25/04/2012

International Higher Education

Anarquia, mercantilismo e a síndrome do publique ou pereça

Philip G. Altbach e Brendan Rapple
Altbach é professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education do Boston College. E-mail: Altbach@bc.edu
Rapple trabalha como bibliotecário encarregado do acervo da Biblioteca O'Neill, do Boston College. E-mail: rappleb@bc.edu
International Higher EducationNos últimos anos, os estudiosos de todo o mundo se viram diante de uma pressão cada vez mais forte no sentido de publicar um número cada vez maior de trabalhos, especialmente em revistas de língua inglesa e "circulação internacional" que são incluídas em índices mundialmente respeitados como o ISI Citations. Como resultado, as publicações acadêmicas que fazem parte dessas redes foram inundadas por textos enviados por pesquisadores, e muitas delas chegam a aceitar somente 10% do material recebido, ou até menos em determinados casos. Dado que é pequeno demais o número de publicações acadêmicas e canais alternativos para acomodar todos os artigos escritos, houve uma proliferação de novas revistas oferecendo espaço para a publicação de artigos acadêmicos nas mais diferentes áreas. Complementando a crescente demanda por novos veículos para a publicação de trabalhos acadêmicos, pessoas inteligentes compreenderam que novas tecnologias criaram um estado de confusão e também oportunidades, e que há dinheiro a ser ganho no ramo das publicações científicas.
 
Revistas falsas e de baixa qualidade
Não surpreende que um grande número de oportunistas esteja agora criando "journals" com o único objetivo de obter um lucro rápido e enriquecer seus proprietários. Uma dessas novas publicações cobra dos autores que a procuram uma "taxa transacional" de US$ 500 para incluir seus textos. Outros veículos contam com maneiras alternativas de explorar os autores menos sofisticados. Essas ditas publicações acadêmicas têm nomes que soam impressionantes e listas formadas por importantes editores consultivos – sendo que alguns deles nunca foram nem sequer contatados pela publicação. Diz-se que os textos são submetidos à avaliação de pares, mas suspeita-se que todos aqueles que pagarem a taxa terão seu material publicado. É claro que os autores não se beneficiam ao terem seu trabalho publicado em revistas desprovidas de prestígio acadêmico, que não serão lidas nem citadas por ninguém. Muitas desses simulacros de journals dedicam-se às ciências, sendo que as ciências da computação são especialmente bem representadas. O problema primário, é claro, está na crescente dificuldade encontrada pelos usuários em potencial no momento de discernir entre publicações respeitáveis e revistas enganadoras. Uma fonte de referência bastante útil é a List of Predatory, Open-Access Publishers, de Jeffrey Beall. Outras opções incluem aquelas que podem ser chamadas de publicações pseudoacadêmicas. Um exemplo notável desta categoria é a Australasian Journal of Bone and Joint Medicine, publicada pela Elsevier, uma grande editora multinacional. De acordo com a Scientist, entre 2000 e 2005 a Elsevier recebeu dinheiro do laboratório farmacêutico Merck para publicar no journal artigos que fossem favoráveis aos remédios Vioxx e Fosamax, fabricados pela Merck. O envolvimento financeiro da Merck na publicação não foi revelado. Posteriormente, a Elsevier admitiu ter tratado com semelhante falta de consideração pela prática da análise por pares outras oito de suas publicações nos primeiros anos da década de 2000.
 
Além das publicações predatórias cujo objetivo primário é ganhar dinheiro em vez de promover o conhecimento, há uma profusão de revistas "legítimas" cuja qualidade é, na melhor das hipóteses, medíocre – publicam artigos que não merecem ser publicados. As principais editoras multinacionais dessas revistas ajuntaram grandes "cocheiras" de journals que são vendidas em pacote por um alto preço às bibliotecas. Embora muitos desses periódicos sejam supostamente analisados por pares, seu padrão de qualidade costuma ser baixo, e muitas pesquisas fracas são aceitas e publicadas. Muitos membros do corpo docente provavelmente concluem que ter o trabalho publicado em algum lugar é melhor do que não tê-lo publicado em lugar nenhum. O século 21 nos apresenta um paradoxo: por mais que se torne cada vez mais difícil publicar um trabalho numa revista acadêmica de alto nível, ter o trabalho publicado em algum lugar tornou-se hoje mais fácil do que nunca.
 
A síndrome do publique ou pereça
Sem dúvida, a ainda vibrante síndrome do "publique ou pereça" deve receber parte da culpa. Cada vez mais, as universidades exigem um número crescente de publicações como critério para promoção, aumento de salário e até a garantia de estabilidade no emprego. Além disso, aumentou a pressão pela publicação de artigos em revistas de língua inglesa, mesmo para os acadêmicos de ambientes universitários que não empregam o inglês. Um número demasiadamente grande de instituições acadêmicas – cuja maioria tem como foco principal o ensino – insiste em que os membros do seu corpo docente publiquem trabalhos. Seus administradores creem que isso vai melhorar seu posicionamento nos rankings. É claro que as editoras entram no processo para criar novas publicações, em cujas páginas são divulgados esses artigos de pesquisa, muitas vezes de qualidade medíocre. Além disso, em vez de publicar todos os resultados de sua pesquisa num mesmo artigo, um considerável número de autores os dilui em múltiplos artigos ou escreve de maneira repetitiva simplesmente para aumentar a frequência com que são publicados. Assim, cria-se uma pressão sobre os estudiosos de muitas áreas, que precisam consultar uma quantidade de artigos em crescimento exponencial – muitos dos quais não têm valor nenhum. Os administradores ficam contentes ao ver os membros do corpo docente publicando trabalhos; as editoras ficam animadas ao vender mais assinaturas; e o jogo continua.
 
Crescente custo das publicações científicas e dos produtos voltados para o conhecimento
Um número excessivo de publicações apresenta um preço exorbitante. O Ulrichsweb Global Serials Directory relaciona mais de 141 mil publicações acadêmicas especializadas, das quais 64 mil contam com um processo de revisão paritária. É claro que as bibliotecas não podem acompanhar o crescimento desses números; faz tempo que as bibliotecas têm cancelado publicações por causa do custo cada vez maior dos periódicos. Faz anos que o custo das publicações aumenta numa proporção muito acima daquela registrada no Índice de Preços ao Consumidor, num período em que o orçamento disponível para as bibliotecas tem sido reduzido. As publicações de custo mais alto são invariavelmente aquelas dedicadas às ciências (o preço médio das revistas de química em 2011 era US$ 4.044 e, na área da física, esse valor era US$ 3.499). O custo de algumas publicações pode ser descrito como astronômico, como é o caso dos US$ 24.048 pagos anualmente pelo Brain Research, os US$ 20.269 pagos pelo Tetrahedron e os US$ 17.258 pagos pelo Chemical Physics Letters – todos editados pela Elsevier. A John Wiley é outra editora cujas publicações são, com frequência, extremamente caras. A assinatura institucional do Journal of Comparative Neurology, editado pela Wiley, custa US$ 30.860 em 2012. Embora as publicações voltadas para disciplinas menos científicas apresentem a tendência de serem substancialmente mais baratas, elas são também frequentemente sujeitas a aumentos no seu alto custo. A Pesquisa de Preço de Periódicos elaborada pelo Library Journal em 2011 revela que as publicações voltadas para a linguagem e a literatura apresentaram um aumento de 29% entre 2009 e 2011. A seguir vinham as publicações voltadas para a filosofia e a religião, registrando aumento de 22%; agricultura, antropologia, artes e arquitetura estavam empatadas em terceiro, com aumento de 17% no seu preço.
 
Outro problema enfrentado pelas bibliotecas é a criação de pacotes de publicações que devem ser assinadas conjuntamente, agrupando centenas de revistas cuja qualidade varia muito. Com o modelo de venda de pacotes, a biblioteca não pode escolher publicações específicas para comprar, sendo também impossível recusar os veículos que não lhe interessam. As bibliotecas se veem presas a um acordo que costuma resultar na aquisição de periódicos de baixa qualidade que terão poucos leitores. A venda casada é uma prática adotada pelas editoras na venda de publicações que seriam assinadas por poucas bibliotecas se houvesse a possibilidade de escolhê-las individualmente. Uma dificuldade adicional reside nos acordos de sigilo que certas editoras obrigam as bibliotecas a assinar. Esses acordos impedem as bibliotecas de revelar o custo e os termos de uso das assinaturas de pacotes de publicações.
 
Possíveis soluções
Haverá uma solução para essa crise dos periódicos científicos? Várias estratégias vêm à mente. Os estudiosos podem se recusar a participar de conselhos editoriais, deixar de submeter artigos e abandonar as funções de avaliação para publicações que sejam claramente de baixa qualidade e/ou que tenham preço desproporcional. Aqueles que buscam financiamento ou uma promoção podem ser obrigados a submeter seu material a apenas cinco ou seis publicações referenciais – o importante é que a qualidade do trabalho de pesquisa pese mais do que a quantidade de trabalhos publicados.
 
As publicações em formato eletrônico de acesso livre são promissoras. Muitas organizações de estudiosos e universidades criaram novas publicações de acesso livre que contam com um processo confiável de revisão paritária e também com o apoio de mestres respeitados. Há mais de 7 mil publicações acadêmicas gratuitas de qualidade controlada no Directory of Open Access Journals (doaj.org). Algumas dessas publicações atingiram um alto grau de aceitação e respeito, ao passo que outras ainda procuram firmar-se, e sem dúvida há exemplos de baixa qualidade e pouca relevância. O movimento pelo livre acesso ainda está no começo. Se for bem-sucedido, tal movimento pode ser um importante veículo para a erradicação das barreiras econômicas que dificultam o acesso ao conhecimento que resulta das pesquisas. Além disso, se as universidades e as sociedades de estudiosos puderem usar a expansão do livre acesso para tirar das editoras comerciais – sejam legítimas ou ilegítimas – parte do controle da produção e da difusão desse material, o preço e o controle de qualidade dessas publicações poderia dispor de uma base mais sólida.
 
É inegável que, atualmente, tecnologia e globalização trouxeram a anarquia para a comunicação do conhecimento nos meios acadêmicos, criando sérios problemas para os professores e pesquisadores num momento de concorrência cada vez mais acirrada. Uma solução significativa vai exigir boa dose de diálogo e, provavelmente, importantes mudanças na maneira pela qual o conhecimento é difundido e o trabalho de pesquisa é recompensado.