31/07/2012

Nos últimos 15 anos

Acesso ao ensino superior no Brasil: equidade e desigualdade social

Cibele Yahn de Andrade
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp. Doutoranda em Economia do Setor Público pelo Instituto de Economia da Unicamp e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp)
Antonio Scarpinetti, Ascom-Unicamp
Cibele Yahn Andrade
No Brasil, a oferta da educação alterou-se significativamente a partir dos anos 90. Houve a universalização do ensino fundamental, o crescimento do ensino médio e também do ensino superior, cujas matrículas triplicaram. Apesar desse intenso crescimento observado no ensino superior, o percentual de acesso dos jovens é ainda muito restrito – abrange 19% na faixa etária de 18 a 24 anos[1] (PNAD, 2009). Quando comparamos a situação brasileira com a de outros países mais desenvolvidos, vemos que o acesso ao ensino superior, em 1997, já atingia 45% dos jovens de 18 a 21 anos nos EUA e 69% na Coreia do Sul[2].
 
Frente a essa situação nos colocamos as seguintes questões:
 
- Quem são, do ponto de vista da renda familiar e da raça/cor autodeclarada, esses jovens que têm acesso ao ensino superior no Brasil?
- Quem são os outros 81% que não tiveram acesso ao ensino superior, em relação ao perfil sócio econômico e à cor autodeclarada e qual é a escolaridade deles?
- Como foi a evolução do acesso à educação e a inclusão dos grupos mais desfavorecidos ou sub-representados nos vários níveis de escolaridade nos últimos 15 anos?
- Como se deu a interação destas duas variáveis (perfil socioeconômico e cor autodeclarada) como restrição ao acesso à educação e qual o efeito específico de cada uma delas?
 
Para analisar as possibilidades de expansão do acesso a esse segmento do ensino, é preciso levar em conta não apenas os requisitos educacionais formais necessários para o acesso como também o desempenho educacional apresentado por esses jovens. Nesse sentido, podemos observar os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para responder a uma última questão:
 
- Paralelamente à demanda formal, que cumpre os requisitos educacionais formais (a conclusão do ensino médio), podemos nos perguntar qual é a demanda qualificada, em termos de equivalência entre anos de estudo e acesso ao conhecimento, domínio das competências básicas e capacidades simbólicas.
 
Evolução do acesso ao ensino superior dos jovens de 18 a 24 anos
O atraso escolar é uma das restrições de acesso de jovens brasileiros ao ensino superior: 21% dos jovens de 18 a 24 anos não tinham sequer completado o ensino fundamental e outros 27%, apesar de terem completado o ensino fundamental, não ingressaram no ensino médio, ou ingressaram, mas não concluíram. Esses contingentes somados representam praticamente a metade dos jovens (48%), que, nessas condições, não possuem os requisitos educacionais formais para ingressar no ensino superior (Tabela 1). Em números absolutos, são mais de 10 milhões de jovens. Temos outros 33% do total de jovens nessa faixa etária que concluíram o ensino médio, mas não ingressaram no ensino superior. E, finalmente, apenas 19% tiveram acesso ao ensino superior, segundo os dados da PNAD 2009. Em números absolutos, são 7,5 milhões de jovens que concluíram o ensino médio como o mais alto grau de escolaridade e outros 4,4 milhões que ingressaram no ensino superior.
 
Tabela 1. Taxa da população com idade entre 18 e 24 anos, segundo o nível de escolaridade. Brasil – 2009
 
Situação escolar
%
Não concluiu o ensino fundamental
21%
Concluiu apenas o ensino fundamental
27%
Concluiu o ensino médio
33%
Tiveram acesso ao superior
19%
TOTAL
100%
 
 
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 2009.
 
A seguir comentaremos as variações ocorridas entre 1995 e 2009.
 
Primeiramente, podemos observar que a quantidade de jovens que não concluiu o ensino fundamental diminuiu expressivamente. O percentual reduziu-se para menos da metade (de 58% para 21%). Mesmo assim, permanece o significativo índice de 21% de jovens entre 18 e 24 anos sem concluir o ensino fundamental.
 
Há outro contingente de jovens que concluiu o ensino fundamental mas não prosseguiu os estudos no ensino médio. O percentual desse contingente manteve-se praticamente inalterado durante o período em foco, variando de 23% para 27%. Ver Tabela 2.
 
Tabela 2. Evolução do acesso à educação em termos de percentuais da população na idade de 18 a 24 anos, segundo o nível de escolaridade. Brasil – 1995 e 2009.
 
Anos
1995
2009
Var.
 
abs
%
abs
%
%
Não concluiu o ensino fundamental
10.543.903
58%
4.779.743
21%
-55%
 
Concluiu apenas o ensino fundamental
 
4.198.864
 
23%
 
6.085.077
 
27%
 
45%
 
Concluiu o ensino médio,
mas não teve acesso ao ensino superior
 
2.192.191
 
12%
 
7.493.878
 
33%
 
242%
 
Tiveram acesso ao ensino superior
 
1.320.357
 
7%
 
4.440.540
 
19%
 
236%
 
Total
 
18.255.315
 
100%
 
22.799.238
 
100%
 
 
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE. 1995 e 2009.
 
O percentual daqueles que atingiram o ensino médio como o mais alto grau de escolaridade apresentou expressivo crescimento de 242%, mas sobre uma base pequena, pois passou de 12% para 33%. Um aumento análogo ocorreu com a proporção de jovens que tiveram acesso ao ensino superior num crescimento notável de 236%, mas também sobre uma base pequena – esse percentual cresceu de 7% para 19% durante os quinze anos analisados.
 
Dito de outra forma, podemos observar uma queda acentuada do percentual daqueles que não concluíram o ensino fundamental e o crescimento daqueles que concluíram o ensino médio. O grupo que concluiu o ensino fundamental, mas não concluiu o ensino médio apresenta uma tendência de estabilização em torno dos 20%. E, finalmente, temos um crescimento moderado, durante os últimos quinze anos, daqueles que tiveram acesso ao ensino superior, atingindo 4,4 milhões de jovens (19%).
 
As séries históricas da evolução do acesso à educação dos jovens de 18 a 24 anos no Brasil são mostradas na Figura 1.
 
Figura 1. Evolução do acesso à educação no Brasil para jovens com idade entre 18 a 24 anos. Brasil 1995 a 2009.
 
 
 
 
 
 
Fonte: elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 1995 a 2009.
 
Evolução do acesso segundo a renda familiar per capita
São muito evidentes as diferenças no acesso aos diferentes níveis de ensino segundo a renda familiar[3]. Pode-se observar na Tabela 3 que os dados referentes a 2009 apontam altos percentuais entre os jovens mais pobres (1º e 2º quintis), que não conseguiram completar o ensino fundamental ou o ensino médio. No quintil mais alto da renda (5º quintil), o percentual de jovens que tiveram acesso ao ensino superior é de 60%, valor esse semelhante ao dos países desenvolvidos.
 
Tabela 3. Percentual de jovens com idade de 18 a 24 anos segundo a renda familiar e o acesso à educação. Brasil 2009.
 
Nível de escolaridade
Quintil 1
Quintil 2
Quintil 3
Quintil 4
Quintil 5
Total
Não completou Ensino Fundamental (freq ou não freq)
44%
26%
15%
7%
3%
21%
Não conclui o ensino médio (freq ou não freq)
33%
34%
29%
21%
12%
27%
Completou ensino médio
21%
33%
42%
43%
26%
33%
Teve acesso ao ensino superior
3%
7%
14%
29%
60%
19%
Total
100%
100%
100%
100%
100%
100%
 
Fonte: elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 2009.
 
A evolução do acesso da população jovem aos diferentes níveis educacionais, entre 1995 e 2009, para os quintis mais baixo e mais alto da renda familiar está descrito na Tabela 4, na qual se mostra também a variação, em números absolutos, para o 1º e o 5º quintis da distribuição de renda familiar.
 
No 1º quintil de 1995 para 2009, 1.400 mil jovens a mais concluíram o ensino fundamental, assim como mais 1.300 mil concluíram o ensino médio, o que pode ser considerado um resultado auspicioso. No entanto, ainda temos 77% dos jovens desse contingente populacional que não concluíram o ensino básico (fundamental e médio) e apenas 3% ingressaram no ensino superior.
 
Por outro lado, e em forte contraste, no mesmo período observa-se que no 5º quintil há um aumento de 800 mil jovens com acesso ao ensino superior, indicando que mais da metade dos concluintes do ensino médio, nessa faixa de renda, obtém acesso ao ensino superior. Significa que o ingresso sequencial para o ensino superior tem ocorrido para a maioria dos jovens pertencentes à parcela mais rica da sociedade.
 
Tabela 4. Número de jovens com idade de 18 a 24 anos e variação entre 1995 e 2009 segundo o acesso à educação.
 
1º Quintil
 
1995
1995(%)
2009
2009(%)
Variação
Não concluíram EF
2.495.305
87%
2.262.914
44%
-9%
Concluíram apenas o EF
299.948
10%
1.688.269
33%
463%
Concluíram o EM, mas não tiveram acesso ao ES
62.705
2%
1.079.417
21%
1.621%
Tiveram acesso ao ES
14.249
0%
149.627
3%
950%
Total
2.872.207
100%
5.180.227
100%
80%
5º Quintil
Não concluíram EF
1.131.347
24%
88.046
3%
-92%
Concluíram apenas o EF
1.373.089
30%
361.577
12%
-74%
Concluíram o EM, mas não tiveram acesso ao ES
1.048.182
23%
807.706
26%
-23%
Tiveram acesso ao ES
1.071.186
23%
1.864.343
60%
74%
Total
4.623.804
100%
3.121.672
100%
-32%
 
 
 
 
 
 
               
Fonte: elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 1995 e 2009.
 
Evolução do acesso segundo a cor da pele autodeclarada
Como vimos, grande parcela da população jovem não possui os requisitos educacionais formais necessários para o acesso ao nível superior – mais de 50% nem sequer atingiu o nível médio e, desses, praticamente a metade não concluiu ao menos o ensino básico[4]. É muito reduzida a parcela que chegou a ingressar em cursos de nível superior. Além dessa constatação, podemos verificar que os níveis de escolaridade se diferenciam entre os jovens que se autodeclararam pertencentes à população branca ou não branca[5]. A população autodeclarada não branca apresenta níveis inferiores de escolaridade em relação à população branca. As maiores diferenças podem ser observadas entre aqueles que não concluíram sequer o ensino fundamental e entre os que tiveram acesso ao ensino superior. No primeiro caso, temos 14% de brancos e 28% de não brancos. No segundo caso, são 28% de brancos e apenas 11% de não brancos.
 
As diferenças são menos acentuadas entre aqueles que concluíram, ao menos, o ensino fundamental (24% dos brancos e 30% dos não brancos) e aqueles que lograram atingir a conclusão do ensino médio (34% dos brancos e 31% dos não brancos), como podemos observar na Tabela 5.
 
Tabela 5. Acesso à educação da população de 18 a 24 anos segundo cor autodeclarada. Brasil 2009.
 
 
Branco
Não Branco
Total
Não concluíram o ensino fundamental
14%
28%
21%
Concluíram apenas o ensino fundamental
24%
30%
27%
Concluíram o ensino médio
34%
31%
33%
Tiveram acesso ao ensino superior
28%
11%
19%
TOTAL
100%
100%
100%
 
 
 
 
 
Fonte: elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 2009.
                                                                                                                           
Os níveis de ensino que apresentaram maior variação nos últimos 15 anos foram o médio e o superior, com o aumento do percentual dos jovens que concluíram o médio e dos que tiveram acesso ao superior, tanto entre os que se autodeclararam como brancos como entre aqueles que se autodeclararam não brancos (ver Tabela 6). Porém, entre esses últimos, os percentuais são bem menores e partem de bases muito inferiores. Dessa forma, o contingente de jovens não brancos com acesso ao ensino superior, em números absolutos, atinge apenas 1,3 milhão de jovens, enquanto que, entre os brancos, o contingente é de praticamente 3 milhões.
 
Tabela 6. Número de jovens com idade de 18 a 24 anos e variação entre 1995 e 2009 segundo a cor autodeclarada e o acesso à educação.
 
Níveis de Ensino 
1995
1995 (%)
2009
2009 (%)
Variação
Brancos
Não concluíram EF
4.636.355
48%
1.399.661
14%
-70%
Concluíram apenas o EF
2.482.641
26%
2.413.193
24%
-3%
Concluíram o EM, mas não tiveram acesso ao ES
1.481.901
15%
3.523.273
34%
138%
Tiveram acesso ao ES
1.112.065
11%
2.900.533
28%
161%
Total
9.712.962
100%
10.236.660
100%
5%
Não Brancos
Não concluíram EF
5.907.548
69%
3.274.648
28%
-45%
Concluíram apenas o EF
1.716.223
20%
3.523.808
30%
105%
Concluíram o EM, mas não tiveram acesso ao ES
710.290
8%
3.709.835
31%
422%
Tiveram acesso ao ES
208.292
2%
1.301.427
11%
525%
Total
8.542.353
100%
11.809.718
100%
38%
Fonte: elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 1995 e 2009.
         
 

Situação atual do acesso à educação no Brasil – relação entre as variáveis: quintis da renda e cor autodeclarada
Vimos acima que no acesso ao ensino superior há uma grande diferença entre a população mais pobre e a população mais rica. Há também uma diferença entre os jovens brancos e não brancos. No entanto, podemos ainda nos perguntar quais dessas duas variáveis tem maior influência no acesso dos jovens ao ensino superior

Na Tabela 7 apresentamos uma comparação do efeito das variáveis renda familiar[6] e cor autodeclarada na chance de os jovens terem acesso ao ensino superior. O que se destaca é que o efeito da renda é muito mais forte do que o da cor. Podemos observar que a diferença entre os mais pobres (1º Quintil) e os mais ricos (5º Quintil) é de 12,7 entre os brancos e de 24,7 entre os não brancos. Por outro lado, a diferença entre os brancos e não brancos é de apenas 2,5 na população mais pobre e de 1,3 na mais rica.
 
Esses indicadores, portanto, nos levam a concluir que as diferenças existentes entre os mais ricos e os mais pobres no acesso ao ensino superior são bem mais acentuadas do que aquelas observadas entre brancos e não brancos, sejam elas no grupo mais rico da população ou no grupo mais pobre.
 
Tabela 7. Proporção das variáveis renda familiar e cor autodeclarada no acesso ao ensino superior. Brasil 2009.
 
 
Quintil 1
Quintil 5
Rico/Pobre
Branco
5%
64%
12,7
Não Branco
2%
49%
24,7
Branco/Não Branco
2,5
1,3
 
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados das PNADs/IBGE, 2009.
 
A análise dos dados das PNADs demonstra que cerca de apenas 33% dos jovens na faixa de idade de 18 a 24 anos concluíram o ensino médio e, dessa forma, possuem os requisitos educacionais formais para terem acesso ao ensino superior. Porém, do ponto de vista substantivo, qual é o nível de aprendizado desses jovens para se tornarem demanda qualificada para o ensino superior?
 
Nesse sentido podemos observar os dados dos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Criado em 1998, o Enem tinha por objetivo avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania. Mas sofreu alterações e hoje é um instrumento de seleção para parte das universidades brasileiras[7]. O Enem também é utilizado para a seleção de candidatos ao Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudo em universidades particulares[8]. Devido a esse grande incentivo em utilizar o Enem para ter acesso ao ensino superior, é razoável supor que os participantes do Enem compõem a grande parte da demanda pelo ensino superior[9].
 
Na Figura 2 apresentamos um quadro com o contingente de alunos que conformariam o conjunto da demanda qualificada para ter acesso ao ensino superior. Consideraremos como demanda qualificada o conjunto de alunos que alcançaram 400 pontos no exame do Enem, em virtude de ser esse o critério utilizado pelo ProUni[10].
 
O número de inscritos ao Enem vem aumentando ano a ano e, em 2010, havia atingido mais de 4,6 milhões de pessoas. Porém, efetivamente, participa do exame, composto por duas provas – Objetiva e de Redação –, um número menor de pessoas. Em 2010 foram 2,9 milhões, o que equivale a 70% dos inscritos inicialmente. Desses, selecionamos apenas os que haviam concluído ou iriam concluir o ensino médio regular e/ou profissionalizante no ano da realização do exame (o total de 2.657.025 participantes). E, por fim, temos o contingente de 2.144.419 participantes que lograram atingir 400 pontos nos exames do Enem[11], podendo ser considerada a “demanda qualificada” para o ensino superior.
 
Figura 2 . Participantes selecionados do Enem 2010
 
Total de inscritos no Enem 2010
4.626.094
Selecionados apenas os que compareceram aos exames (prova objetiva e na prova de redação)
3.271.011
Relação entre os inscritos no Enem e os que compareceram aos exames (prova objetiva e na prova de redação)
 
70%
Concluíram o ensino médio ou irão concluir até o final de 2010
 
2.902.762
Concluíram o ensino médio regular ou profissionalizante
 
2.657.025
Total de participantes selecionados – os que cumpriram todos os quesitos acima
2.657.025
Atingiram mais de 400 pontos na prova objetiva (no segmento de Matemática) – “Demanda Qualificada”
2.144.419
Relação entre o total de participantes selecionados e aqueles que obtiveram mais de 400 pontos na prova objetiva no segmento de Matemática
88%
 
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos microdados do Enem[12]
 
Quando comparamos esse contingente de 2.144.419 pessoas que estamos considerando como qualificado para o ensino superior com o número de ingressos no ensino superior[13] no mesmo ano – 2.182.227 – podemos constatar que o número de ingressos é ligeiramente superior ao dos qualificados.
 
Essa constatação reforça as conclusões apresentadas acima, de que para aumentar o acesso de jovens ao ensino superior é necessário ampliar o número de concluintes do ensino médio. Como vimos, apenas cerca de 33% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos (aproximadamente 7,5 milhões) concluíram esse nível de ensino e, dessa forma, possuem os requisitos formais para terem acesso ao ensino superior. Considerando-se a restrição qualitativa expressa pelos resultados do exame do Enem são pouco mais de 2,1 milhões. Para viabilizar o crescimento do ensino superior é necessário que as políticas públicas focalizem o aumento do acesso e de concluintes qualificados no ensino médio, em termos de equivalência entre anos de estudo e domínio do conhecimento, das competências básicas e capacidades simbólicas.
 
Por fim, para compreendermos melhor a evolução da cobertura do ensino médio é importante ver a evolução do número de matrículas nesse nível de ensino. As matrículas do ensino médio vieram crescendo até o ano de 2004, quando atingiram o total de 9.171.36 alunos; daí em diante começaram a diminuir. A Figura 3 nos ajuda a compreender uma das dimensões desse fenômeno. Entre 2004 e 2009 há uma queda de aproximadamente um milhão de matrículas, mas essas se referem a uma diminuição dos alunos mais velhos (acima dos 17 anos) e, simultaneamente, há um crescimento de matrículas de alunos mais jovem, de 15 a 17 anos. Ou seja, houve um ajuste da idade apropriada, que pode ter tido origem, entre outros fatores, na correção do fluxo idade-série ocorrida no ensino fundamental e médio nos últimos anos e na criação de programas específicos para educação de jovens e adultos, como o EJA[14]. Resumidamente, podemos dizer que o número de matrículas no ensino médio deveria praticamente dobrar para atender a população na idade apropriada para essa etapa de ensino.
 
Figura 3. Evolução do número de matrículas no ensino médio por idade e a população total de 15 a 17 anos. Brasil 2004 a 2009.
 
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados das PNADs 2004 a 2009 e MEC/Inep
 
Comentários finais
Através dos dados das PNADs podemos observar que a principal determinante no acesso à educação é a renda familiar, embora a variável cor autodeclarada apresente influência no acesso para as populações de todas as faixas de renda. Em todas as etapas de ensino e quintis da renda observa-se que os não brancos têm menos acesso à educação do que os brancos. Entretanto, as diferenças nos percentuais de acesso são muito menores em função da variável cor autodeclarada do que em função da variável renda familiar. Como vimos acima, a diferença observada entre o quintil mais pobre (1º Quintil) e o mais rico (5º Quintil) é de 24,7 vezes na população não branca e de 12,7 na população branca. Enquanto a diferença entre brancos e não brancos é de apenas 2,5 entre os mais pobres e ainda menor entre os mais ricos – 1,3.
 
Ocorre que nas camadas de menor renda há um importante efeito cumulativo devido ao atraso e à evasão escolar, que se inicia no ensino fundamental e que leva a uma enorme diferença nos percentuais de acesso aos níveis mais altos de ensino. O fato de a variável renda ter maior influência no acesso aos níveis mais altos de escolaridade do que a variável cor autodeclarada é bastante importante para o formulação de programas e políticas que visam ampliar a equidade do acesso aos níveis mais altos de escolaridade.
 
A parcela da população que ainda não tem acesso ao ensino superior é de 80% dos jovens com idade de 18 a 24 anos. Neste grupo de idade, a metade dos jovens (48%) não possuem os requisitos formais para concorrer a vagas no ensino superior, pois 21% dos jovens nessa idade não concluíram o ensino fundamental e 27% não concluíram o ensino médio. Ou seja, apenas cerca de 33% dos jovens na faixa de idade de 18 a 24 anos concluíram o ensino médio, como mais alto nível de escolaridade, e dessa forma possuem os requisitos escolares formais para terem acesso ao ensino superior.
 
Observando o número de matrículas no ensino médio, vimos que essas precisariam ser dobradas para atender a parcela jovem de 15 a 17 anos.
 
Do ponto de vista da demanda qualificada para o ensino superior, são 2.144.419 frente a 2.182.227 dos ingressos ao ensino superior no mesmo ano.
 
Isso significa que a ampliação do acesso e do número de concluintes no ensino médio e seu efetivo aprendizado é uma estratégia imprescindível para a ampliação do acesso ao ensino superior. Sem enfrentar esse gargalo, o crescimento dos níveis mais altos de ensino fica muito comprometido.
 
A compreensão desses processos que revelam os obstáculos ao funcionamento adequado do sistema educacional oferece um suporte para políticas públicas que incidem sobre a melhoria do acesso e da qualidade de ensino e a superação das restrições decorrentes das clivagens sociais que se manifestam no interior de todo o sistema educacional – do ensino fundamental, médio e superior.


[1] Tomamos como referência a faixa etária de 18 a 24 anos por ser o contingente populacional considerado como demanda adequada para o ensino superior e ser o indicador utilizado pelas agências internacionais (embora, no Brasil, as faixas etárias mais velhas tenham grande representação entre aqueles que frequentam o ensino superior). Como veremos a seguir, o atraso escolar é uma das restrições ao acesso de jovens brasileiros ao ES.
 
[2] Digest of Education Statistics 2010, Tab 406 (NCES, 2010) em http://nces.ed.gov/programs/digest/d10/tables/dt10_406.asp
 
[3] Para a classificação de rendimentos da população analisada foi utilizada a renda familiar segundo quintis da renda.
 
[4] Ensino básico refere-se ao conjunto das etapas do ensino fundamental mais a do Ensino Médio.
 
[5] A informação sobre raça/cor tem origem nos dados das PNADs/IBGE. É baseada em autodeclaração do informante, tendo como referência a cor da pele, de acordo com as seguintes alternativas: branco, preto, pardo e amarelo, além da categoria indígena. Para a finalidade deste estudo, agregamos a população em apenas dois grupos: brancos e não brancos. O grupo dos não brancos é constituído pela população que se autodeclarou como parda (44% do total da população) somada àquela que se declarou como preta (7%) e à indigena (0,2%). Vale destacar que, nos quesitos levantados pelo presente trabalho, os pretos e os pardos apresentam condições de escolaridade muito semelhantes. O grupo dos brancos é composto pelas pessoas que se autodeclararam como brancas (48% do total da população) somadas aos que se autodeclararam como amarelos (0,5) – PNAD, 2009. O grupo dos amarelos, apesar de ser proporcionalmente pequeno e, dessa forma, não alterar os resultados do grupo dos brancos, apresenta condições de escolaridade superiores em todos os quesitos levantados nesta pesquisa.
 
[6] Essa tabela foi construida para uma comparação simultânea do efeito das variáveis: a cor autodeclarada e a renda familiar em quintis. A comparação é entre o quintil mais baixo e o mais alto, ou seja, a parcela dos 20% mais pobres da população em comparação à parcela dos 20% mais ricos. O cálculo é o resultado da divisão entre os percentuais.
 
[7] Cerca de 500 universidades já usam o resultado do Enem como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular. As universidades possuem autonomia e podem optar entre quatro possibilidades de utilização do novo exame como processo seletivo: como fase única, como primeira fase; combinado com o vestibular da instituição; como fase única para as vagas remanescentes do vestibular e ainda como instrumento de seleção para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que é o sistema informatizado gerenciado pelo Ministério da Educação no qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do Enem.
 
[8] ProUni – Programa Universidade para Todos é um programa do Ministério da Educação, criado em 2004, que oferece bolsas de estudo integrais e parciais em instituições de educação superior privadas, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes sem diploma de nível superior. As bolsas oferecidas são em instituições privadas de educação superior que aderem ao programa e, dessa forma, recebem isenção de tributos. Podem participar os estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou bolsistas da rede particular, aqueles com renda familiar per capita inferior a 1½ salário mínimo podem concorrer a bolsas integrais e com renda familiar até 3 salários mínimos per capita a bolsas parciais de 50%.
 
[9] Embora uma parcela de interessados pode ser composta por pessoas que não se submeteram aos exames do Enem.
 
[10] Para se inscrever no Prouni é preciso ter realizado o Enem naquele mesmo ano, ter obtido no mínimo 400 pontos na média das cinco notas do exame (Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias e Redação) e ter obtido nota superior a zero na redação.
 
[11] Os dados disponíveis sobre o Enem 2010 no site do MEC apresentam o número de participantes que obtiveram 400 pontos em cada um dos segmentos da Prova Objetiva: Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagem e Códigos, além da Prova de Redação. Dessa forma, na ausência de uma nota final média, elegemos a nota de Matemática para ser a referência de desempenho dos candidatos no Enem.
 
[13] Esse contingente refere-se ao total de ingressos no ensino superior através do vestibular ou outros processos em cursos presenciais (1.801.901) e a distância (389.326) – ver Sinopse da Educação Superior, Inep, 2010.
 
[14] Educação de Jovens e Adultos – EJA - é a modalidade de ensino nas etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira e adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada.