03/07/2014

Gaokao sem Inglês

China planeja reduzir exigência de inglês em seu vestibular nacional

Com mudanças propostas no gaokao, o megaexame para acesso ao ensino superior, a opção chinesa de dominar o idioma inglês em nome da modernização e internacionalização pode desaparecer.

Yang Rui
Yang Rui é professor e diretor no Comparative Education Research Center, Universidade de Hong Kong. E-mail: yangrui@hku.hk
A progressiva adoção do idioma inglês exemplifica um engajamento vigoroso da China com o "mundo exterior", especialmente no que diz respeito às sociedades ocidentais. A atitude não é apenas sem precedentes na história moderna chinesa, mas também é diferente da interação de outros países em desenvolvimento com o mundo ocidental desenvolvido. Tanto no nível nacional quanto no nível de desenvolvimento individual de carreira, a educação em língua inglesa tem sido um assunto de suma importância na China desde a sua reabertura para o estrangeiro. Proficiência em inglês tem sido amplamente considerada como um ativo, seja nacional, seja pessoal. A educação em inglês tem sido encarada pelos chineses, tanto a liderança governamental quanto os cidadãos comuns, como tendo um papel vital na modernização e desenvolvimento nacional.
 
Leia também:
 
Observando o status dominante do inglês como um dado histórico, a China deu início a várias políticas para se adaptar a isso, em vez de resistir, em um esforço para promover a internacionalização. Aprender inglês não é mais apenas "importante" na China. É o mínimo que se espera de qualquer estudante sério. A China é o lar de mais falantes de inglês que qualquer outro país. As provas em escolas chinesas, em todos os níveis, incluem testes de proficiência em inglês. O idioma é amplamente exigido para efeito de promoções profissionais de professores e pesquisadores, incluindo muitos acadêmicos cujo trabalho, na verdade, requer pouco uso do inglês. Com as mudanças propostas no gaokao (exame nacional unificado para acesso ao ensino superior), o fenômeno extraordinário da opção chinesa de aprender inglês pode desaparecer.
 
O plano de reforma do gaokao
Como parte do plano de reforma para mudar seu notório sistema de exame-uma-vez-em-uma-vida, o Ministério da Educação chinês antecipou no final de 2013 que o teste de inglês será removido do gaokao em 2020. A partir de 2020, serão realizados exames várias vezes ao ano para os alunos escolherem quando e quantas vezes fazem o vestibular, de modo a aliviar a pressão, e apenas a maior pontuação será considerada. O novo formato será testado em províncias (estados) e cidades selecionadas e promovido em todo o país a partir de 2017, com um novo exame e um novo sistema de admissão projetado para ser estabelecido em 2020.
 
Mesmo antes do anúncio do Ministério da Educação, a Comissão Municipal de Educação de Pequim tomou a iniciativa de fazer seus próprios ajustes: as pontuações por matéria no gaokao vão ser alteradas a partir de 2016. A pontuação geral da prova de inglês vai cair de 150 para 100, enquanto o total de pontos para língua chinesa subirá de 150 para 180. Matemática permanece inalterada, com pontuação máxima de 150 pontos. Em artes e ciências em geral, há uma alta de 300 para 320 pontos. O teste de inglês pode ser feito duas vezes por ano. Se um aluno recebe 100 pontos no primeiro ano do ensino médio, por exemplo, pode ser dispensado de cursos de inglês no segundo e terceiro anos.
 
Outras regiões, incluindo os estados de Jiangsu e Shandong e o município de Xangai, estão também preparando suas próprias reformas do gaokao. Noticiou-se que Shandong vai cancelar a parte de compreensão do inglês falado. Em Jiangsu, tem havido discussões sobre a pura e simples exclusão do inglês no futuro. Embora os detalhes ainda devam ser finalizados, a direção geral é clara: menos inglês, mais chinês no gaokao.
 
O debate
A iniciativa de reforma ganhou apoio maciço do público em geral. Em uma pesquisa com mais de 220 ​​mil pessoas realizada pela Phoenix Online no fim de 2013, quase 83% apoiaram a redução da pontuação para inglês e acréscimo do peso da prova de mandarim, e só 13% condenaram. Em contraste, o plano divide especialistas em educação, que discordam sobre o valor da redução de ênfase nas habilidades no idioma inglês. A decisão suscitou discussões acaloradas entre aqueles que duvidam que a reforma poderia reduzir a carga de aprender inglês ou se o teste substituto pode refletir conhecimentos de inglês do aluno e ajudá-lo a aprender melhor o idioma. Um aspecto importante da reforma é o que e como testar, uma abordagem sugerida por Yu Lizhong, reitor da Universidade de Nova York em Xangai. O Ministério da Educação contribui para a complexidade do debate encarando a remoção do inglês como um indicador de "confiança cultural" da China.
 
O foco da maioria dos debates é duplo: se a reforma pode ou não aliviar a imensa carga acadêmica e psicológica que o gaokao impõe sobre os estudantes chineses e como distribuir adequadamente o tempo de estudo para aprender a língua materna e a estrangeira. Hu Ruiwen, do Instituto para o Desenvolvimento de Recursos Humanos de Xangai e membro do Comitê Consultivo de Educação Nacional, afirma que a mudança seria uma sinalização aos alunos de que devem prestar mais atenção à sua própria língua de que a um idioma estrangeiro. Para ele, atualmente os estudantes chineses passam tempo demais estudando inglês. Há uma necessidade de que aprendam melhor o idioma pátrio. Ruiwen acredita que as mudanças vão ajudar os chineses a aprender melhor o mandarim.
 
Cai Jigang, professor da Faculdade de Línguas Estrangeiras e e Literatura da Universidade de Fudan e presidente do Comitê Consultivo para Ensino de Inglês em Nível Superior de Xangai, se opõe a qualquer plano para reduzir o status da língua inglesa no vestibular, pois não leva em conta a demanda da China por habilidades no idioma estrangeiro – tudo isso no contexto de aceitação do desafio da globalização e da internacionalização do ensino superior. Jigang receia que os estudantes chineses abandonem o estudo sério do inglês, o que terá um efeito negativo no longo prazo.
 
O volume de artigos revisados por pares (peer-reviewed) escritos por pesquisadores chineses e publicados em revistas internacionais aumentou 64 vezes nos últimos 30 anos. Perdendo o foco no que interessa
A ênfase central sobre o papel estratégico do inglês no processo de modernização e a alta prioridade dada a esse idioma na agenda nacional de desenvolvimento da educação já provaram ser benéficas. Os esforços da China já estão valendo a pena. A função comunicativa e instrumental do inglês como língua global acelerou o comércio exterior da China e contribuiu para o crescimento econômico nas últimas décadas. Também promoveu o intercâmbio da China com o estrangeiro. Professores e estudantes nas principais universidades chinesas têm pouca dificuldade em se comunicar com os acadêmicos internacionais. Sua proficiência em inglês tem contribuído para o rápido e bem-sucedido engajamento com a comunidade internacional. O volume de artigos revisados por pares (peer-reviewed) escritos por pesquisadores chineses e publicados em revistas internacionais aumentou 64 vezes nos últimos 30 anos.
 
A modernização da China começou com o aprendizado de línguas estrangeiras. Em consequência, pode-se argumentar que a atitude em relação à língua estrangeira tem sido o pressuposto de internacionalização na China. Em vez de demonstrar confiança, a decisão revela um grau de complacência cultural. O gaokao deve continuar sendo o mais importante indicador de admissão ao ensino superior: baixar a ênfase no inglês, medindo menos seu conhecimento via testes e mais por intermédio da "proficiência prática", vai reduzir esforços de escolas e de alunos para aprender inglês, em um momento de crescente demanda por profissionais chineses que sejam proficientes em inglês. Esse resultado não vai limitar as possibilidades da China de continuar sua história recente de sucesso?