14/07/2014

International Higher Education

Corrupção acadêmica coloca ensino superior em risco

Diretamente relacionado à internet, o acesso ao ensino superior pode ser minado por uma avalanche das chamadas fábricas de diplomas

Stephen P. Heyneman
Professor de política internacional de educação na Universidade de Vanderbilt, Nashville, Tennessee. E-mail: s.heyneman @ vanderbilt.edu
A competição por recursos e fama coloca pressão sobre as instituições de ensino superior. Instituições mais fracas são mais propensas à corrupção. Em alguns casos, a corrupção invadiu sistemas universitários e ameaça a reputação de resultados de pesquisa e de diplomas. Nos casos em que isso ocorreu, a corrupção reduziu a taxa de retorno econômico individual e social sobre os investimentos em ensino superior. Alguns países têm amealhado a marca da desonestidade acadêmica, levantando questionamento sobre todos os seus formandos e todas as suas instituições.
 
A corrupção pode surgir na fase inicial de recrutamento e admissão. Os alunos podem sentir que têm que pagar um "preço oculto" para ser admitidos a um curso de universidade particular. Alguns pagam subornos como uma apólice de seguro, porque não querem ficar para trás por não pagá-lo.
 
Fraudes financeiras continuam a ser um grande desafio. As reduções no financiamento público têm afetado sistemas de controle interno para evitar fraudes. Como cada faculdade pode ter centros de custos separados, o acompanhamento financeiro pode ser difícil. Também não é fácil monitorar as associações discentes que lidam com dinheiro separadamente da administração da universidade.
 
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Diretamente relacionado à internet, o acesso ao ensino superior pode ser minado por uma avalanche das chamadas fábricas de diplomas – são milhares delas, localizadas em todas as regiões. Há uma página da Wikipédia que lista animais domésticos que ganharam diplomas. Como se pode reconhecer uma fábrica de diplomas? Elas costumam prometer um título em pouco tempo e baixo custo; dão créditos acadêmicos para experiências não acadêmicas; seus sites, muitas vezes, listam como seus endereços apenas caixas postais. Da mesma forma, há falsas agências de acreditação, prometendo avaliações rápidas e acreditação permanente.
 
Programas educativos transfronteiras levantam questões em três áreas: o reconhecimento de diplomas, o uso de agentes de recrutamento para "encorajar" estudantes internacionais e o estabelecimento de programas no exterior por instituições de reputação duvidosa. Por outro lado, assim como as atividades transfronteiras levantam novos riscos de corrupção, também podem ser um indutor de integridade. A prestação internacional de ensino superior de excelência pode oferecer uma rara oportunidade para estudantes e instituições locais observarem como uma instituição livre de corrupção opera.
 
Para atrair alunos, instituições podem exagerar no relato de sucesso profissional de seus egressos – um problema típico de instituições com fins lucrativos e de determinados programas profissionalizantes de baixa qualidade. Integridade acadêmica consiste em honestidade, confiança, respeito, justiça e responsabilidade e é fundamental para a reputação das instituições acadêmicas. A falta de integridade inclui a prática de plágio, fraude, uso não autorizado do trabalho alheio, pagamento por citações, falsificação de dados, deturpação de registros e publicação fraudulenta. Também inclui o pagamento de notas com presentes, dinheiro ou favores sexuais [sic; no original: "It also includes paying for grades with gifts, money, or sexual favors"].
 
Áreas que necessitam de discussão cuidadosa
Limites de definição. Alguns sugerem que a má gestão de uma universidade é sinal de corrupção. Mas ineficiência, concentração de poder,  lentidão na tomada de decisões e relutância em compartilhar informações não são sinais de corrupção. Alguns também podem confundir a busca de fontes não tradicionais de renda com corrupção – não é.
 
Diferenças nos níveis de corrupção. Há casos de corrupção em todos os países, mas isso não quer dizer que a corrupção é distribuída de forma idêntica. Em algumas circunstâncias, é endêmica, afetando todo o sistema; em outros casos, é ocasional. Em algumas circunstâncias, é de natureza financeira; em outros, tende a centrar-se em transgressões profissionais, tais como plágio. Onde os estudantes internacionais pretende estudar é relevante. Em geral, os alunos agem para evitar os lugares onde a corrupção é desenfreada e preferem estudar onde é menor.
 
Diferenças entre a corrupção institucional e individual. Causas e soluções precisam ser diferenciadas. Corrupção institucional – fraude financeira, aquisição ilegal de bens e serviços, evasão fiscal – são problemas que podem ser tratados por meio da aplicação da legislação. A corrupção individual – incluindo comportamento impróprio de professores, trapaças em exames, plágio, falsificação de resultados de pesquisa – constitui transgressões dos códigos de conduta profissional. No primeiro caso, o controle principal é pela lei, no Judiciário. No segundo, o controle é interno à universidade. A legislação não deve tentar incluir sanções à corrupção acadêmica individual, seja de aluno, seja de docente.
 
O ambiente e a corrupção
Embora a competição por receitas imponha grande pressão sobre o professorado, evidentemente que é insuficiente usar essa circunstância como desculpa para se envolver em práticas corruptas. Nem, claro, é suficiente para sugerir que, porque o comportamento corrupto é comum, a própria participação individual pode ser desculpada. Mesmo em ambientes em que a corrupção é praticamente universal existem "resistentes" à corrupção.
 
As medidas de combate à corrupção são internacionais?
Algumas pessoas sugerem que as medidas de combate à corrupção devam ser baseada em valores e leis internas. Embora em inúmeros casos isso pareça correto, também há alguns casos em que "medidas universais" já são a norma. Por exemplo, no caso das universidades classificados pela revista Times Higher Education em 40 países, 98% mantêm "elementos de infraestrutura ética" – disponíveis ao público em seus websites –, incluindo códigos de conduta para professores, estudantes e administradores, e conselhos éticos.
 
O trabalho futuro
As agências internacionais têm um papel importante. Encontrar maneiras de combater a corrupção na educação superior é um objetivo ao qual a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) pode direcionar atenção e recursos extra orçamentários. A Unesco poderia ajudar os países a estabelecer estratégias abordando procedimentos de investigação, códigos de prestação de contas, responsabilização e transparência, estruturas de julgamento, como tribunais para análise de conduta docente e discente.
 
O Conselho da Europa e a União Europeia têm papéis importantes. Para participar do Processo de Bolonha, as universidades e os países buscam ser reconhecidos. O procedimento de reconhecimento pode incluir mecanismos para combater a corrupção. Agências de assistência ao desenvolvimento também têm um papel importante. Entre os critérios de aprovação de projeto, deve constar a existência da infraestrutura anticorrupção mencionada acima. Além disso, países podem ser responsabilizados por seu desempenho de combate à corrupção, com base na evidência de declínio da corrupção, alta do nível de transparência e queda de percepção pública da corrupção.
 
Em levantamentos regulares, a ONG Transparência Internacional tem contribuído para a compreensão da corrupção em geral estimando o grau de percepção de corrupção de empresas e governos. Um conjunto similar de indicadores poderia ser utilizado no ensino superior. Pode ser uma questão de orgulho descobrir que o nível de percepção pública da corrupção está em declínio. Se os governos incentivam tais pesquisas, eis aí um bom sinal; se proíbem ou dificultam tais levantamentos, é sinal de que ainda não entenderam o risco que é ser passivo, leniente ou omisso nessa área.
 
Percepção é de suma importância. É comum negar malfeitos. "Onde estão as provas?", pode-se perguntar. Essa é a abordagem errada. Quando uma instituição é percebida como corrupta, o dano já está feito. A percepção é a única "prova" necessária para desencadear efeitos nocivos. Eis a razão pela qual todas as universidades de classe mundial tornam públicos seus esforços de combate à corrupção em seus websites. A implicação é que qualquer universidade, em qualquer cultura, que tem ambições de se tornar de classe mundial é obrigada a erigir uma infraestrutura ética similar. Isso pode exigir uma mudança de atitude por parte de muitos reitores e gestores universitários. Pode exigir mudança de um modo de autoproteção e negação para um modo de transparência e engajamento ativo, mesmo quando a evidência pode ser perturbador e/ou dolorosa. Se as melhores universidades do mundo submetem-se a essas inspeções éticas, então as outras também podem fazê-lo.