01/07/2014

International Higher Education

Cursos massivos abertos online têm um aspecto neocolonialista

Não quero sugerir quaisquer motivações perversas por parte da comunidade MOOC. Mas creio, sim, que é importante apontar que esse emergente e poderoso movimento educacional fortalece a cultura acadêmica hoje dominante, talvez tornando mais difícil que vozes alternativas sejam ouvidas.

Philip G. Altbach
Altbach é diretor do Center for International Higher Education/Boston College. E-mail: altbach@bc.edu
Cursos massivos abertos online, ou MOOCs, são o mais recente esforço para aproveitar a tecnologia da informação no ensino superior. O conceito tira vantagens dos avanços significativos em tecnologia que permitem uma pedagogia muito mais interativa, bem como a entrega mais sofisticada de conteúdo. Enquanto os MOOCs ainda estão em um estágio inicial de desenvolvimento, seus patrocinadores, assim como muitos comentaristas e formuladores de políticas públicas, tornaram-se entusiastas, e os encaram como uma forma barata e inovadora de distribuição de conteúdo para grandes públicos, enquanto outros vêem potencial de lucros.
 
Um aspecto do "movimento MOOC" não foi totalmente analisado – quem controla o conhecimento. Considerando-se de onde o conteúdo e a tecnologia que suportam os MOOCs são originários, a resposta é clara. Os MOOCs são em grande medida um esforço liderado pelos Estados Unidos e a maioria dos cursos disponíveis até agora vêm de universidades estadunidenses ou de outros países ocidentais. Os principais provedores estão também nos países tecnologicamente avançados. A tecnologia em uso foi desenvolvida no Vale do Silício, Kendall Square, em Cambridge, Massachusetts, e em outros hubs de inovação de tecnologia da informação. Os primeiros a adotar os MOOCs têm uma vantagem significativa nessa arena. Enquanto a globalização aumentou a influência dos centros acadêmicos em países economicamente poderosos, os MOOCs prometem ampliar essa hegemonia em ensino superior, aproveitando a tecnologia para a rede de conhecimento existente.
 
Outros, em diversas e menos desenvolvidas regiões do mundo, estão se juntando ao trem dos MOOCs, mas é provável que estarão usando a tecnologia, as ideias pedagógicas e grande parte do conteúdo desenvolvido em outros lugares. Dessa forma, os cursos online ameaçam exacerbar a influência mundial da Academia Ocidental, reforçando sua hegemonia em ensino superior.
 
Dois dos provedores originais de MOOCs, Coursera e EdX, são iniciativas norte-americanas: a primeira, fundada por professores de Stanford e com sede em no Vale do Silício, Califórnia; a segunda, estabelecida pela Universidade Harvard e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Muitas outras universidades top, principalmente nos Estados Unidos, já aderiram a esses esforços. O Coursera oferece 535 cursos em diversas áreas de estudo – 24% dos cursos são originários de fora dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália; o EdX oferece 91 cursos – 19 dos quais são de fora da América do Norte e do Reino Unido. Alguns desses cursos matriculam até 300 mil alunos, com média de matrículas por curso de aproximadamente 20 mil. A grande maioria dos estudantes vêm de fora dos Estados Unidos. As taxas de conclusão aparentemente são bauixas – a maioria inferior a 13%. Muitos no movimento MOOC estão buscando lucrar com MOOCs – um objetivo até o momento não alcançado.
 
Quem controla o conhecimento e por que isso importa?
A grande maioria dos MOOCs é criada e ministrada por professores nos Estados Unidos. As empresas e universidades com os recursos necessários para desenvolver bons cursos MOOCs – e com altos custos de desenvolvimento – são americanas. O Udacity, um provedor de MOOC americano, estima que a criação de um único curso custa 200 mil dólares [cerca de R$ 440 mil], e está aumentando para o dobro disso. A Universidade da Califórnia em Berkeley calcula os custos de desenvolvimento em algo em torno de 50 mil a 100 mil dólares, com acesso à necessária tecnologia sofisticada.
 
Na maior parte dos casos, o conteúdo dos MOOCs é baseado na experiência acadêmica e nas ideias pedagógicas norte-americanas. De um modo geral, as leituras exigidas pela maioria dos MOOCs são norte-americanas ou de outros países ocidentais. Muitos dos cursos são em Inglês, e mesmo quando palestras e textos são traduzidos para outros idiomas, o conteúdo reflete em grande medida o curso original. A grande maioria dos instrutores é de americanos. É provável que paulatinamente haverá mais diversidade, mas o conteúdo básico permanecerá.
 
Abordagens para currículo, pedagogia e filosofia geral da educação diferem de acordo com as tradições e práticas nacionais, e podem não refletir as abordagens da maioria dos instrutores de MOOCs ou das empresas e universidades que oferecem conteúdo e pedagogia MOOC. Sem dúvida, esses MOOCs em desenvolvimento vão alegar que seus métodos são melhores e refletem o pensamento pedagógico mais avançado. Mas talvez haja uma série de abordagens à aprendizagem e muitas tradições.
 
Por que isso é importante? Nem o conhecimento nem a pedagogia são neutros. Refletem as tradições acadêmicas, orientações metodológicas e filosofias de ensino de sistemas acadêmicos particulares. Tal nacionalismo acadêmico é especialmente evidente em muitos campos das ciências sociais e das Humanidades, mas não está ausente nas ciências. Enquanto os acadêmicos que desenvolvem cursos MOOC são, sem dúvida, motivados por um desejo de fazer o melhor trabalho possível e atender a um público amplo, eles são, em grande medida, vinculados pelas suas próprias orientações acadêmicas.
Uma vez que a grande maioria do material utilizado provém de sistemas acadêmicos ocidentais, provavelmente os exemplos empregados ​​em cursos de ciências virão dos contextos norte-americano e europeu, porque esses centros dominam a literatura e os artigos em journals influentes, e os cursos são ministradas pelos professores de renome que lecionam e pesquisam justamente nas universidades de grande prestígio. As abordagens de pesquisa refletem o mainstream ocidental. Embora essa base de conhecimento e essa orientação pedagógica, sem dúvida, reflitam as ideias correntes de "boas práticas", ainda assim podem não ser a única abordagem para uma boa investigação científica ou um bom conteúdo.
 
Essas questões entram em foco ainda maior no campo das ciências sociais e humanas. Em áreas como literatura e filosofia, a maioria dos cursos reflete tradições ocidentais de conhecimento, a literatura canônica ocidental e os pressupostos filosóficos ocidentais. As ciências sociais refletem metodologias ocidentais e pressupostos básicos sobre os fundamentos da pesquisa científica. Ideias e métodos dominantes em campos da antropologia à sociologia refletem as tendências ocidentais, especialmente na comunidade acadêmica norte-americana. Os principais periódicos acadêmicos, editores e conselhos editoriais, as grandes editoras acadêmicas estão todos localizados nos centros globais de conhecimento, como Boston, Nova York e Londres. É natural, sob tais circunstâncias, que as ideias dominantes desses centros dominem o discurso acadêmico, o que será refletido no pensamento e nas orientações da maioria dos que planejam MOOCs e lecionam via MOOCs. Provedores como Coursera, Udacity e outros vão procurar manter os padrões tais como os interpretam, e isso, sem dúvida, fortalecerá a hegemonia de metodologias e orientações ocidentais.
 
O inglês não só domina o saber acadêmico no século 21, mas também os MOOCs. O inglês é o idioma dos journals de circulação internacional; pesquisadores em ambientes que não falam inglês estão, cada vez mais, usando o inglês em seus escritos e comunicações. Os principais sites acadêmicos tendem a ser em inglês também. Porque Inglês é a língua de comunicação científica, as orientações metodológicas e intelectuais da cultura acadêmica de língua inglesa mantêm influência mundial.
 
As implicações para os países em desenvolvimento são graves. MOOCs produzidos nos atuais centros de pesquisa são de fácil acesso e de baixo custo para o usuário, mas podem inibir o surgimento de cultura e conteúdo acadêmico locais, e de cursos concebidos especificamente para os públicos nacionais. Os MOOCs têm o potencial de atingir um público "não elite", ampliando, assim, a influência dos principais centros acadêmicos.
 
O neocolonialismo do produto acabado
Os responsáveis ​​pela design, criação e realização de cursos MOOC em todos os campos estão em geral imersos na cultura acadêmica das principais universidades dos países de língua inglesa. Não é que eles procurem deliberadamente impor seus valores ou metodologias sobre os outros – a influência se dá organicamente, sem conspirações. Uma combinação de poderosas culturas acadêmicas, a localização dos principais criadores e disseminadores de MOOCs, e a orientação da maioria das pessoas projetando e ensinando via MOOCs garantem a dominação, em larga medida, dos sistemas acadêmicos de língua inglesa. Os milhões de estudantes de todo o mundo que optam por participar de MOOCs não parecem estar preocupados com a natureza do conhecimento ou a filosofia pedagógica que estão estudando. Universidades do mundo de renda média e em desenvolvimento não parecem preocupados com as origens ou orientações dos conhecimentos fornecidos pelos MOOCs ou as filosofias educacionais que respaldam a pedagogia MOOC.
 
Eu não quero com isto sugerir quaisquer motivações perversas por parte da comunidade MOOC. Não estou argumentando que o conteúdo ou a metodologia da maioria dos MOOCs atuais estejam errados simplesmente porque se baseiam nas abordagens acadêmicas ocidentais dominantes. Mas creio, sim, que é importante apontar que um emergente, e poderoso, movimento educacional, o dos cursos massivos abertos online, fortalece a cultura acadêmica hoje dominante, talvez tornando mais difícil que vozes alternativas sejam ouvidas.