20/08/2013

International Higher Education

O falso glamour da internacionalização das universidades

É ingenuidade e irresponsabilidade ver a internacionalização como algo necessariamente positivo

Jenny J. Lee
Jenny é professora assistente do Center for the Study of Higher Education, Universidade do Arizona, Tucson. E-mail: jennylee@email.arizona.edu
A internacionalização recebeu grande destaque conforme os países e suas instituições elaboram estratégias para participar da sociedade global de hoje. A internacionalização pode ser comparada a uma corrida armamentista de estudantes, estudiosos, cursos e elos de uma instituição com indivíduos e atividades fora de suas fronteiras nacionais. Embora esforços imensos sejam agora feitos no sentido da internacionalização, menos atenção é dedicada à avaliação da qualidade e do retorno educacional sobre os investimentos feitos depois que as atividades são organizadas. Esse efeito da internacionalização ignora facilmente o aspecto humano da migração e da troca, que é bem documentado e se mostra globalmente desigual. Em resumo, há um perigo em promover às cegas a internacionalização sem levar-se em consideração seus propósitos declarados e consequências imprevistas.
 
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A cautela e a atenção às experiências qualitativas dos estudantes e estudiosos internacionais podem proporcionar conclusões importantes que levam a maiores benefícios e a uma melhor coordenação das "metas diplomáticas" declaradas da internacionalização. Dois casos serão apresentados com base na experiência de estudantes e estudiosos internacionais, que oferecem implicações de como a internacionalização deve ser avaliada e praticada de maneira crítica.
 
A internacionalização não é apenas um conjunto de atividades. Envolve também uma responsabilidade social e pedagógica Trabalho científico em pós-doutorado
Os estudantes internacionais de pós-doutorado são uma população fundamental e muitas vezes ignorada na compreensão da produção científica e de pesquisa. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, os pós-doutorandos se concentram muito mais nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Esses pesquisadores contingentes servem à criação de conhecimento científico do país, dada a escassez de talentos domésticos. Enquanto isso, é grande o número de candidatos estrangeiros às vagas de pós-doutorado – os estudiosos internacionais tendem a buscar posições nos EUA e na Europa Ocidental nas universidades mais bem posicionadas nas classificações globais.
 
Embora todos os pós-doutorandos tenham ao menos alguma aspiração de se tornarem professores, os pós-doutorandos estrangeiros apresentavam uma inclinação bem menor para tal destino. Essa população internacional ocupa dois níveis de trabalho acadêmico – um teórico (americanos e europeus) e outro técnico (asiáticos), conforme determinado pelo estereótipo dos supervisores do corpo docente. Tais visões foram então traduzidas para diferentes níveis de responsabilidade no trabalho e, por fim, diferentes rumos para a carreira – supervisores de laboratório com contratos temporários e professores de ciências à espera de uma posição permanente. Com base nessa pesquisa, grupos particulares (ou seja, asiáticos) são especialmente vulneráveis, pois tendem a receber incumbências que podem não levar a posições permanentes no corpo docente. A decisão dos supervisores do corpo docente podem ter como base percepções não confirmadas a respeito de culturas e países de origem.
 
Na sociedade global do conhecimento de hoje, os princípios da eficiência indicam que vários pesquisadores que trabalham em meio período ou que têm contratos de curto prazo são um investimento financeiro melhor na produção de conhecimento científico em relação ao professor único e permanente. Consequentemente, o termo "pós-doutorandos perpétuos" está se tornando cada vez mais comum, porque as oportunidades de avanço e segurança permanente no trabalho são limitadas. Mas surgem dúvidas no momento de considerar se tais atividades podem ser chamadas de "internacionalização". Com base numa observação superficial, a contratação de estudiosos internacionais parece se enquadrar nesse termo. Mas, quando fazemos uma observação mais crítica, a potencial exploração de estudiosos de países em desenvolvimento é diretamente contrária à mensagem positiva da internacionalização.
 
Os esforços de internacionalização não resultam automaticamente em oportunidades e experiências de ensino melhores, que dirá numa diplomacia mais intensa entre os países participantes Estudantes atletas estrangeiros
Como segundo exemplo, os estudantes atletas estrangeiros são frequentemente recrutados nos EUA como maneira de trazer prestígio atlético a uma instituição. Como ocorre com os pós-doutorandos internacionais, os estudantes atletas estrangeiros são posteriormente procurados para promover a reputação de uma instituição para além da oferta doméstica. Atletas africanos foram pesquisados e têm forte presença no atletismo. Casos de isolamento social, insultos verbais e assédio foram identificados, de maneira similar ao que foi revelado por descobertas anteriores em outras populações de estudantes internacionais. Entre as percepções equivocadas mais frequentes com relação aos estudantes atletas africanos, em particular, está a de que estes estudantes atletas dão prioridade a uma carreira profissional no esporte em detrimento do ramo acadêmico. Consequentemente, muitos são conduzidos a especializações menos exigentes academicamente, para acomodar a necessidade de treinar e participar de competições, mas o resultado é a obtenção de diplomas de pouca relevância quando voltam ao seu país de origem.
 
Nos EUA, um programa atlético de boa reputação pode gerar milhões de dólares vindos de patrocínios corporativos, doações particulares, venda de ingressos e mais. Para manter ou aumentar a competitividade de uma equipe, é comum recrutar estudantes atletas do exterior. Como benefício adicional, esses estudantes internacionais podem ser exibidos para demonstrar os esforços de internacionalização de uma instituição. Tais estudantes também são beneficiados com a oferta de bolsas de estudos e a oportunidade de estudar numa universidade com mais recursos do que aqueles que estariam disponíveis no seu próprio país. Tal situação em que todos são beneficiados parece atraente para ambos os lados, mas, num exame mais detalhado, surgem preocupações. A qualidade da experiência desses estudantes atletas costuma ser ignorada, apesar dos esforços consideráveis no sentido de recrutá-los. Suas trajetórias de carreira também são isentadas de um exame aprofundado, especialmente levando-se em consideração que os atletas mais talentosos podem seguir uma carreira profissional nos esportes sem precisar de um diploma universitário.
 
O pós-doutorando perpétuo está se tornando cada vez mais comum, porque as oportunidades de avanço e segurança permanente no trabalho são limitadas Uma responsabilidade social e educacional
Em resumo, é ingenuidade e irresponsabilidade ver a internacionalização como algo necessariamente positivo. A internacionalização não é apenas um conjunto de atividades observáveis, envolvendo também uma responsabilidade social e pedagógica. Conforme demonstrado nos exemplos citados anteriormente, os esforços de internacionalização não resultam automaticamente em oportunidade e experiências de ensino melhores, que dirá numa diplomacia mais intensa entre os países participantes.
 
A internacionalização reflete potencialmente os interesses dominantes dos anfitriões, menos do que o espírito de colaboração mútua e intercâmbio cultural. No contexto do ensino superior, corpo docente e gestores acadêmicos não podem limitar o planejamento a considerações fiscais, como costuma ocorrer com frequência. O fardo da internacionalização além da configuração inicial deve caber aos anfitriões internacionais, e não aos convidados. Quando estudantes e estudiosos estrangeiros relatam que suas expectativas não foram realizadas, que foram vítimas de discriminação e de tratamento injusto, e que foram assediados pela comunidade anfitriã, o problema deve ser enfrentado por aqueles que os recrutaram, e não deixado para os que com ele sofrem.
 
A pesquisa descobriu que a fonte de discriminação costuma ser o próprio corpo discente doméstico e até o corpo docente, algo que, ironicamente, ocorre em ambientes de ensino –incluindo as salas de aula. Assim sendo, os incidentes relatados refletem sob muitos aspectos um fracasso do sistema de ensino em educar seus próprios membros quanto ao valor da internacionalização e os benefícios pedagógicos que os estudantes e estudiosos internacionais precisam oferecer.
 
Muitos estudantes domésticos não conseguem arcar com o custo de estudar no exterior, mas podem ter uma experiência internacional em suas próprias instituições. Entre as frustrações mais citadas pelos estudantes internacionais está a falta de relacionamentos sociais com estudantes domésticos. Embora sejam muitas as atividades universitárias que buscam facilitar a troca social, esses eventos tendem a ser pouco frequentados, contando com pouco interesse por parte dos estudantes locais. As instituições de ensino superior podem se internacionalizar ao educar seus próprios estudantes domésticos a respeito do valor da internacionalização e da aquisição de competências globais básicas, como a capacidade de se comunicar de maneira eficaz com indivíduos de sotaques estrangeiros, possuir conhecimento a respeito de culturas diferentes além de suas fronteiras, e formar redes com aqueles que moram fora do país, enquanto algo vital para o sucesso nessa sociedade globalizante.
 
Os países e as instituições que recebem estudantes estrangeiros precisam evitar a exploração de estudantes e estudiosos estrangeiros no interesse do prestígio global ou do retorno econômico. Embora a internacionalização seja parte da paisagem acadêmica de hoje, a forma de praticá-la ainda não foi totalmente definida.