21/07/2014

International Higher Education

Rússia coloca abertura de mercado educacional na pauta da Apec

Christopher Ziguras
Deputy dean, Escola de Estudos Globais, Urbanos e Sociais, RMIT University, Melbourne, Austrália. E-mail: chris.ziguras@rmit.edu.au
Desde que a organização de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) foi criada em 1989, não houve um interesse especial na educação superior, mas isso pode estar mudando. Durante a presidência rotativa da Rússia, em 2012, os líderes da organização se comprometeram em promover a cooperação transnacional, a colaboração e a troca de informações na área do ensino pós-secundário. Mas se a nova aspiração da organização para o engajamento regional poderá ser de fato traduzida em medidas práticas que afetem as instituições universitárias, ainda resta o engajamento de estudantes e educadores nesse processo.
 
A liberalização do comércio e a regulamentação chinesa
Desde, pelo menos, meados de 1990, a Apec manifestou interesse em expandir o investimento estrangeiro na educação e formação. A Austrália, um fornecedor-chave de ensino superior transnacional na região, foi a força motriz por trás de projetos de educação internacional no início da Apec ao desempenhar um papel similar no âmbito da Organização Mundial do Comércio e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Em um esforço para envolver a  Apec na Rodada do Milênio do Acordo Geral de negociações sobre comércio e serviços, ela organizou um “Diálogo Temático sobre o Comércio de Serviços de Educação", em Hanói, em 2002, e patrocinou uma série de projetos de pesquisa: Medidas que Afetam o Comércio e o Investimento nos Serviços de Educação da Região da Ásia e do Pacífico (com a Nova Zelândia, 2001), a Apec e a Educação Internacional (2008), e Medidas que Afetam a Permuta e o Investimento Internacional no Ensino Superior na região da Apec (2009).
 
A China estava muito mais interessada em projetos com foco na efetiva regulação nacional de fornecimento estrangeiro. Após a introdução de novas diretrizes para provedores estrangeiros em 2003, a China patrocinou um projeto do qual a Austrália e a Nova Zelândia estavam ansiosos por participar, culminando em um relatório atabalhoadamente intitulado, melhorando a competência do instituto do ensino superior no âmbito da globalização: Escolas Conjuntas entre a Apec (2004). Mais recentemente, a China realizou um seminário da Apec em Xangai do qual resultou o relatório Competência de Desenvolvimento de Políticas e Monitoramento da Educação Transnacional na Região da Apec (2011).
 
Ao verem-se diante do desafio de administrar a educação superior transnacional de polos opostos, os projetos liderados pela Austrália e pela China enfatizaram a importância de uma regulamentação nacional e garantia de qualidade. Num esforço para desenvolver tal capacidade na região, a Austrália e os Estados Unidos lideraram projetos da Apec sobre o desenvolvimento de regimes nacionais de garantia de qualidade em 2006 e 2011, respectivamente.
 
Estes vários fóruns e relatórios forneceram algumas oportunidades para o compartilhamento de informações entre os funcionários do médio escalão de toda a região, o que pode ter contribuído modestamente para convergência política, especialmente por expor funcionários das economias emergentes para as práticas de sistemas mais desenvolvidos. Contudo, essas preocupações não figuram muito na agenda dos ministros da educação da Apec. Raramente houve sequer uma menção da educação superior nas declarações das  Reuniões Ministeriais da Apec sobre Educação antes de 2012.
 
O que está acontecendo em Vladivostok?
Em 2012, os ministros da educação concordaram em reforçar o papel da Apec na cooperação educacional, apelidado de "Iniciativa de Gyeongju", e imediatamente a Federação Russa ofereceu-se para liderar uma iniciativa de ensino superior durante o ano em que a Rússia assumiu a liderança rotativa da organização.
 
Os ministros do comércio da Apec, então, apelaram tanto para a expansão do “comércio transnacional dos serviços de educação e aprofundamento da cooperação educacional na Ásia e no Pacífico”. Eles pediram aos funcionários que examinassem formas de "melhor facilitar a mobilidade de estudantes, pesquisadores e fornecedores da região”. Um mês depois, a conferência sobre educação superior, patrocinada pela Rússia em Vladivostok, “Formar Educação dentro da Apec”, adotou a lista dos ministros do comércio e acrescentou mais dois pontos: “aumentar a interação entre as instituições de educação superior e a coleta de dados sobre o intercâmbio de serviços de educação”.
 
Ao comprometer-se com a “cooperação educacional e promover o intercâmbio transnacional de serviços de educação”, a Apec enquadrou sabiamente as aspirações em termos que são amplos o suficiente para serem significativos tanto nos setores da educação como do comércio. Essas aspirações foram devidamente aprovadas pelos líderes econômicos da Apec na reunião de Vladivostok em fins de 2012. Subsequentemente a Rússia patrocinou uma segunda conferência da Apec sobre cooperação em educação superior na região da Ásia e do Pacífico no início de 2013, novamente em Vladivostok.
 
Assim, a Rússia parece ter muito sucesso em colocar no topo da agenda da Apec o ensino superior transnacional. A Rússia recebe um grande número de estudantes internacionais, 129.690 em 2010 de acordo com números da Unesco; mas uma pequena proporção vem de economias participantes da Apec, com a grande maioria proveniente de ex-repúblicas soviéticas. Além disso, a Rússia não tinha sido previamente ativa neste espaço dentro da Apec.
 
A localização pode fornecer algumas pistas. A Cúpula dos Líderes ocorreu no campus da ilha recentemente construída da Universidade Federal do Extremo Oriente (FEFU), construída em tempo para sediar a reunião de cúpula e fornecer, depois, acomodações para a universidade. O site da universidade afirma que "O principal alvo do Programa Estratégico da FEFU para 2010-2019, apoiado pelo amplo financiamento federal, é fazer da FEFU uma universidade de classe mundial, integrada ao ambiente da região da Ásia e do Pacífico na educação, pesquisa e inovação”. Assim, a cidade de Vladivostok e esta universidade internacional, em particular, parecem centrais aos esforços da Rússia para expandir seu compromisso educacional com a região.
 
Tensões em curso
Em agosto do ano passado eu fui facilitador de um fórum da Apec em Kuala Lumpur, Malásia, patrocinado pelo Departamento de Relações Exteriores e Comércio da Austrália, que reuniu funcionários do comércio e educação, acadêmicos e representantes de instituições de ensino de 14 países. Grande parte do debate centrou-se sobre as formas de melhorar a capacidade institucional, apoiar um desejo generalizado de maior engajamento internacional para o recrutamento de estudantes de graduação internacionais, engajar-se em relações de troca, colaborar com instituições estrangeiras para oferecer programas internacionais, internacionalizar a pesquisa, ou o ensino. No entanto, a fim de uma maior abertura dos sistemas de ensino para permitir maior mobilidade de estudantes, acadêmicos e mantenedores, ainda há claras diferenças significativas de opinião entre e dentro dos países. Vários participantes argumentaram que, devido aos diferentes estágios de desenvolvimento dos sistemas nacionais, não há condições de concorrência equitativas; e que a introdução de uma maior concorrência internacional para fornecedores nacionais minaria suas estratégias nacionais de desenvolvimento.
 
Não é incomum os operadores estabelecidos em qualquer setor de atividade protegida se oporem a medidas que permitam a entrada de concorrentes em seus mercados. De certa forma, as universidades não se comportam de forma diferente do que outros prestadores de serviços, como bancos ou companhias aéreas. Mas o setor da educação desempenha um papel único e é de fundamental importância na promoção do desenvolvimento social e econômico. Assim, os governos têm receio de introduzir mudanças que as principais instituições veem como enfraquecedoras de suas posições, especialmente se essas instituições são operados pelo Ministério da Educação.
 
Podemos não estar à beira de outra Declaração de Bolonha, mas o interesse da Apec é mais uma indicação de uma vontade política crescente de intensificar a integração dos sistemas de ensino superior da região.