19/11/2014

International Higher Education | 76

Ativismo estudantil permanece como uma força poderosa em todo o mundo

Mas na maioria dos casos, após a conclusão de um movimento social, as políticas movem-se em direções bastante diferentes daquelas defendidas pelos estudantes. Eles podem ser a força que precipita a mudança política e social, mas nunca são a força que controla os resultados.

Philip G. Altbach e Manja Klemenčič
Altbach é professor-pesquisador e diretor do Center for International Higher Education/Boston College (EUA). Manja Klemenčič é bolsista de Pós-doutorado do Departamento de Sociologia da Universidade Harvard. E-mail: manja.klemencic@gmail.com. (Este artigo foi publicado no Inside Higher Education).
Movimento Otpor, Sérvia
Os estudantes foram a principal força na queda do autocrata ucraniano Victor Yanukovych.  Estiveram no campo de batalha de Maidan em Kiev do inicio ao fim e também foram fundamentais na Revolução Laranja de 2004 após a eleição presidencial daquele ano, marcada por corrupção e fraude eleitoral. Os estudantes foram participantes ativos na Praça Tahrir no Cairo, quando Hosni Mubarak foi forçado a abandonar o cargo, sendo também atuantes em todos os movimentos da Primavera Árabe.
 
Os primórdios dos movimentos estudantis nas “revoluções coloridas” vêm provavelmente com o movimento sérvio Otpor (“Resistência”), que começou em 1998 em resposta às leis de repressão à universidade e à mídia, introduzidas pelo regime liderado por Slobodan Milošević. Em 2000, o movimento Otpor organizou uma campanha chamada “Gotov je” (“Ele está acabado”), levando finalmente à derrota nas eleições de Milošević. Organizações tais como a Kmara na Geórgia, atuante na Revolução Rosa em 2003, Movimento KelKel no Quirguistão, na Revolução das Tulipas de 2005, e Pora, na Ucrânia, foram todos inspirados e treinados pelo Otpor. Estudantes ocuparam por várias semanas o parlamento de Taiwan em protesto contra um acordo comercial com a China em março de 2014 — e protagonizaram um protesto com 100 mil pessoas.
 
Embora a era das revoluções estudantis possa ter terminado há mais de meio século, os estudantes continuam atuantes na politica, sendo muitas vezes a principal força nos movimentos políticos voltados às mudanças sociais em todas as partes do mundo. Talvez não mais estejam no centro dos movimentos políticos, no entanto são muitas vezes participantes indispensáveis, que frequentemente ajudam a moldar as mensagens, ideologias e táticas dos movimentos de protesto.  
 
Os estudantes também foram engajados na política em geral e na política universitária em particular. Alemães promoveram com êxito o restabelecimento do ensino superior gratuito, convencendo assim tanto políticos quanto opinião pública. Estudantes do ensino médio e universitário no Chile protestaram por longos períodos por melhoria da qualidade educacional, pelo fim da educação com fins lucrativos e pela eliminação de mensalidades e taxas. Finalmente tiveram êxito quando Michelle Bachelet ganhou as eleições para presidente em 2013. No Canadá, os protestos do “Maple Spring” em 2012 emergiram da oposição dos estudantes ao anúncio do governo do aumento das mensalidades e taxas escolares e levou à queda do governo do Quebec.
 
Em algumas partes do mundo, a agitação dos estudantes, muitas vezes relacionada às questões do campus, levam os governos a fechar as universidades por longos períodos. Isso ocorreu na Nigéria. Universidades em Myanmar foram fechadas por vários anos após protestos dos estudantes contra a ditadura militar. Em muitos desses casos, as demandas dos estudantes têm combinado as questões locais do campus com questões mais abrangentes de natureza politica.  Raramente obtiveram êxito com relação às mudanças sociais, embora às vezes as condições ou políticas universitárias tenham mudado.
 
Apesar do ativismo contínuo e do impressionante (porém muitas vezes ignorado) êxito, o movimento estudantil não tem recebido a atenção acadêmica que já teve no passado. Pode ser porque os movimentos originados no campus muitas vezes se moverem rapidamente para fora, para as ruas, envolvendo assim muitos outros segmentos da sociedade. Diferente da década de 1960, quando os estudantes muitas vezes eram originadores e principais participantes nos movimentos de protesto, os mais recentes têm envolvido uma fatia mais ampla da população. Os estudantes muitas vezes perderam o controle sobre os protestos, e na verdade em muitos casos líderes estudantis deixaram o campus para concorrer a cargos públicos ou para participar de uma coligação de liderança mais ampla. 
 
Contudo, os estudantes têm permanecido como a força motriz para os movimentos de oposição e protestos.
 
A “lei de ferro” do ativismo estudantil
Existe uma lei de ferro do ativismo politico estudantil. Os estudantes muitas vezes podem atrair a atenção pública para as questões politicas e, quando existir uma corrente de descontentamento, podem ajudar a criar os movimentos políticos que poderão desestabilizar ou até mesmo derrotar regimes.  Como um grupo social, os estudantes tendem a ter a disponibilidade de tempo para trocar e desenvolver ideias e organizá-las dentro do ambiente universitário fortemente engajado; e o público tende a ser simpatizante das questões dos estudantes.   
 
Contudo, os estudantes não podem controlar a política nacional uma vez removido um regime. Podem infiltrar-se nos partidos políticos. Mas na arena política mais ampla, as vozes tipicamente críticas e anticonciliadoras dos estudantes ativistas não vão longe. As políticas sociais geralmente têm a ver com poder político adquirido em recursos econômicos (e militares), na habilidade de construir alianças e forjar compromissos e acordos. Ainda que vigorosos e “impulsionantes”, se os estudantes entram na arena política acabam tornando-se apenas uma voz secundária – pois raramente têm o conhecimento substancial e processual, experiência e networks necessários para um estágio político mais amplo. 
 
Na verdade, na maioria dos casos, após a conclusão de um movimento social as políticas movem-se em direções bastante diferentes daquelas defendidas pelos estudantes. Dessa forma, os estudantes podem ser a força que precipita a mudança política e social, mas que nunca controla os resultados. 
 
Eventos tanto no Egito como na Ucrânia suportam essa “lei de ferro”. Os estudantes em geral não eram a favor da ascensão ao poder da Irmandade Muçulmana após a Primavera Árabe, nem tão pouco estavam em geral felizes com as forças ultranacionalistas que se tornaram influentes nos eventos ucranianos recentes. 
 
Êxito na frente educacional
Os estudantes têm tido às vezes melhores êxitos com as questões educacionais em si. Apesar de as grandes manifestações estudantis – e a oposição de acadêmicos britânicos – terem falhado em evitar que elevadas mensalidades e taxas fossem impostas na Inglaterra e Gales, os estudantes tiveram êxito na Alemanha, diminuindo os encargos de mensalidades, o que levou ao comprometimento atual de todos os estados alemães com um ensino superior gratuito. Protestos prolongados de estudantes do ensino médio e universitários no Chile resultaram em grandes reformas da educação e na diminuição de taxas e mensalidades anteriormente elevadas dos estudantes.
 
Os protestos contemporâneos dos estudantes na frente educacional tendem a ser contrários aos cortes de financiamento público do ensino superior e aos aumentos de taxas e mensalidades, ambos associados com as reformas neoliberais no ensino superior. Medidas de austeridade adotadas após a crise financeira global têm acelerado a implementação de tais reformas em países onde não existiam anteriormente. Embora continuem pronunciadas as diferenças entre países, existe, contudo, a impressão de que os sistemas nacionais de ensino superior estão se tornando cada vez mais semelhantes no sentido de serem mais orientados para o mercado, até mesmo em países com uma forte tradição no bem-estar social.
 
A luta contra taxas e mensalidades permanece como a única força mobilizadora mais poderosa para o ativismo estudantil em todo o mundo. Outras questões voltadas ao bem-estar social, tais como a disponibilidade de moradia estudantil, alimentos subsidiados e transporte, ocasionalmente levam a protestos mais localizados, iniciados por Diretórios Acadêmicos e resolvidos de forma relativamente mais rápida. A garantia da qualidade quase nunca é uma questão marcante o suficiente para mobilizar os estudantes à ação política. Tais questões são tratadas pelos representantes eleitos dos estudantes que consultam as universidades, representando expectativas e satisfação dos estudantes.
 
Ativismo estudantil do século 21
Muitos argumentaram que o ativismo estudantil desapareceria na era da massificação do ensino superior. As diversificadas populações estudantis, o regime de meio período para muitos, as origens sociais da maioria dos estudantes, não provenientes das elites, o custo cada vez mais elevado do ensino superior em muitos países e outros fatores, tudo isso foi lançado como argumento em oposição ao engajamento social e político ativo. Mas esse, claramente, não tem sido o caso. Os estudantes permanecem como uma força social e política poderosa – apenas os modos de seu envolvimento têm se modificado. Os estudantes estão menos propensos a votar e menos propensos a se unir a partidos políticos.
 
Contudo, apresentam mais possibilidades de participação em petições online, em boicotes, de expressar pontos de vista em fóruns online, de envolverem-se nas redes de promoção e participarem em manifestações e movimentos de protesto. A natureza do ativismo estudantil em muito depende ainda de que parte do globo está sendo considerada. Conforme demonstrado pelo World Value Surveys, nas sociedades ocidentais onde todos os sistemas de valor mudaram para o pós-modernismo, os estudantes estão se tornando mais individualistas e talvez mais interessados no bem-estar subjetivo, na autoexpressão e na qualidade de vida.
 
Há outras sociedades onde a democratização, incluindo os direitos das minorias, a libertação de processos e instituições políticas da corrupção e assim por diante, permanecem como questões relevantes. Mesmo nas sociedades pós-modernas e pós-industriais, alguns estudantes permanecem politicamente engajados – conforme evidenciado pela participação estudantil nos movimentos de ocupação e contra os aumentos das taxas e mensalidades na Inglaterra. As queixas potenciais que podem mobilizar os estudantes para movimentos por mudanças sociais são obviamente muito diferentes, dependendo de que parte do mundo está sendo considerada.