30/10/2012

O fator maturidade

Como uma jovem universidade pode alcançar o status de qualidade mundialmente reconhecida

Para especialista, há fatores de aceleração na busca pela excelência: atrair talento estrangeiro, usar o inglês, manter o foco em cursos específicos, realizar atividades sistemáticas de comparação e introduzir inovações no ensino

Jamil Salmi
Especialista em ensino terciário global, ex-coordenador do Banco Mundial para o Ensino Terciário. Salmi foi um dos principais palestrantes da 1ª Escola Zeferino Vaz de Educação Superior, realizada pela Unicamp em julho deste ano. A versão original deste artigo – "The 100 Under 50: From zero to hero" – foi publicada no Times Higher Education em 31 de maio
tertiaryeducation.org
Salmi foi um dos principais palestrantes da 1ª Escola Zeferino Vaz de Educação Superior, realizada pela Unicamp em julho deste ano
"Cerca de 85 instituições do mundo ocidental já criadas em 1520 ainda existem de maneira reconhecível, desempenhando funções semelhantes às originais e apresentando histórias de continuidade, entre elas a Igreja Católica, os parlamentos da Irlanda e da Grã-Bretanha, vários cantões suíços, e 70 universidades. Reis governantes, senhores feudais e seus vassalos e as corporações de ofício com seus monopólios viraram coisa do passado. Estas 70 universidades, no entanto, continuam nos mesmos locais, sendo que algumas ainda ocupam os mesmos edifícios de outrora, enquanto seus professores e alunos se ocupam das mesmas atividades do passado, e sua administração conserva muitas das práticas antigas."
 
Clark Kerr (1982, p. 152)
 
Está claro que a consolidação da excelência continua sendo um empreendimento de longo prazo, sem atalhos. Nesse aspecto, as classificações globais podem ser vistas como uma distração pouco útil Como apontado por Kerr, a busca pelo conhecimento sobrevive até hoje e parece não ter fim, e as universidades, oferecendo um lar para tal busca, também perduraram. Mas as universidades não são todas iguais, e a busca pelo conhecimento foi ampliada para uma busca pela excelência comparativa na qualidade das universidades. Porém, quando uma instituição não pode contar com centenas de anos de experiência numa determinada área, que chance ela terá de alcançar um posto entre as melhores? De fato, chegar ao status de universidade de nível mundial é algo historicamente considerado um processo longo e complexo. Não surpreende, portanto, que as dez universidades melhor posicionadas na mais recente classificação ARWU da Universidade Jiao Tong de Xangai (2011) tenham sido todas fundadas antes de 1900, sendo que duas delas têm mais de oito séculos de história. Como ocorre no caso dos melhores vinhos, a excelência acadêmica exige muita experiência, cuidados atentos e um longo período de amadurecimento.
 
Entretanto, essa ideia vem sendo questionada recentemente sob vários aspectos. Primeiro, a publicação regular de várias classificações anuais, lideradas pelo Times Higher Education e pela Universidade Jiao Tong de Xangai, parece implicar que seria possível esperar um progresso significativo de um ano para o seguinte. Em segundo lugar, , a decisão de vários países de renda média e alta no sentido de aumentar seu investimento para apoiar suas universidades de elite dentro de várias "Iniciativas de Excelência" mostra sua determinação em obter uma drástica melhoria dentro de poucos anos. Por fim, várias universidades foram criadas recentemente nas economias emergentes, como Cazaquistão e Arábia Saudita, com a clara ambição de alcançarem o "nível mundial" de excelência.
 
Seria realista crer que, hoje em dia, uma universidade poderia chegar ao topo num ritmo mais acelerado? Será possível chegar a um desenvolvimento mais rápido, recorrendo ao financiamento mais generoso e à vontade política, obtendo como resultado aquilo que foi historicamente o fruto de uma evolução no longo prazo? Para abordar essa questão o presente artigo recorre às descobertas de publicações recentes que analisaram o desafio do estabelecimento de universidades de nível mundial (Salmi, 2009; Altbach e Salmi, 2011).
 
Avanço rápido pode ser obtido em período relativamente curto, desde que haja foco no triângulo da excelência: mecanismos adequados de financiamento, administração robusta e concentração de talento O peso da tradição
Antes da invenção das tabelas internacionais de classificação em 2003, o prestígio das universidades de elite decorria de sua reputação enquanto instituições da mais alta qualidade no ensino, aprendizado e pesquisa. A estrutura conceitual desenvolvida para compreender os resultados notáveis das universidades de nível mundial – a alta procura por seus formandos, a pesquisa de ponta e a transferência dinâmica de tecnologia – destacava a atuação de três conjuntos complementares de fatores: (1) uma alta concentração de talento entre estudantes e professores; (2) a abundância de recursos para proporcionar um rico ambiente de aprendizado e facilitar a pesquisa avançada; e (3) estruturas administrativas de características favoráveis capazes de incentivar a visão estratégica, a inovação e a flexibilidade, permitindo às instituições que tomassem decisões e administrassem seus processos sem serem travadas pela burocracia (Salmi, 2009).
 
Observando esses fatores, torna-se claro que não existe atalho para alcançar a concentração de recursos acadêmicos e financeiros necessária para reivindicar o status de universidade de nível mundial. O desenvolvimento de uma sólida cultura de excelência, especialmente em pesquisa, é algo que não ocorre da noite para o dia, sendo em vez disso o resultado de um processo gradual e de sua consolidação no decorrer de várias décadas e, às vezes, séculos.
 
A Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (HKUST) é talvez a instituição com a ascensão mais acelerada, graças a uma combinação única de fatores favoráveis desde o início O tempo é absolutamente fundamental, mas não é suficiente por si mesmo. De fato, a idade somada por uma universidade não pode ser considerada garantia de excelência acadêmica. Para a frustração de muitos europeus, a primeira classificação global produzida pela Universidade Jiao Tong de Xangai não conferiu a nomes tradicionais como Bolonha (posições 201-251), Heidelberg (58º lugar) nem Sorbonne (65º) um posto condizente com sua reputação internacional enquanto nobres templos do conhecimento (ARWU, 2003). Examinadas pela lente de indicadores específicos voltados para determinados objetivos, tais instituições simplesmente fracassam quando comparadas com universidades dotadas de financiamento adequado, administração moderna, talento na área de pesquisa e autonomia institucional – elementos absolutamente fundamentais numa universidade de nível mundial. No caso da França, por exemplo, o resultado dessas classificações expôs grandes discrepâncias sistêmicas em termos de financiamento inadequado, falta de flexibilidade administrativa e incapacidade de selecionar novos estudantes (Orivel, 2004). 
 
A HKUST foi criada com o benefício de visão clara, liderança sólida, corpo acadêmico extremamente talentoso, modelo educacional inovador, recursos amplos e estrutura de apoio e administração competente Rápido avanço
Experiências recentes nos países emergentes mostraram que um rápido avanço pode ser obtido dentro de um período relativamente curto, desde que haja um foco no triângulo da excelência para a construção de uma instituição de nível mundial: mecanismos adequados de financiamento, administração robusta e a concentração de talento (Salmi, 2009). Quatro dos estudos de caso analisados em The Road to Academic Excellence documentam exemplos de novas instituições que alcançaram destaque nacional e até internacional em questão de poucas décadas, num período às vezes inferior a trinta anos (Altbach e Salmi, 2011). As quatro instituições consideradas as mais bem-sucedidas, usando como critério sua posição no ARWU de Xangai e nas classificações da THE, são os Institutos de Tecnologia da Índia (IITs), a Universidade Nacional de Cingapura (NUS), a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong (HKUST) e a Universidade POSTECH de Ciência e Tecnologia da Coreia do Sul.
 
De todos os estudos de caso analisados, a HKUST é talvez a instituição que apresentou a ascensão mais acelerada, graças a uma combinação única de fatores favoráveis presentes desde o início. Num momento crítico de transformação de todo o território como resultado de sua devolução à China, a nova universidade foi criada com o benefício de uma visão clara, uma liderança sólida, um corpo acadêmico extremamente talentoso, um modelo educacional inovador, recursos amplos e uma competente estrutura de apoio e administração.
 
A introdução de significativas inovações nos currículos e na metodologia pedagógica, parte da vantagem dos tardios, é uma forma de as novas instituições atraírem o estudante a assumir o risco de se matricular em curso desconhecido Seria esse exemplo demasiadamente excepcional para oferecer lições úteis a outros países e instituições? É verdade que o "alinhamento perfeito" das características das quais a HKUST pôde se valer não será fácil de reproduzir, e menos ainda de manter no longo prazo. Mas os vários estudos de caso documentados em The Road to Academic Excellence destacam elementos genéricos que vale a pena mencionar. Entre os principais "fatores de aceleração" que podem desempenhar um papel positivo na busca pela excelência – atrair o talento estrangeiro, usar o inglês, manter o foco em cursos específicos, realizar atividades sistemáticas de comparação e introduzir inovações no ensino –, o mais influente parece ser o recurso aos emigrados. Como mostram os casos da POSTECH e da HKUST, convencer grandes números de estudiosos residentes no exterior a voltarem ao seu país de origem é uma forma eficaz de aumentar rapidamente a força acadêmica de uma instituição, desde que o financiamento adequado possa ser mantido para promover tal abordagem no longo prazo. Somado a isso, um segundo elemento visto nos estudos de caso é o emprego do inglês como principal idioma de trabalho, algo que aumenta muito a capacidade da instituição de atrair acadêmicos estrangeiros altamente qualificados, como ocorreu no caso da NUS. 
 
A concentração em áreas específicas, como as disciplinas de ciência e engenharia, é uma terceira maneira conveniente de se atingir a massa crítica mais rapidamente, como ilustram as experiências da POSTECH, dos IITs e da HKUST. Duas das instituições europeias mais dinâmicas, ETH Zurique e ETH Lausanne, são faculdades de engenharia. A especialização também foi um dos fatores de sucesso por trás da rápida ascensão da Universidade Aga Khan de Karachi, que desde o início se concentrou na ciência médica e cursos a ela associados. 
 
Convencer grandes números de estudiosos residentes no exterior a voltarem ao seu país de origem é uma forma eficaz de aumentar rapidamente a força acadêmica de uma instituição Uma quarta abordagem consiste em usar comparações de desempenho como guia para orientar a instituição nos seus esforços de aprimoramento. A Universidade Jiao Tong de Xangai, por exemplo, ancorou seu trabalho de planejamento estratégico em cuidadosas comparações primeiro com as principais universidades chinesas, passando a seguir a incluir universidades estrangeiras do mesmo tipo em seu exercício comparativo. Uma quinta e última maneira de promover rápidas melhorias é a introdução de significativas inovações nos currículos e na metodologia pedagógica. A HKUST, por exemplo, foi a primeira universidade de estilo americano em Hong Kong, o que a distinguiu entre as instituições existentes fundadas com base no modelo britânico. A Escola Superior de Economia de Moscou esteve entre as primeiras instituições russas a oferecer um currículo que integrasse ensino e pesquisa numa única universidade, sendo também pioneira na criação de uma biblioteca digital. Esse tipo de característica inovadora – parte da "vantagem dos tardios" – é de grande importância para as novas instituições que precisam ser suficientemente atraentes para afastar os estudantes das universidades existentes, levando-os a assumir o risco de se matricularem num curso "desconhecido". A experiência da Faculdade de Engenharia Olin, nova instituição particular de Needham, Massachusetts, mostra que um modelo acadêmico altamente inovador pode levar uma nova instituição a atrair acadêmicos e estudantes de primeiro nível, apesar de sua proximidade ao MIT (Salmi, 2009). 
 
Talvez seja surpreendente que a trajetória das universidades analisadas em The Road to Academic Excellence indique que pode ser mais fácil atingir o status de universidade de nível mundial por meio da criação de uma nova instituição em vez da tentativa de aprimorar uma instituição existente. É muito menos complicado, por exemplo, criar uma estrutura administrativa favorável para uma nova instituição em vez de tentar transformar o modo de funcionamento das instituições existentes. É notável perceber que, na Europa, as melhores faculdades de administração que figuram na classificação do Financial Times sejam todas instituições autônomas, diferentemente do que ocorre nos EUA, onde as melhores faculdades de administração fazem parte de universidades fortes.
 
A concentração em áreas específicas, como ciência e engenharia, é uma maneira conveniente de atingir massa crítica mais rapidamente Isso não significa que seja impossível para uma universidade existente obter melhorias significativas, mas é mais desafiador criar uma cultura de excelência onde esta não floresceu por conta própria. Um estudo de caso da Universidade de Leeds documentou como a chegada de um novo líder em 2003 marcou o início de um esforço consciente e bem-sucedido de reversão de uma tendência negativa por meio de mudanças estratégicas cuidadosamente planejadas e implementadas (Donoghue e Kennerley, 2008). A Universidade de Aarhus, na Dinamarca, vem passando por mudanças impressionantes sob o ímpeto de um reitor inovador que se esforça para incentivar o progresso "sem uma crise grave", assim como o vice-chancellor da Universidade do Pacífico Sul tem liderado uma mudança estratégica pioneira sob o lema "simplesmente bom não é bom o bastante." 
 
Pode ser mais fácil atingir o status de universidade de nível mundial por meio da criação de uma nova instituição; é muito menos complicado que tentar transformar o modo de funcionamento das existentes Conclusão
As melhores universidades atuais estão entre as mais antigas instituições de ensino terciário do mundo, e isso não é uma coincidência. Aquilo que poderia ser chamado de elemento da "maturidade" é sem dúvida uma vantagem desfrutada pelas universidades mais antigas – o poder que sua reputação tem de continuar a atrair os melhores professores e estudantes e, assim, perpetuar as normas de excelência. Mas, nos últimos anos, o reconhecimento de que o ensino terciário é uma parte importante da vantagem competitiva de um país, somado ao ímpeto proporcionado pelas classificações mundiais, trouxe uma mudança qualitativa na forma com a qual os governos e líderes institucionais enxergam o papel e a importância das universidades. É cada vez mais forte a crença de que, dotadas do investimento e da liderança adequada, as universidades existentes que não foram vistas nos níveis mais altos da hierarquia universitária global podem ser drasticamente transformadas em instituições de nível mundial no decorrer de um período relativamente curto. Entretanto, as provas apresentadas nos recentes estudos de caso mostram que, embora não seja impossível, criar uma nova universidade por meio do aprimoramento de instituições existentes traz desafios maiores do que o desenvolvimento de uma nova instituição desde o início dotada de ambições de excelência global.
 
Seja como for, está claro que a consolidação da excelência continua sendo um empreendimento de longo prazo, exigindo abordagens elaboradas e adequadas para a sustentabilidade. Nesse aspecto, as classificações globais podem ser vistas como uma distração pouco útil, já que sua publicação anual transmite a impressão equivocada de que uma universidade possa mudar substancialmente de um ano para o seguinte. Até as instituições capazes de se valer dos tipos de fatores de aceleração mencionados neste artigo devem ter em mente que a tarefa de levar uma universidade ao topo do ranking é algo que exige décadas de esforço contínuo, sem recorrer a atalhos. Diferentemente de uma safra particularmente boa de vinho, que varia de qualidade e sabor a cada ano, a universidade que almeja a excelência acadêmica deve manter o rumo e estar sempre atenta ao longo prazo. Como escreveu recentemente Daniel Lincoln (2012), "a excelência, como tudo aquilo que associamos ao valor, é uma maratona, e não uma corrida". 
 
(Agradecimento especial a Roberta Malee Bassett, Jean-Marc Rapp e Rolf Tarrach por seus comentários úteis. As descobertas, interpretações e conclusões expressas neste artigo são inteiramente do autor.)
 
 
ARWU (2003). Academic Ranking of World Universities. Publicado pela Universidade Jiao Tong de Xangai. http://www.arwu.org/ARWU2003.jsp
 
ALTBACH, P. e J. SALMI, eds. (2011). The Road to Academic Excellence: the Making of World-Class Research Universities. Washington, DC: Banco Mundial. Rumos do Desenvolvimento.
 
DONOGHUE, S. e M. KENNERLEY (2008). "Our Journey Towards World Class: Leading Transformational Strategic Change." Comunicado feito durante a Conferência IMHE da OCDE em setembro de 2008. http://www.oecd.org/dataoecd/4/43/41216373.pdf
 
KERR, C. (1982). The Uses of the University, 3ª ed., Harvard University Press, Cambridge.
 
LINCOLN, D. (2012). "Rankings: an Idea whose Time has Come, and Gone." Blog publicado na seção World View do Inside Higher Education, 28 de fevereiro de 2012. http://www.insidehighered.com/blogs/world-view/rankings-idea-whose-time-has-come-and-gone#ixzz1npn1ujCq
 
ORIVEL, F. 2004. "Pourquoi les universités françaises sont-elles si mal classées dans les palmarès internationaux?" Dijon: Notes de l’IREDU (May).
 
SALMI, J. (2009). The Challenge of Establishing World-Class Universities. Washington DC: Banco Mundial. Rumos do Desenvolvimento. http://siteresources.worldbank.org/EDUCATION/Resources/278200-1099079877269/547664-1099079956815/547670-1237305262556/WCU.pdf