas foram guiadas pela equipe de qualidade dos hospitais, as quais compartilharam abertamente suas conquistas, desafios e fraquezas, narrando sua jornada Lean para ensinar através de suas falhas e acertos. O conhecimento adquirido nessa oportunidade já está sendo aplicado no campo em que atuamos, de maneira a estabelecer uma ponte efetiva entre o ensino, a pesquisa e a assistência. Essas visitas também abriram novos contatos para futuros campos de aplicação da pesquisa realizada pelo GIGS, bem como a criação de um comitê internacional capacitado para avaliar uma ferramenta, fruto de estudo internacional do grupo. É importante citar também que a participação em um congresso internacional, em Atlanta, com apresentação de trabalho e a premiação dos artigos conferiu maior visibilidade à Unicamp, expandindo a rede de contatos do grupo. Portanto, o estabelecimento de redes colaborativas, tanto para pesquisa e ensino quanto para a assistência, pode ser definida como uma inovação de ruptura (do termo em inglês, disruptive innovation) para sustentar a melhoria contínua, o compartilhamento de informações e construção do conhecimento em tempo real no mundo todo.
 
A experiência cultural
Durante os 30 dias nos Estados Unidos, optamos por ficar na casa de americanos, permitindo-nos tanto a convivência com universitários, quanto um preço mais acessível de aluguel. Conhecer novas culturas, conviver com pessoas distintas, trocar experiências e aprendizados, nos faz amadurecer e compreender as diversidades. Além disso, o estabelecimento de contato com novas culturas nos ajuda a compreender e nos apropriar de novas informações ou formas de entendimento do mundo e das pessoas. A internacionalização permitiu a convivência com pessoas que cresceram em diferentes culturas, dentro do mesmo país. Durante toda a viagem, nós tivemos a oportunidade de ficar em casa de americanos e estrangeiros, jovens e estudantes. Essa convivência nos permitiu entender alguns fatores que moldam o caráter e o desenvolvimento profissional nos Estados Unidos. Aos 18 anos, muitas famílias esperam que os jovens saiam de casa e consigam se sustentar. Essa pressão e a expectativa da sociedade, nas pessoas com as quais convivemos, instigou uma postura profissional pró ativa, refletindo a busca pelo próprio negócio e formação profissional continuada.
 
Na cidade de Worcester, onde ficamos nas três primeiras semanas, vivenciamos uma realidade de cidade universitária pequena. Sua população perfaz 181 mil habitantes e abriga 13 universidades, com grande extensão territorial, baixa densidade demográfica e população com fluxos transitórios por conta do período letivo das universidades. Notamos que o transporte público (ônibus), apesar de seguro e de ótima qualidade quanto à infraestrutura, apresenta frequentes atrasos e longos tempos de espera. Grande parte dos jovens tem seu carro próprio, utiliza bicicleta ou caminha; refletindo uma cultura que prioriza o uso de automóveis. Além disso, torna-se cada vez mais popular o uso do aplicativo Uber, como uma alternativa mais barata para um serviço de táxi.
 
A convivência na casa superou nossas expectativas pela hospitalidade com a qual fomos recebidas. Durante algumas noites, pudemos cantar e tocar instrumentos com os moradores da casa, além de compartilhar refeições e, principalmente, histórias de vida. É nítida a dificuldade que os jovens enfrentam para arcar com os custos da universidade e, depois, pagar o empréstimo realizado. Muitos trabalham em restaurantes no tempo livre para cobrir essa dívida e seus custos de vida. Nos finais de semana, pudemos participar de feiras de recepção para os alunos e pais na universidade, assim como da maior feira de alimentos e produtos de Massachusetts, conhecida como The Big E. Nesses eventos, nota-se a valorização da cultura americana, tanto de cada estado e suas tradições no The Big E, quanto das universidades, com sua história, mascote, os clubes e times. Dentre estes, também conhecemos o clube dos alunos brasileiros da WPI, a Brazilian Student Association (BRASA). Através dele, os alunos organizam eventos, palestras, com o objetivo de estabelecer laços para parcerias em ensino e pesquisa com instituições brasileiras.
 
Considerações finais
A nossa experiência de internacionalização trouxe ganhos no que tange a pesquisa e o ensino, instigando uma reflexão sobre as práticas pedagógicas na formação do profissional de saúde e do docente, assim como no estabelecimento das redes colaborativas para pesquisas internacionais. Para isso, torna-se muito importante desenvolver a habilidade do relacionamento interpessoal, a partir das vivências culturais e do entendimento do outro e suas peculiaridades, para uma comunicação e trabalho em equipe eficiente. Nesse sentido, percebe-se a veemente necessidade do desenvolvimento de diretrizes educacionais explícitas para sustentar a internacionalização acadêmica, com o intuito de gerar resultados efetivos que representem ganhos quanto à visibilidade da universidade no exterior e, sobretudo, para o desenvolvimento sócio, econômico e cultural do país, integrado ao panorama dos desafios globais.
 
Assim como a WPI completa 150 anos como umas das escolas politécnicas mais antigas dos Estados Unidos e a Unicamp, 50 anos, ainda na sua juventude, ambas projetam o para o futuro. A internacionalização equaliza o tempo e a experiência com a criação de novas maneiras de pensar, com esperanças de deixar um legado maior para as próximas gerações.
 
Referências
 
DOCHY F. & L. MCDOWEL (1997). Assessment as a tool for learning. Studies in Educational Evaluation, vol. 23, núm. 4, Elsevier, Amsterdam, pp. 279-298.
 
FERNANDES J.D., XAVIER I.M., CERIBELLI M.I.P.F., BIANCO M.H.C., MAEDA D., RODRIGUES M.V.C. (2005). Diretrizes curriculares e estratégias para implantação de uma nova proposta pedagógica. Rev Esc de Enf USP, vol. 39(4), p.443-449.
 
KNIGHT J. (2003). Updating the definition of internationalization. International Higher Education, p. 2–3.
 
CLANCY C.M., MARGOLIS P.A., & MILLER M. (2013). Collaborative networks for both improvement and research. Pediatrics, vol.131 Suppl (1), pp. S210–4. http://doi.org/10.1542/peds.2012-3786H.
 
RAJA, U., MCMANUS, D. J., HARDIN, J. M., & HAYNES, B. C. (2011). Collaborative Rural Healthcare Network: A Conceptual Model. International Journal of Interactive Mobile Technologies (iJIM), vol. 5(3), pp. 20–23. http://doi.org/10.3991/ijim.v5i3.1669.
 
MARRARA, T. (2007). Internacionalização da Pós-Graduação : objetivos, formas e avaliação. Revista de Pós-Graduação, vol. 4(8), pp.245–262. Retrieved from http://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/view/132/126.
 
HUISMAN, J. & WENDE, M. VAN DER (Eds) (2004). On Cooperation and Competition. National and European Policies for the Internationalisation of Higher Education (Bonn, Lemmens).