07/08/2012

Financiamento

Empréstimos estudantis no México: considerações sobre riscos

Marion Lloyd
Coordenadora de projetos da Diretoria-geral de Avaliação Institucional da Universidad Nacional Autônoma do México (Unam), onde está concluindo mestrado em Estudos Latino-Americanos. Obteve licenciatura em literatura inglesa e hispânica pela Universidade Harvard. Foi correspondente para América Latina e Sul da Ásia, durante 15 anos, dos jornais The Boston Globe, The Houston Chronicle e The Chronicle of Higher Education. Há um ano é pesquisadora em educação superior, com ênfase em políticas de ciência e tecnologia e de ação afirmativa em diversas partes do mundo
Campus da Universidade Nacional Autônoma do México
Antes reduto de uma elite abastada, o ensino superior tornou-se uma commodity de massa em muitas partes da América Latina: alguns países viram um aumento de quatro ou cinco vezes no número de matrículas nas últimas duas décadas. Nesse processo, os governos estão dependendo cada vez mais do setor privado – em particular dos provedores de ensino que almejam o lucro – para atender à crescente demanda por diplomas universitários na economia global do conhecimento. Mas, como ocorre em outras regiões, a estratégia tem um custo: uma dívida estudantil que não para de crescer.
 
Até recentemente, o México, onde o setor público continua a responder pela grande maioria das matrículas, era uma exceção à regra. Mas em janeiro deste ano o governo anunciou o primeiro sistema público de abrangência nacional oferecendo empréstimos estudantis para os alunos de universidades particulares. O Programa Nacional de Financiamento para o Ensino Superior, lançado em meio a grande alarde, busca oferecer este ano aproximadamente US$ 200 milhões em crédito para mais de 23 mil estudantes de mais de duas dúzias de universidades particulares. Os empréstimos serão disponibilizados por bancos privados, com garantias do Nafin, banco federal de desenvolvimento.
 
 
O programa segue as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avaliou o sistema mexicano de ensino terciário em 2008 e insistiu por um maior envolvimento do setor privado. Embora a parcela de matrículas correspondente às instituições privadas tenha mais do que dobrado desde 1990, passando de 16% para 33%, a fatia ainda é baixa para os padrões latino-americanos. Brasil e Chile, por exemplo, têm 70% dos universitários em instituições particulares; na Colômbia, a proporção é de quase 50%.
 
O Programa de Financiamento para o Ensino Superior do México objetiva oferecer US$ 200 milhões em crédito a mais de 23 mil estudantes O presidente Felipe Calderón defende que o programa oferece a primeira opção “acessível” de crédito para o setor. Afirma também que o programa vai ampliar dramaticamente o número de matrículas num país que, apesar dos grandes avanços da última década, ainda é atrasado em termos da cobertura do ensino superior. A proporção bruta de matrículas no México, que foi de 27% em 2009, estava bastante atrás da média latino-americana (37%), apresentando menos da metade da cobertura observada na Argentina (69%, de acordo com as mais recentes estatísticas da Unesco). Por mais que a proporção tenha aumentado oficialmente para 31% este ano, ela continua baixa mesmo quando comparada à de países como Equador e Colômbia, cuja proporção bruta de matrículas foi de 42% e 37%, respectivamente, em 2009.
 
Nesse contexto, a decisão do México de firmar uma parceria com credores privados para expandir as opções de financiamento para os estudantes pode parecer uma escolha óbvia. Afinal, Calderón destaca que um sistema do tipo já existe em mais de 60 países do mundo, apresentando como resultado uma expansão mais fácil do ensino superior por meio da inclusão dos alunos de baixa renda nas universidades particulares. O México chega atrasado a essa tendência, introduzindo os primeiros empréstimos estudantis comerciais no fim dos anos 1990.
 
Entretanto, o modelo dos empréstimos estudantis não é mais visto como uma panaceia para o problema do acesso ao ensino superior. No decorrer do último ano, manifestantes de Santiago a Nova York foram às ruas para exigir o perdão de uma esmagadora dívida estudantil, que cresceu vertiginosamente em meio ao recuo do apoio público ao ensino superior. Na verdade, a oposição a sistemas desse tipo tem sido mais feroz nos países citados por Calderón como exemplos a serem seguidos: Chile, Estados Unidos, Colômbia, Grã-Bretanha e Canadá.
 
Os empréstimos serão disponibilizados por bancos privados a alunos de mais de duas dúzias de universidades particulares Nos Estados Unidos, a dívida estudantil atingiu este ano o volume recorde de US$ 1 trilhão, ultrapassando as dívidas no cartão de crédito e de financiamento para compra de veículos, com cada estudante devendo em média US$ 25.200. No Chile, há mais de 100 mil devedores estudantis inadimplentes, cuja dívida média é de US$ 5.400 cada – cerca de um terço da renda anual per capita do país – de acordo com as estimativas do próprio governo. Na Colômbia, as propostas do governo que pretendiam abrir o caminho para as universidades particulares e expandir o modelo de empréstimos estudantis detonaram um movimento estudantil de protesto que durou o ano inteiro. Enquanto isso, no Canadá e na Grã-Bretanha, o aumento das taxas cobradas pelo ensino nas universidades públicas também provocou manifestações expressivas, com os estudantes mostrando sua recusa em financiar os estudos universitários contraindo uma dívida impossível de administrar.
 
Mudança paradigmática
A decisão de Calderón representa uma grande mudança de paradigma para o México que, assim como a Argentina, continua a ser um dos últimos bastiões do ensino superior financiado pelo Estado na América Latina. Dois terços dos 3,1 milhões de universitários mexicanos estudam em instituições públicas, cuja maioria é isenta de taxas e mensalidades (embora algumas instituições tenham começado recentemente a cobrar mensalidades consideráveis por cursos caros como o de Medicina). O país é também lar da Universidade Nacional Autônoma do México, uma gigantesca instituição de pesquisa comparável à Universidade de São Paulo (USP). Como um todo, o setor público responde por mais de 90% das atividades de pesquisa no México, e faz tempo que as universidades públicas servem como veículos de avanço social, produzindo a maioria dos profissionais de elite – e presidentes – do país.
 
Entretanto, a tradição do país no ensino superior público enfrenta desafios significativos, conforme o governo se volta para fontes alternativas de financiamento na sua tentativa de ampliar o acesso ao ensino superior. Calderón, membro do Partido de Ação Nacional (PAN), com forte presença do empresariado em sua base eleitoral, estabeleceu a meta de atingir em duas décadas a proporção de matrículas observada no Chile, de 59% – uma expansão gigantesca que, de acordo com ele, exige a abertura de operações de crédito para os estudantes no setor privado. Como veremos na seção seguinte, o modelo de empréstimos estudantis adotado por Calderón não deve atingir suas metas.
 
O Programa Nacional de Financiamento para o Ensino Superior
Os proponentes do programa mexicano de empréstimos defendem que ele democratiza o acesso a um setor do qual antes somente a elite abastada poderia participar, “beneficiando os estudantes que mais sentem essa necessidade”, nas palavras de Calderón. Na verdade, os principais beneficiados são os bancos, cujo investimento é garantido em até 80% pelo Nafin. Diferentemente de programas semelhantes em outras partes do mundo, os empréstimos mexicanos não são subsidiados pelo governo, o que resulta numa alta taxa de juros, na casa dos 10%. O programa é também limitado a um grupo restrito de universidades particulares – 23 delas tinham aderido ao programa até maio – que concordou em cobrir os 20% restante de um eventual calote na dívida.
 
O Nafin, banco mexicano de desenvolvimento, é o responsável por dar garantia aos financiamentos Apesar da insistência do presidente, que afirmou que as universidades participantes estariam entre as melhores do país, apenas uma delas, o Instituto de Tecnologia e Ensino Superior de Monterrey, está de fato entre as melhores instituições de ensino superior no México. As demais são um misto de universidades privadas de segundo nível, algumas sem fins lucrativos e outras almejando o lucro, entre elas a Unitec, que pertence à Laureate Inc., com sede nos EUA. Como outras instituições americanas voltadas para o lucro, a Laureate tem sido criticada por políticas abusivas de recrutamento, envolvendo até mesmo propaganda enganosa. Os estudantes das universidades que almejam o lucro também sustentam um fardo maior de endividamento médio, decorrente do alto custo das mensalidades e ao baixo número de formandos nestas instituições em relação a outras universidades públicas e privadas.
 
É igualmente questionável a insistência de Calderón na ideia de que um juro de 10% seria “extremamente acessível”. Na verdade, equivale ao dobro dos juros cobrados em programas já existentes subsidiados pelo governo em vários estados mexicanos, sendo também muito acima dos juros cobrados na maioria dos demais países, de acordo com estudo do Projeto Internacional Comparativo de Financiamento e Acessibilidade do Ensino Superior, da Universidade de Nova York, em Buffalo[1]. Entre os países pesquisados, os EUA e a Coreia do Sul estão entre os que apresentam os juros mais altos, na casa dos 6%, enquanto Japão e Alemanha oferecem empréstimos estudantis sem a incidência de juros. O Brasil, por sua vez, outro dos países citados por Calderón como exemplo a ser seguido, oferece juros que variam de 3,5% a 6%. Apesar do alto custo, os empréstimos mexicanos não cobrem o custo total do ensino na maioria das universidades particulares prestigiadas. Para os estudantes de graduação, os empréstimos são limitados em US$ 16.100; para os alunos de pós-graduação, o limite é de US$ 20.400; o custo de um diploma de Administração na Monterrey Tec é de aproximadamente US$ 47 mil.
 
Assim sendo, por que Calderón defende o programa de empréstimos? Parte da resposta pode estar na política, e outra parte na convicção pessoal. Com as eleições presidenciais marcadas para o dia 1.º de julho, muitos observadores enxergam o programa como uma jogada calculada para conquistar votos entre a classe média, que sofreu durante a recessão econômica. A candidata de Calderón, Josefina Vázquez Mota, ficou num distante 3º lugar na eleição, ganha por Enrique Peña Nieto, ex-governador e membro do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país durante sete décadas seguidas antes de ser derrotado pelo PAN em 2000. Peña ainda não disse se vai dar continuidade ao programa, mas durante a campanha anunciou um plano ambicioso para duplicar as matrículas no ensino superior até 2018 meta que provavelmente vai incluir a expansão de crédito para os alunos. [trecho atualizado pela autora em 1º de agosto]
 
Os críticos também apontam para a aparente preferência do presidente pelo ensino privado e sua desconfiança em relação ao setor público. O programa de empréstimos é proposto menos de um ano após Calderón ter isentado de impostos as instituições particulares de ensino – da pré-escola ao ensino médio – a partir deste ano. No governo de seu antecessor, Vicente Fox, também do PAN, o governo começou a pagar uma fatia das bonificações concedidas aos melhores pesquisadores das universidades particulares, custo anteriormente coberto pelas próprias instituições.
 
Além disso, como argumentam Manuel Gil e outros comentaristas do ensino superior, o novo programa de empréstimos viola a garantia constitucional da separação entre Igreja e Estado ao destinar recursos públicos para universidades católicas. Esta não é a primeira vez que Calderón e Fox romperam com a tradição laica do país, que ganhou força após a derrota da Igreja na Guerra Cristera do fim dos anos 20, ao demonstrar abertamente sua fé católica. A Constituição Mexicana proíbe expressamente o ensino religioso nas escolas, mas é debatida atualmente no Senado uma proposta de lei que poderia mudar isso.
 
A perspectiva de protestos de rua contra a dívida estudantil no México parece remota, já que o número de alunos devedores ainda é pequeno De acordo com a lei, o presidente é o diretor do sistema público de ensino e, até a chegada de Fox, todos os presidentes da história mexicana moderna tinham se formado nas universidades públicas, principalmente na Unam ou no Instituto Politécnico Nacional. No entanto, Fox estudou na Universidad Iberoamericana, instituição particular jesuíta na Cidade do México, e Calderón é formado pela Escuela Libre de Derecho, particular. Calderón e os ministros do seu gabinete fizeram frequentes alusões ao “sacrifício” feito pelas famílias mexicanas com o objetivo de enviar seus filhos a instituições privadas de ensino, comentários que são amplamente interpretados como a insistência do governo em promover um êxodo maciço das instituições públicas de ensino.
 
Ao anunciar o programa de empréstimos, Calderón argumentou que os estudantes formados nas universidades particulares tinham garantido o sucesso econômico no futuro: “Vamos oferecer [aos estudantes] uma opção viável para prosseguir os estudos na universidade de sua escolha, garantindo assim salários melhores no futuro, que resultam de uma formação profissional sólida numa universidade de alta qualidade, conforme as estatísticas confirmam... Isso se traduz numa melhor qualidade de vida e novos horizontes para o desenvolvimento do estudante, cuja renda futura possibilitará a quitação dos empréstimos universitários com relativa facilidade”.
 
Candidatos ao financiamento estudantil precisam demonstrar potencial de rendimentos futuros; alunos das faculdades de Arte não são aceitos no programa Seria difícil pensar numa propaganda mais eficaz para o modelo dos empréstimos estudantis. Entretanto, como ocorre com seus pares no Chile e nos Estados Unidos, nada garante aos mexicanos formados nas universidades a obtenção de um emprego cujo salário possibilite a quitação de sua dívida estudantil. O salário anual médio dos recém-formados no México é de apenas US$ 6.500. Aqueles com diploma de mestrado ganham em média US$ 9.800 e os detentores de diploma de doutor ganham US$ 12.200, de acordo com estudo realizado em 2010 pelo Secretariado do Ensino Público.
 
Com base em tais números, os estudantes precisariam de décadas para quitar seus empréstimos estudantis - para não falar nas centenas de milhares de formados e ex-alunos que vivem no desemprego. No longo prazo, o impacto do programa de empréstimos em outros países é ilustrativo daquilo que pode ocorrer no México se esse modelo ainda incipiente enraizar-se.
 
A Primavera Chilena
De todos os exemplos citados por Calderón em favor do seu programa de empréstimos, o Chile é talvez o menos promissor. O país sul-americano foi abalado por grandes protestos liderados por estudantes que, desde maio de 2011, se revoltaram contra o sistema de empréstimos universitários. Os manifestantes exigem o fim das reformas implementadas pela ditadura de Pinochet em 1980, que impuseram a todas as universidades – públicas e privadas – a cobrança de mensalidades e implementaram um sistema de empréstimos estudantis garantidos pelo governo.
 
No Chile, muitos universitários se formam com dívidas de até US$ 40 mil, o equivalente a três vezes a renda per capita anual O sistema ajudou a financiar a grande expansão do ensino superior, principalmente por meio da criação de novas universidades particulares. No decorrer das duas últimas décadas, as matrículas no setor terciário quintuplicaram, passando de 200 mil para 1 milhão - num país com 15 milhões de habitantes. Hoje, o Chile apresenta a segunda maior proporção de matrículas universitárias da região, 59%, perdendo apenas para a Argentina, com 69%, de acordo com os dados mais recentes da Unesco, de 2009. Mas o Chile também é o líder regional em termos de estudantes devedores. Embora o número total daqueles que receberam empréstimos de instituições públicas e privadas não esteja disponível, mais de 200 mil solicitantes de empréstimos por meio do principal programa mantido pelo governo, o Crédito con Aval del Estado, devem juntos a soma de US$ 1 bilhão, de acordo com os diretores do programa. Cinco anos após o início do programa atual, a proporção de inadimplência é estimada em 36%, e deve se estabilizar perto dos 50% nos próximos anos.
 
Boa parte do problema decorre do alto custo do ensino superior no Chile, tanto no setor público quanto no privado. A própria distinção entre setores torna-se cada vez mais confusa. A taxa anual de ensino cobrada pelas universidades particulares mais recentes, incluindo aquelas de fins lucrativos, aumento 22%, passando de US$ 4.370 em 2000 para US$ 5.335 em 2009, enquanto o custo das universidades estaduais tradicionais aumentou 37%, passando de US$ 3.250 para US$ 4.450 no decorrer da década, de acordo com estudo de Roberto Rodríguez Gómez, historiador do ensino superior vinculado à Unam. O alto custo resulta do baixíssimo apoio do governo ao ensino superior no Chile. As taxas de ensino respondem por 21,5% do orçamento da Universidade do Chile, instituição pública, ante 12% do sistema da Universidade da Califórnia e 8,8% da Universidade Autônoma de San Luis Potosí, uma das universidades públicas mais caras do México, de acordo com Rodríguez.
 
Como resultado, muitos universitários chilenos formam-se com dívidas de até US$ 40 mil, o equivalente a três vezes a renda per capita anual. De acordo com o sistema chileno, os parentes devem ser avalistas dos empréstimos, o que significa que a dívida é partilhada por toda a família - fato que ajuda a explicar o amplo apoio da sociedade chilena aos protestos contra o sistema de empréstimos. No auge do movimento estudantil, em meados do ano passado, a aprovação do presidente chegou ao histórico valor mínimo de 26%, enquanto 76% da população dizia apoiar os manifestantes.
 
O presidente Sebastián Piñera buscou satisfazer os manifestantes com a promessa de mais financiamento para o ensino superior. Em maio, ele propôs uma reforma fiscal que aumentaria os impostos pagos pelas corporações e reduziria o imposto de renda individual, gerando um volume adicional de US$ 1 bilhão ao ano para o financiamento do ensino.
 
Entretanto, o movimento estudantil recusou-se a ceder na sua demanda por ensino superior gratuito e público e pelo fim do modelo de empréstimos estudantis. Enquanto isso, estudantes chilenos estão até migrando para outros países, onde o ensino superior ainda é livre da cobrança de taxas. Há atualmente cerca de 10 mil estudantes chilenos matriculados em universidades argentinas, de acordo com o ministério argentino da educação.
 
A dívida média dos alunos que estudam na Inglaterra deve aumentar de US$ 41 mil para US$ 92 mil; a dívida total deve chegar a US$ 110 bilhões até 2015 Estados Unidos: a bolha dos empréstimos estudantis
Os Estados Unidos são outro caso que deveria alarmar os mexicanos. Em decorrência do aumento nas taxas de ensino e do recuo dos salários, a dívida total dos estudantes dobrou de volume em cinco anos. Além disso, a parcela de devedores que ficaram inadimplentes durante os dois primeiros anos aumentou de 6,7% em 2007 para 8,8% no ano passado, de acordo com estatísticas do departamento americano de ensino.
 
A dívida não é distribuída de maneira homogênea. As minorias raciais suportam uma fatia desproporcional do fardo, com 27% dos devedores americanos negros mantendo dívidas de mais de US$ 30.500, proporção que chega a 16% entre os brancos. Embora a proporção de estudantes hispânicos com dívidas do mesmo patamar seja mais baixa, em 14%, este grupo tende a apresentar mais dificuldade para quitar a dívida pois, em média, seus membros tendem a ganhar menos do que seus pares brancos, de acordo com estudo realizado em 2010 pelo College Board Policy and Advocacy Center. As minorias também são desproporcionalmente representadas no setor das universidades com fins lucrativos, respondendo por 46% das matrículas de acordo com o estudo (no ensino superior como um todo, elas representam 28% dos alunos). Nestas universidades, 97% dos estudantes solicitam alguma forma de empréstimo estudantil – seja garantido pelo governo ou por uma instituição privada –, devendo em média US$ 33 mil. Entretanto, apenas 22% conseguem se formar dentro do prazo de seis anos, período após o qual espera-se que comecem a quitar o valor principal da dívida.
 
Excluindo o Québec, a taxa média de ensino no Canadá é de US$ 5.000 e a dívida média é de US$ 27 mil O problema tornou-se tão grave que muitos analistas estão alertando para a existência de uma bolha nos empréstimos estudantis, semelhante à bolha do mercado imobiliário cujo colapso precipitou a crise financeira mundial. O problema é o resultado de uma combinação de falta de apoio no nível dos governos estaduais ao ensino superior, do aumento vertiginoso nas anuidades e da grande alta nas matrículas. Quando o programa federal Pell Grant foi criado em 1965, as bolsas para estudantes de baixa renda cobriam 75% do custo médio do ensino universitário. Atualmente, as bolsas cobrem apenas um terço do valor. Durante o mesmo período, o número de matrículas nas universidades saltou de aproximadamente 3 milhões em 1960 para mais de 22 milhões em 2010, com 65% dos estudantes dependendo de empréstimos para financiar o custo do ensino, de acordo com números do governo.
 
Movimento Occupy Wall Street
A atual indignação diante dos empréstimos estudantis foi incentivada pela fúria mais ampla provocada pela crise econômica de 2008, que ganhou corpo no movimento Occupy Wall Street em 2011. Levando-se em consideração o grande número de estudantes entre os manifestantes, o movimento deu lugar desde então a um movimento irmão chamado Occupy Student Debt, cujos seguidores organizaram protestos em campi de Nova York à Califórnia. No segundo semestre do ano passado, seus seguidores lançaram uma campanha nacional pela moratória no pagamento das dívidas, e os signatários concordaram em interromper os pagamentos se 1 milhão de pessoas assinassem o pedido. Embora a campanha tenha obtido apenas alguns milhares de assinaturas, o movimento teve grande impacto na mídia.
 
A dívida estudantil também se tornou um importante tema de campanha para a eleição presidencial do próximo mês de novembro. O presidente Obama tem feito lobby para prorrogar uma lei de 2007 que reduzia de 6,8% para 3,4% os juros dos empréstimos garantidos pelo governo. A lei deve perder a validade no dia 1º de julho, quando os juros voltarão ao seu nível inicial, afetando cerca de 8 milhões de alunos e ex-alunos. Obama também lançou uma controvertida campanha para pressionar as universidades públicas a reduzir as taxas de ensino, sob a ameaça de perderem o auxílio federal.
 
Vários dos rivais republicanos de Obama criticaram o programa federal de empréstimos, dizendo que repassava o custo do ensino superior para as futuras gerações de americanos. Entretanto, o candidato republicano, Mitt Romney, declarou que apoia a prorrogação dos juros atuais por mais um ano, apesar da projeção de US$ 6 bilhões em renda perdida para o governo federal.
 
Numa rara demonstração de consenso, todos os candidatos à presidência concordam que o mercado de trabalho atualmente deprimido torna virtualmente impossível que os estudantes quitem suas dívidas. O salário médio anual de um recém-formado caiu de US$ 30 mil em 2009 para US$ 27 mil em 2010, de acordo com números do governo. Eles também concordam que o sistema de empréstimos precisa ser reformado, embora haja divergências quanto à melhor maneira de fazê-lo.
 
Colômbia: ensino superior com fins lucrativos
Na Colômbia, as manifestações concentraram-se nas mudanças propostas à lei do ensino superior de 1992, conhecida como Ley 30. Em março de 2011, o presidente Juan Manuel Santos anunciou mudanças que relaxariam o controle sobre o setor privado do ensino superior como parte de um ambicioso plano para aumentar a proporção de matrículas de 37% para 50% até 2014. A proposta incluía a “diversificação” do financiamento no setor por meio da abertura de espaço para os provedores de ensino superior com fins lucrativos, que atualmente têm o funcionamento proibido na Colômbia. Embora a proposta incluísse também aumentos nos gastos públicos, os manifestantes – entre os quais estavam reitores, professores e estudantes das universidades – defenderam que o aumento sugerido no orçamento seria insuficiente para compensar décadas de estagnação no investimento público no setor.
 
Os manifestantes opunham-se particularmente à legalização do ensino superior com fins lucrativos. Os críticos citaram a grande expansão das instituições desse tipo no Brasil, que agora respondem por dois terços das matrículas em instituições privadas do ensino terciário, como exemplo de política governamental equivocada. Por mais que a abertura de espaço para as instituições com fins lucrativos tenha ajudado o Brasil a aumentar o número de matrículas em mais de duas vezes no decorrer da última década, muitos especialistas em ensino questionam a qualidade do ensino oferecido.
 
Na Colômbia, a parcela privada do ensino superior cresceu muito desde 1992, quando havia apenas nove universidades particulares na Colômbia, respondendo por 5% das matrículas, de acordo com o presidente da Federação Nacional de Professores Universitários da Colômbia, Gonzalo Arango. Desde então, o total de matrículas no setor terciário mais do que quintuplicou, passando de 260 mil para 1,5 milhão de estudantes. Destes, 725 mil (o equivalente a 48%) frequentam 48 universidades particulares. Ao mesmo tempo, o financiamento público por estudante caiu de US$ 3.160 para US$ 2.050, enquanto os subsídios estatais enquanto parcela dos orçamentos das universidades públicas caiu de 85% para 50%.
 
De acordo com esse modelo, o custo da universidade é cada vez mais sustentado pelos estudantes e suas famílias, enquanto a proporção do orçamento universitário proveniente das taxas de ensino passou de 7% em 1992 para os 14% atuais, de acordo com Arango. Todas as universidades públicas cobram taxas, que variam de aproximadamente US$ 150 a US$ 300 por semestre, dependendo da situação socioeconômica do estudante.
 
A Colômbia foi o primeiro país do mundo a instituir um sistema de empréstimos estudantis garantidos pelo governo: o Instituto Colombiano de Crédito y Estudios Técnicos en el Exterior (Icetex), criado em 1950. Entretanto, atualmente apenas 15% dos estudantes recebem empréstimos do governo, de acordo com números do Icetex. Isso decorre principalmente dos juros cobrados pela instituição, acima daqueles praticados no mercado, variando entre 10% e 16%; como ocorre no México, não se exige dos estudantes que ofereçam garantias para o pagamento do empréstimo, aumentando assim o risco para a agência credora.
 
De acordo com as mudanças propostas à Ley 30, por meio da inserção de cossignatários das dívidas, o governo ampliaria dramaticamente o acesso aos empréstimos do ICETEX, passando dos 50 mil atuais para mais de 225 mil até 2014. Entretanto, os críticos rejeitaram a proposta dizendo que atrelaria os estudantes e suas famílias a dívidas impossíveis de administrar, ao mesmo tempo canalizando recursos públicos para o setor privado (somente os estudantes das universidades particulares têm direito aos empréstimos).
 
Após manifestações organizadas de abril até outubro, o presidente Santos finalmente vetou a reforma proposta. Mas seguem as pressões, com orientações opostas, por uma reforma geral do sistema de ensino superior do país.
 
Inglaterra: o grande aumento nas taxas de ensino
A Grã-Bretanha é outro país citado por Calderón como modelo de um bem-sucedido esquema de empréstimos estudantis. Mas os grandes protestos contra a política do governo para o ensino superior nos últimos dois anos apontam para um retrato diferente. Em novembro de 2010, o governo britânico anunciou que o valor máximo que as universidades inglesas poderiam cobrar pelo ensino seria quase triplicado, passando de £ 3.290 (US$ 5.100) ao ano para £ 9.000 (US$ 14.000) a partir de meados de 2012. Estudantes responderam com protestos de rua, quebrando vitrines de lojas e paralisando grandes partes de Londres e outras cidades. Após os protestos, os governos regionais da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte anunciaram taxas de ensino mais baixas e um aumento nos subsídios para estudantes. Mas o governo inglês recusou-se a rever sua posição, argumentando que não pode mais financiar a expressiva expansão do sistema de ensino superior.
 
Com o esperado aumento nas taxas de ensino, a dívida média dos alunos que estudam na Inglaterra deve aumentar dos atuais US$ 41 mil para US$ 92 mil, e a dívida estudantil total deve chegar a US$ 110 bilhões até 2015. O governo tentou amenizar o golpe com o aumento dos subsídios e bolsas de estudos concedidos a estudantes de baixa renda. Entretanto, essas medidas devem beneficiar uma minoria dos estudantes.
 
Canadá: violência em Montreal
Há muito um baluarte do ensino superior público, o Canadá enfrenta os maiores protestos já vistos nas últimas décadas contra as tentativas de aumentar as taxas de ensino em suas universidades. Com exceção da Cuba comunista, o Canadá é o único país da América no qual todas as universidades são públicas. Mas o governo tem dependido cada vez mais das taxas de ensino e dos empréstimos garantidos pelo governo para financiar a expansão do seu sistema de ensino superior.
 
No segundo semestre do ano passado, o governo liberal em Québec propôs o aumento das taxas de ensino das universidades da província, que passariam de US$ 2.168 para US$ 3.793 num intervalo de cinco anos. Os estudantes responderam organizando um imenso protesto em Montreal no mês de novembro contra o aumento das taxas de ensino. Desde então, manifestações pacíficas têm sido pontuados por violência, resultando em centenas de prisões e em danos para estabelecimentos comerciais e escritórios de partidos políticos.
 
Por mais que as taxas fossem mantidas entre as mais baixas do Canadá, os manifestantes não estão dispostos a ter o mesmo destino de seus pares em outras partes do país, submetidos a uma pesada dívida. Atualmente, a taxa média anual de ensino na província é de US$ 2.500 e a dívida média é de US$ 13.000; em comparação, a taxa média de ensino no restante do Canadá é de US$ 5.000 e a dívida média é de US$ 27 mil, de acordo com o jornal The Globe and Mail.
 
Implicações para o México
No México, a perspectiva de grandes protestos de rua contra a dívida estudantil ainda parece remota, principalmente porque o número de estudantes devedores é apenas uma fração do observado nos países analisados acima. Nos quase seis meses transcorridos desde quando Calderón anunciou o programa, funcionários do Nafin afirmam ter concedido 1.600 empréstimos – uma fração dos 23 mil projetados para este ano. Isso pode decorrer do fato de o programa ter sido lançado após o início das aulas do primeiro semestre, ou do fato de exigir o cumprimento de pré-requisitos. Os candidatos precisam demonstrar seu potencial de rendimentos futuros; os matriculados em faculdades de Arte, por exemplo, não são nem considerados aptos a solicitar o financiamento. O mesmo vale para aqueles cuja renda familiar está abaixo de um determinado nível, embora o governo ainda não tenha divulgado o ponto de corte para esse critério.
 
Entretanto, os representantes do Nafin se mostram otimistas, dizendo que o programa vai se tornar mais popular nos próximos anos e que o número de empréstimos concedidos deve aumentar dramaticamente. Se isso ocorrer, tanto o número de matrículas nas universidades particulares quando o número de estudantes devedores vão aumentar. Mas será que os potenciais benefícios do ensino superior de fato compensam uma dívida avaliada em mais de US$ 20 mil? Se perguntássemos aos estudantes protestando na Universidade da Califórnia ou aos milhares de estudantes grevistas no Chile, ano passado, é muito provável que sua resposta seria “não”.