07/07/2014

International Higher Education

Ideal para expandir soft power, ensino superior é nova arma diplomática

Programa Fulbright, patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA, é um excelente exemplo de diplomacia pública promovida por meio da educação. Autoridades do governo americano muitas vezes o citam como um dos grandes patrimônios diplomáticos do país.

Patti McGill Peterson
Patti McGill Peterson é conselheira presidencial para internacionalização e engajamento global do American Council on Education, Washington DC. E-mail: PPeterson@acenet.edu
 
A diplomacia – ou a arte das relações internacionais – já foi arena exclusiva de chefes de Estado ou seus representantes designados. Ao longo do século passado, seus parâmetros expandiram-se para incluir o conceito de "diplomacia pública", um termo que abrange as ações de uma ampla gama de atores e atividades destinadas a promover relações favoráveis ​​entre as nações.
 
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Na prática da diplomacia, bem como da dominação, os países têm ampliado seus interesses nacionais através da educação. Ela desempenhou um papel central na longa história do colonialismo, por aqueles que desejavam influenciar as populações locais. Na era pós-colonial, a educação ainda desempenha um papel importante no avanço da influência nacional.
 
Educação superior e soft power
Em anos mais recentes, o papel da educação e intercâmbio acadêmico na construção de relações internacionais tem sido caracterizado pelo termo de "soft power". Ao invés de empregar a força, o "poder brando" é dependente da força de ideias e cultura, para influenciar a amizade e boa disposição dos outros. O ensino superior é um veículo ideal para o poder brando.
 
O Programa Fulbright – patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA – é um excelente exemplo de diplomacia pública promovida por meio da educação superior. Seu objetivo principal é promover a compreensão mútua entre povos e nações, e sempre foi um mix de soft power gerado tanto por governo quanto por indivíduos. O programa reivindica ter patrocinado e articulado o maior movimento de estudantes e estudiosos de todo o mundo. Autoridades do governo muitas vezes o citam como um dos grandes patrimônios diplomáticos dos Estados Unidos. Os cidadãos e os líderes de outros países que participaram do Fulbright frequentemente proclamam familiaridade e afeição pelos Estados Unidos e seu povo por causa de sua experiência no programa – um resultado que gera boa vontade em relação aos EUA no exterior.
 
Ainda que o Fulbright não tenha sido replicado por outros países com a mesma magnitude, há esforços bem organizados para estender a diplomacia nacional por intermédio da educação. O British Council é um excelente exemplo. Com escritórios ao redor do mundo, às vezes operando como uma afiliada das embaixadas britânicas, o British Council se descreve como organização internacional do Reino Unido para oportunidades educacionais e relações culturais. À semelhança do modelo Fulbright, oferece bolsas de estudo no Reino Unido e patrocina intercâmbios educacionais entre instituições de ensino superior de lá e outros países.
 
O Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Deutscher Akademischer Austausch Dienst, DAAD) desempenha um papel semelhante, mas menos abrangente. É de se ressaltar que países não ocidentais têm seguido a mesma trilha diplomática. A China implantou sua própria marca de diplomacia educacional em 2004. Seus Institutos Confúcio foram concebidos para promover a língua e cultura chinesas no exterior. Até 2011, havia 353 Institutos Confúcio em 104 países e regiões.
 
Diplomacia ou hegemonia
Relações de soft power, preenchidas por uma espécie de "egoísmo esclarecido", muitas vezes sinalizam relações desiguais. Essa questão foi levantada em especial no que diz respeito à cooperação Leste-Oeste e Norte-Sul. Dada a demanda por ensino superior nos países em desenvolvimento, tais nações não estão dispostas a desencorajar aquelas que desejam ajudar, quer por meio de bolsas de estudo ou de assistência para a formação de instituições. No melhor dos mundos possíveis, essas ofertas podem engendrar desenvolvimento para o país receptor, como forma de desenvolver capital humano. No entanto, os países que são os destinatários da diplomacia educacional precisam compreender as motivações daqueles que desejam construir relacionamentos.
 
À medida que entramos num período de engajamento global acelerado, a diplomacia educacional de país para país está sendo ultrapassada por relações instituição-a-instituição e por uma ampla gama de atores. Isso faz o cenário diplomático-educacional ainda mais complicado para aqueles na ponta receptora. Também significa que os governos não são os atores principais. Enquanto os governos podem encarar as atividades transfronteiras de faculdades e universidades como uma parte importante de seus esforços diplomáticos, as instituições estão operando cada vez mais além da soberania nacional, com base em suas próprias estratégias e motivações.
 
Além da soberania nacional
Um relatório sobre engajamento global do ensino superior produzido pelo Conselho Americano de Educação mostra instituições agindo simultaneamente em termos de concorrência e de cooperação. O texto não contesta o papel do ensino superior na diplomacia pública, mas dá mais foco à necessidade de faculdades e universidades desenvolverem suas próprias estratégias de engajamento. Isso pode levar a relações e negociações diretas, e não apenas com instituições de ensino fora dos Estados Unidos, mas também com os próprios governos. Quando os reitores de universidades americanas viajam para Índia, China ou quaisquer outros países, muitas vezes se reúnem com representantes dos governos como parte de seus esforços para constituir relações acadêmicas com esses países.
 
Quando os acordos de cooperação acadêmica são assinados por reitores de universidades, o palco da cerimônia e as formalidades trazem toda a pompa de um acordo internacional. A assinatura, como em todos os tratados, representa fundamento significativo lançado por representantes institucionais. O momento de celebração nem sempre é seguido por relações sustentáveis​​, e as expectativas são muitas vezes frustradas por profundas decepções. Os resultados ruins podem ter um impacto negativo sobre as relações institucionais e nacionais, ainda que no segundo caso possa ser uma consequência não intencional.
 
Ainda que faculdades e universidades sejam evidentemente obrigadas a se adequar às leis nacionais e, seguindo a melhor prática prudencial, devam estar totalmente à par dos costumes locais, elas operam principalmente em seu próprio benefício quando os acordos são assinados. Nessa dimensão, estão se movendo para além da soberania, mas ainda podem ser consideradas como representantes da nação de origem. Para esta veia de diplomacia pública, é extremamente importante, assim como nas negociações diplomáticas oficiais, que as instituições desenvolvam protocolos que reconheçam todos os detalhes, promessas e expectativas que são críticas para ambas as partes antes de assinar. E quando desdobramentos inesperados causarem tensões, será igualmente importante ter maneiras previstas para julgar essas questões.
 
Diplomacia sólida para relacionamentos fortes
Seria seguro dizer que, na maioria dos cases de diplomacia educacional, há motivos mistos para a procura de uma aliança. A busca de estudantes pagantes é uma razão principal para a maior atividade transfronteiras. Instituições e governos de países com nível superior bem desenvolvido estão criando iniciativas para receber estudantes de países em desenvolvimento. Algumas universidades de ensino menos desenvolvido buscam relacionamentos com outras instituições vistas como "de prestígio", para aumentar suas chances de subir degraus nos rankings globais.
 
Para além dessas motivações mais estreitas, muitas instituições estão desenvolvendo estratégias de internacionalização mais amplas, para buscar acordos de cooperação que as definam como "instituições globais". Podem querer buscar uma variedade de objetivos por meio do engajamento internacional – enriquecer seus programas acadêmicos, ampliar a base de conhecimento e a experiência de seus alunos, abrigar um corpo discente e docente mais diverso, proporcionar mais oportunidades para que seus professores se vinculem a redes internacionais de pesquisa, e, finalmente, para desenvolver um amplo espectro de atividade conjunta que irá beneficiar ambos os parceiros. Como em todas as relações sustentáveis​​, o caráter de cada parceiro e do arcabouço ético em que operam são igualmente importantes. Países e instituições envolvidas em diplomacia educacional têm uma obrigação de considerar os benefícios não apenas para si, mas também para seus parceiros, no melhor espírito de relações internacionais e de internacionalização do ensino superior. Se bem feito, vai ser uma maré crescente levantando todas as naus.