22/04/2014

revista Ensino Superior nº 13 (abril-junho)

Brasil deve ter como objetivo tornar-se competidor global em produção de conteúdos digitais educacionais

Ao invés de sermos mercado passivo, alvo fácil de empresas educacionais internacionais, que não necessariamente primam pela qualidade, podemos estimular instituições nacionais.

Ronaldo Mota
Pesquisador do CNPq em Física, professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Maria, pós-doutor na University of British Columbia-Canadá e na University of Utah-EUA. Foi Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Secretário Nacional de Educação Superior, Secretário Nacional de Educação a Distância e Ministro Interino do Ministério da Educação. Condecorado pelo Presidente da República como Comendador na classe Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
Resumo
Neste artigo abordamos a modalidade de educação a distância no Brasil vista na perspectiva de um mundo globalizado e sem fronteiras. Analisamos a oportunidade de no setor da educação superior estimularmos organizações nacionais cujas abrangências e dimensões sejam adequadas às modalidades, metodologias e tecnologias contemporâneas. Aprender a fazer uso da escala, como elemento propulsor da qualidade, é elemento indispensável às instituições educacionais consolidadas e competitivas, nacional e internacionalmente, que, pela adoção do que existe de mais moderno e eficiente, saibam explorar suas ramificações espaciais como elementos imprescindíveis para a oferta de ensino de qualidade e acessível a todas as classes sociais. Argumenta-se que esses elementos podem tornar o Brasil competitivo no cenário global no setor de produção e difusão de conteúdos digitais educacionais, diferentemente do que se tem observado nas indústrias gerais de transformação envolvendo itens de média e alta tecnologias. Tais desafios e missões demandarão intenso uso de metodologias educacionais que explorem a metodologia de aprendizagem independente, capazes de contribuir com educar pessoas em um mundo onde as habilidades associadas com inovação e a utilização de tecnologias digitais são cada vez mais determinantes.
 
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'Tendência geral é que em curto prazo não se diferencie mais o que sejam cursos online de cursos presenciais, mas que sejam ministrados de forma mediada pela tecnologia', escreve Carlos Vogt
 
É objetivo da Capes a integração e convergência entre educação presencial e a distância, por meio de tecnologias de comunicação e informação, em especial nos cursos de graduação
 
Artigo de José Armando Valente, pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) e membro do Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais (GGTE) da Unicamp
 
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) apresentou uma inovação no seu art. 80 abrindo oportunidades e estimulando o ensino a distância em vários níveis de ensino. No início do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), a criação da Secretaria de Educação a Distância (SEED), no Ministério da Educação (MEC), representou uma iniciativa positiva para a institucionalização da modalidade. No governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) houve um significativo avanço da modalidade, propiciando o quadro atual onde educação a distância é a principal responsável pelo crescimento sustentável de matrículas no ensino superior, como mostrado na Figura 1.
 
Figura 1. Matrículas na graduação na modalidade educação a distância (EaD) de 2001 a 2012 no Brasil. Fonte Censo Inep.
 
 
Os pioneiros formuladores da LDB na década de 1980 eram, compreensivamente, incapazes de dimensionar o que estaria por vir em termos da rede mundial de computadores e das enormes potencialidades das novas tecnologias digitais aplicadas à educação. Ou seja, os educadores e os legisladores de poucas décadas atrás jamais imaginariam que os maiores desafios educacionais contemporâneos estariam cada vez mais dependentes do uso de tecnologias digitais [MOTA e CHAVES, 2006]. Decorre daí que as nossas concepções tradicionais sobre metodologias educacionais, bem como os conceitos vigentes sobre limites geográficos associados, estão obrigatoriamente em transição rápida e profunda. Assim, explorar metodologias educacionais compatíveis com este novo cenário e a percepção de que vivemos em um mundo definitivamente sem fronteiras, em termos de disponibilização e acesso de conteúdos, são estratégias centrais para a melhoria da qualidade da educação, propiciando condições para um desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável [MOTA, 2008].
 
Internacionalmente, têm ocorrido importantes discussões sobre o item educação, no contexto de produtos e serviços, na Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão que pretende supervisionar e liberalizar o comércio internacional. O fato associado mais relevante é a constatação que as fronteiras físicas entre os países não têm sido obstáculos suficientes para que empresas educacionais internacionais atuem quase livremente entre as nações. No caso do Brasil, até aqui, o idioma português tem se constituído em barreira mais "eficiente" do que o próprio marco regulatório em discussão na OMC.
 
Educação a distância é reconhecidamente uma oportunidade única de compatibilizar qualidade com atendimento em grande escala. Distintamente da educação presencial, a escala não somente não compromete qualidade como trata-se do oposto. A título de exemplo, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), após disponibilizar livremente o conteúdo de todos os seus cursos, em uma próxima etapa se dispõe a certificar, sem exigência de frequência regular, em todos os níveis do ensino superior, desde que atendidos os requisitos estabelecidos. Observar que o MIT é somente um exemplo, atuando no limite superior de qualidade, de múltiplas iniciativas similares nem sempre no mesmo padrão. Este novo cenário imporá que o Brasil, refletindo sobre seus próprios interesses nacionais, esteja adequadamente preparado para enfrentar os desafios gigantescos que o setor educacional enfrentará. O que é claro, especialmente para as nações mais avançadas, é que os conteúdos digitais educacionais, bem como a facilidade de acesso aos mesmos, representam os bens mais importantes para qualquer estratégia que perceba educação de qualidade e acessível a todos como elemento central para um desenvolvimento econômico e social sustentável.
 
Educação a distância baseada nas tecnologias digitais não somente rompe fronteiras entre as nações como cumpre o mesmo papel no interior de cada país. Particularmente no Brasil, onde ainda não completamos sequer metade do caminho previsto no Plano Nacional de Educação da década passada, ou seja, garantir acesso ao ensino superior a 30% dos jovens entre 18 a 24 anos, a utilização da modalidade é certamente imprescindível e estratégica para oportunizar que interessados de todas as classes sociais possam ter acesso à educação superior. Além disso, como apontado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacional (Inep), progressivamente mais de 40% dos ingressantes no ensino superior estão em faixas etárias mais maduras (acima de 24 anos) e que demandam metodologias educacionais próprias que permitam que, mesmo tardiamente, possam completar adequadamente suas formações profissionais.
 
Internacionalmente, têm ocorrido importantes discussões sobre o item educação, no contexto de produtos e serviços, na OMC. Constata-se que as fronteiras físicas entre os países não têm sido obstáculos suficientes para que empresas educacionais internacionais atuem quase livremente. Em suma, educação a distância é uma realidade nacional e internacional, altamente competitiva e definitivamente presente no cenário educacional, cujo papel tende a ser acentuado fortemente no futuro próximo. Alguns países estarão preparados e serão atores ativos no mercado mundial, outros não estarão preparados e restará serem polos passivos e vistos como mercados meramente consumidores dos produtos e dos serviços produzidos no exterior de suas fronteiras. O Brasil vivencia contemporaneamente esta encruzilhada, fazendo com que as opções que assumimos hoje definam o futuro que nos aguarda amanhã. A Figura 2 mostra o número de instituições de educação superior credenciadas (e descredenciadas) em educação a distância de 2000 a 2013 no Brasil.
 
Figura 2. Número de instituições de educação superior credenciadas na graduação em educação a distância de 2000 a 2013 no Brasil. Fonte: Censo Inep.
 
 
Educação a distância é reconhecidamente uma oportunidade única de compatibilizar qualidade com atendimento em grande escala. Distintamente da educação presencial, a escala não somente não compromete qualidade como trata-se do oposto. Todos os especialistas internacionais têm segurança em afirmar que a racionalidade e a economicidade envolvidas na modalidade permitem baixar custos e aumentar qualidade simultaneamente. Porém, nada é direto e nem automático, mas demanda instituições educacionais consolidadas, capazes de explorar a abrangente dimensão do mercado nacional como elemento estratégico, ao tempo que promovem seus fortalecimentos para estarem preparadas para enfrentar a inexorável competição internacional.
 
Educação a distância baseada nas tecnologias digitais não somente rompe fronteiras entre as nações como cumpre o mesmo papel no interior de cada país. Particularmente no Brasil, onde ainda não completamos sequer metade do caminho previsto no Plano Nacional de Educação da década passada. Assim, se o Brasil não inibir a existência de instituições educacionais na dimensão do país, elas poderão estar preparadas para exportar educação de qualidade, disputando espaços internacionais sem limites. Nesta perspectiva, ao invés de sermos um mercado passivo, alvo fácil de empresas educacionais internacionais, que não necessariamente primam pela qualidade, podemos sim estimular um conjunto de instituições nacionais que pela qualidade dos serviços prestados possam, ao se consolidarem no mercado interno, estarem preparadas para atuar como organismos ativos, competitivos e respeitados do mercado global.
 
Do ponto de vista metodológico educacional, a capacidade de levar adiante tais estratégias demandam adicionalmente o desenvolvimento de pedagogias que sejam compatíveis e adequadas ao contexto inédito no qual os processos de ensino e aprendizagem passam a ser desenvolvidos [MOTA e SCOTT, 2014]. Particularmente quanto ao uso das novas tecnologias na educação, dada sua relevância no mundo contemporâneo, há implícita a demanda por novas abordagens de ensino e de aprendizagem, as quais devem contemplar o uso de tecnologias digitais inclusivas e, potencialmente, promotoras da independência na aprendizagem. Entretanto, há a necessidade de, em primeira instância, entender o que é esta aprendizagem, adotar conceitos contemporâneos sem preconceitos e desenvolver uma teoria de aprendizagem que se mostre compatível com os propósitos de educar fazendo uso das novas tecnologias.
 
Em termos de analogia com o setor industrial brasileiro, calcado hoje em exportações de produtos de baixa intensidade tecnológica, tal como acima discutido, o pior cenário educacional futuro seria findarmos não competitivos em ensino que adota tecnologias inovadoras. Portanto, no caso brasileiro, desenvolver a competência de ofertar a modalidade a distância na abrangência do imenso território nacional é condição sine qua non para aprimorar metodologias, explorar novas tecnologias e desenvolver modelos de gestão administrativa compatíveis com o nível de competitividade mundial na área. Tradicionalmente, a modalidade tem se desenvolvido fazendo uso de transmissão satelital em polos autorizados pelo Governo Federal. No entanto, a tendência inexorável é cada vez mais a adoção da internet como base da transmissão e do acesso ao conteúdo, fazendo com que grandes transformações conceituais e normativas se apliquem à luz desta nova realidade. A Figura 3 mostra o número atual de polos credenciados bem como os polos em credenciamento.
 
Figura 3. Figura mostrando o número atual de polos credenciados bem como os polos em credenciamento, tanto no setor público como privado. Fonte Inep.
 
 
A modalidade de educação a distância, especialmente baseada em tecnologias digitais, diz respeito, portanto, a uma metodologia comprovadamente compatível com a formação de profissionais com características mais apropriadas ao mundo contemporâneo. Os estímulos para o estudo antes das aulas, a ênfase na existência de portais eletrônicos e a aprendizagem baseada em solução de problemas, incluindo metodologias que levem em conta ambientes do mundo do trabalho, são exemplos de iniciativas que podem ampliar nos educandos as habilidades e competências desejadas.
 
Enfim, ensino superior através da modalidade de educação a distância e as demais oportunidades decorrentes do uso apropriado das tecnologias digitais estão profundamente conectadas. Explorar esses vínculos deve ser ingrediente imprescindível de qualquer estratégia educacional que permita ao Brasil cumprir suas metas com qualidade ao tempo que promova a consolidação de instituições educacionais, tanto no setor público como privado, capazes de fazer frente aos desafios do mundo globalizado.
 
De qualquer ponto de vista, há a percepção e concordância de que pessoas educadas são essenciais para a melhoria da qualidade de vida de todos e para o aumento da competitividade e produtividade de um país. No ensino superior, a formação de profissionais atualizados é, definitivamente, estratégica para as economias competitivas globalmente. Profissionais com pouca escolaridade, geralmente, desenvolvem atividades manuais simples, sendo quase impossível a adaptação a técnicas e processos de produção mais sofisticados. Portanto, a formação de cidadãos aptos a desempenharem tarefas complexas e dispostos a enfrentarem os desafios das novas e desconhecidas demandas, fazendo intenso e consciente uso de tecnologias inovadoras, é o que se deseja de uma educação contemporânea.
 
A título de exemplo e comparação, o cenário da indústria brasileira evidencia o contexto nacional cada vez mais dependente de inovação e de educação superior de qualidade. De forma crescente, parcela importante da demanda brasileira por produtos da indústria de transformação vem sendo suprida por importações. As importações desses produtos, que em 1995 eram de US$ 13 bilhões, em 2013 atingiram US$ 205 bilhões. No mesmo período, as exportações que eram de US$ 27 bilhões atingiram somente US$ 146 bilhões, fazendo com que o superávit de US$$ 27 bilhões de 1995 se transformasse em déficit comercial de US$ 60 bilhões em 2013. Em resumo, no setor industrial brasileiro, infelizmente, exportamos produtos de baixo conteúdo tecnológico e importamos, cada vez mais, produtos de médio e alto conteúdo tecnológico. A Figura 4 evidencia exportação (parte superior do gráfico) e importação (parte inferior) em termos de alta, média, média alta, média baixa e baixa tecnologia para produtos da indústria de transformação, resultando na balança comercial do Brasil [MOTA e OLIVEIRA, 2014].
 
Figura 4. Exportação e importação para produtos da indústria de transformação, resultando na balança comercial do Brasil. Fonte: Secex.
 
 
Aumentar a competitividade brasileira na educação superior depende hoje de cerca de 2.400 instituições de educação superior, das quais 206 são universidades (113 públicas e 93 privadas) e as demais centros universitários e faculdades. Não podemos permitir que na área do ensino superior o Brasil se transforme em ator não competitivo no cenário tecnológico global. Precisamos que todas as instituições, cada qual, dentro de suas peculiaridades e especificidades, cumpram seu papel de formadoras de pessoas educadas para um novo cenário onde inovação e tecnologias digitais são centrais.
 
Em termos de analogia com o setor industrial brasileiro, calcado hoje em exportações de produtos de baixa intensidade tecnológica, tal como acima discutido, o pior cenário educacional futuro seria findarmos não competitivos em ensino que adota tecnologias inovadoras e ficarmos restritos somente ao atendimento da educação tradicional presencial.
 
Esses desafios e missões demandarão, portanto, instituições educacionais consolidadas e competitivas, nacional e internacionalmente, fazendo intenso uso de metodologias educacionais próprias capazes de contribuir com educar pessoas em um mundo onde as habilidades associadas com inovação e a utilização de tecnologias digitais são cada vez mais determinantes. Aprender a fazer uso da escala, como elemento propulsor da qualidade, é elemento imprescindível e que somente a prática em nível abrangente pode ensinar.
 
Em suma, temos a real oportunidade de no setor da educação superior estimularmos organizações cujas abrangências e dimensões sejam adequadas às modalidades, metodologias e tecnologias contemporâneas. O país necessita de instituições educacionais que, pela adoção do que existe de mais moderno e eficiente, saibam explorar suas ramificações espaciais como elementos imprescindíveis para a oferta de ensino de qualidade e acessível a todas as classes sociais, e que tornem o Brasil competitivo no cenário global no setor mais estratégico da contemporaneidade, ou seja, na produção e difusão de conteúdos digitais educacionais.
 
Referências:
 
MOTA, R. e CHAVES H. Universidade Aberta no Brasil e perspectivas da educação a distância no Brasil. In: SILVA, M. (Org.). Educação On-Line. São Paulo: Edições Loyola, 2006. P. 459-74.
 
MOTA, R. A Universidade Aberta do Brasil. In LITTO F., FORMIGA, M. (Orgs.). Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008, p. 297-303.
 
MOTA, R. E OLIVEIRA, J.F.G. Combining innovation and sustainability: an educational paradigm for human development on Earth. Brazilian Journal of Science and Technology, 2014, 1:2.