26/03/2014

International Higher Education

Financiando o ensino superior na América Latina

Ana García de Fanelli
Ana García de Fanelli é pesquisadora sênior do Conselho Nacional de Pesquisa em Ciência e Tecnologia (CONICET) do Centro para o Estudo do Estado e d Sociedade (CEDES) em Buenos Aires, Argentina. E-mail: anafan@cedes.org
Os países latino-americanos desenvolveram um potente crescimento econômico na década de 2000 - pela primeira vez desde a crise de endividamento da década de 1980. Além disso, com um “bônus demográfico”, no qual a proporção de crianças diminui e, com isso, a geração mais velha aumentou o tamanho da população economicamente ativa. Assim, para as sociedades cada vez mais velhas, é essencial investir em capital humano avançado para a qualidade e produtividade de uma força de trabalho menor. Assim, a expansão do crescimento regional poderia proporcionar mais recursos financeiros para o treinamento de um maior número de formandos mais bem qualificados no ensino superior.
 
Com base nesses contextos econômicos e demográficos, três questões são relevantes: primeiro, a alteração na proporção de riqueza nacional gasta com o ensino terciário em alguns países latino-americanos, bem como a contribuição do setor privado para este investimento; segundo, algumas consequências deste padrão de financiamento em termos de igualdade; e, finalmente, as inovações nos mecanismos de financiamento para distribuir recursos públicos.
 
Mais recursos investidos em capital humano
O gasto com o ensino superior enquanto percentual do produto interno bruto mede o esforço de uma sociedade (fontes particulares e do governo) em expandir seu capital humano avançado. A partir dos dados disponíveis em Education at a Glance 2013 - cobrindo Argentina, Brasil, Chile e México -, esse esforço foi maior em 2010 do que em 2005. O produto interno bruto desses quatros países aumentou bastante nesse período, de modo que o total de recursos destinados às instituições do ensino superior foi substancial. Nesses países, o gasto com o ensino superior enquanto percentual do produto interno bruto em 2010 se aproximou da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (1,6%), ultrapassando-a no caso do Chile (2,4%). Embora o Brasil tenha destinado menos recursos (0,9%) do que a média, os dados davam conta apenas do gasto público. O ensino superior brasileiro foi servido principalmente pelo setor privado, no qual a principal fonte de financiamento são as mensalidades. O Brasil também vive uma expansão do setor com fins lucrativos e, por isso, seu investimento total no ensino superior é muito maior do que o indicado por este número.
 
As matrículas no setor privado cresceram consideravelmente em alguns países latino-americanos entre 2005 e 2009. No Brasil e no Chile, a proporção de matrículas no setor privado aumentou para mais de 70%, enquanto quase todos os estudantes terciários de El Salvador, Paraguai, Peru, Guatemala e Colômbia frequentam atualmente instituições privadas de ensino superior. Nos países da América Latina, quase metade das matrículas no ensino terciário se concentram em instituições cuja principal fonte de financiamento são as mensalidades. Portanto, os estudantes e seus pais já contribuem pesadamente para financiar as instituições do ensino superior. Além disso, alguns desses países cobram mensalidades dos estudantes das universidades públicas; um exemplo é o setor das universidades públicas do Chile. Em outros países nos quais os programas de graduação nas universidades públicas são gratuitos e a maioria das matrículas se concentra no setor público (como ocorre na Argentina e no Uruguai), o governo é a principal fonte de financiamento. Independentemente disso, nesses países os estudantes costumam pagar mensalidades nos programas de pós-graduação.
 
Melhorias na igualdade e no acesso
Para avaliar a evolução das matrículas no ensino superior nos países latino-americanos, é preciso levar em consideração as condições iniciais caracterizadas por uma significativa disparidade nas matrículas entre a população de renda alta e baixa. No Brasil, por exemplo, apenas 2% da população de idade relevante estavam matriculados no ensino superior, sendo que no quinto mais rico da população esta proporção chegava a 40% em 2000. Nesse contexto, o ritmo de crescimento em matrículas básicas no grupo de renda mais baixa aumentou mais rápido do que no grupo mais rico nos últimos 10 anos. Entretanto, dada a imensa diferença inicial nas matrículas dos estudantes, uma lacuna significativa pode ser observada nos níveis de matrículas entre os grupos mais rico e mais pobre. Entre os países que apresentaram uma maior redução desta diferença estão Argentina, Chile e México.
 
No contexto do crescimento econômico, o aumento nos gastos público e privado com o ensino superior contribuíram para tornar o sistema mais equânime - com acesso mais fácil para os jovens de situações menos favorecidas. Independentemente disso, apesar do sucesso dos países latino-americanos em facilitar o acesso para os estudantes de baixa renda, a proporção mais alta de abandono do curso tende a se originar neste segmento. Além disso, os estudantes de contextos menos favorecidos costumam frequentar instituições terciárias de qualidade mais baixa. Um desafio futuro deve ter como foco melhorar a proporção de formandos entre esses estudantes, aumentando suas chances de ingressar em programas e instituições de qualidade melhor.
 
Inovações na distribuição de recursos públicos
Na maioria dos países latino-americanos, com exceção do Chile, a negociação do mecanismo de financiamento ainda é o mecanismo mais relevante para distribuir o financiamento principal destinado às instituições do ensino superior. Além disso, desde o final dos anos 1980 e 1990, muitos desses governos passaram a destinar uma pequena proporção do orçamento total por meio de fórmulas e fundos para atingir objetivos específicos.
 
Os contratos para modernizar o ensino superior por meio de um procedimento competitivo são os contratos de desempenho do Chile (Contratos de Desempeño). Estes buscam alinhar as missões institucionais da universidade com a responsabilidade pública, e o desempenho institucional com o financiamento público. Além disso, o governo argentino destina recursos por meio de um contrato de três anos, de modo que os cursos de graduação credenciados pelo Estado possam cumprir seu compromisso com os planos de melhorias. O elo entre financiamento e resultados de credenciamento do programa ajudou a legitimar os procedimentos de controle de qualidade.
 
Outro aspecto digno de nota deste período é o aprofundamento de mecanismos impulsionados pela demanda no Chile. O percentual de apoio estatal à demanda (por meio de bolsas de estudos e empréstimos estudantis), que em 2005 representava 29% do total das contribuições do Estado para o ensino superior, chegou a 64% em 2010. Além disso, o Chile é um dos poucos países latino-americanos que designam contribuições do Estado ao setor privado.
 
Conclusão
Em suma, vários países latino-americanos se aproveitaram destes anos de prosperidade e aumentaram o investimento público e privado no ensino superior. Eles também contribuíram para melhorar o acesso dos estudantes de baixa renda a essas instituições. Em relação aos mecanismos de distribuição de recursos, a única novidade em relação à década anterior foi a incorporação de contratos de vários anos, para melhorar a qualidade, e uma maior presença de mecanismos impulsionados pela demanda no Chile. No futuro, deve-se verificar se o financiamento maior de fato melhorou a quantidade e a qualidade dos formandos, além de ampliar o conhecimento de ciência e tecnologia na América Latina.